Peru. “O país está no melhor momento para ter um projeto comum”. Entrevista com dom Carlos Castillo

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16 Julho 2021

 

Ventila-se a possibilidade de o Papa Francisco o ter na lista de futuros cardeais. Carlos Castillo, que passou de padre descalço a arcebispo de Lima, compartilhou a vida dos mineiros e agora luta pela unidade do Peru.

Na véspera em que o arcebispo de Lima chegou ao mundo, sua mãe assistiu a um filme de Tin Tan, um famoso comediante da época. Em pleno ataque de risos chegaram as contrações e Carlos Castillo nasceu com um sorriso que apenas se desfaz pela preocupação que vive com a situação do Peru, país no qual a essência da democracia pende a um fio. À espera dos resultados finais das eleições presidenciais de 06 de junho, com uma escassa diferença de votos entre o ganhador, Pedro Castillo, e sua rival, Keiko Fujimori, fala-se abertamente de fraude. O enfrentamento abriu velhas feridas enraizadas e brotou o medo atávico ao outro.

A entrevista é de Eva Fernández, publicada por Alfa & Omega, 10-07-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

Eis a entrevista.

 

O resultado das eleições desatou uma onda de medo e divisão, sobre a qual a Igreja tem o direito de opinar, ainda que muitos prefiram que estivesse calada.

A situação que se criou no Peru é difícil, mas é uma oportunidade extraordinária de dar um passo juntos. Em cada família há desentendimentos e às vezes o clima é tenso, mas depois da primeira raiva, é conveniente se acalmar e aprender com os erros do passado. Estamos nesse momento e devemos aproveitá-lo para estudar em profundidade o que está acontecendo conosco e como podemos melhorar como nação. Os dois partidos têm direitos legítimos para investigar o que aconteceu após as eleições. Quando numa entrevista anterior falei de “amoralidade” por parte de quem tenta atrasar a proclamação do triunfo de um dos candidatos, não me referia ao legítimo direito de saber se foi cometida alguma irregularidade, mas antes, para aqueles que aproveitam a circunstância para tornar a situação mais tensa, sem respeitar as regras do jogo democrático. A grande ferida do Peru é a dificuldade de todos concordarem e empreenderem um projeto comum, entendendo o valor do que cada um dá, agregando.

 

Se finalmente ficar provado que as eleições foram fraudadas e que Pedro Castillo não é o vencedor, qual seria a posição da Igreja no Peru perante Keiko Fujimori?

A Igreja estará sempre com a lei e respeitando a vontade popular. Na verdade, posso afirmar com firmeza que o próximo presidente do Peru sempre terá a colaboração leal da Igreja. Nestes dias, os bispos peruanos estão trabalhando muito para que os resultados finais sejam recebidos com paz, com respeito à legitimidade constitucional e, acima de tudo, fortalecendo os laços de unidade do país. No reconhecimento da vitória e da derrota será possível descobrir que a polaridade está chamada ao complemento.

Diante daqueles que tentam fazer uma leitura ideológica de minhas palavras, sempre lhes digo que não concebo um desenvolvimento econômico do país sem solidariedade e sem justiça social, mas também não imagino justiça social sem reconhecer a intervenção da iniciativa privada. O diálogo político e social deve encontrar o equilíbrio certo. Isso é política? Eu acredito que é o Evangelho. Não posso agir sem contar com o outro. O outro também faz parte de mim. Somos todos peruanos, embora sejamos tão diversos. Por isso, precisamos apenas de estruturas que nos permitam acolher e compreender-nos, e não nos desprezar. Quando há polarização, como no Peru, muitas feridas vêm à tona. E aí a missão profética da Igreja é capital, enxugar lágrimas e curar feridas.

 

Essa posição seria sua ou da Igreja peruana? Digo isso porque parece que nem todos os seus colegas bispos estão alinhados com o mesmo vencedor.

Em geral, há consenso sobre o que é essencial: unidade. A função da religião é unir, despertar valores e o reconhecimento do outro. Uma unidade que vai ao fundo, à nossa humanidade mais profunda. Convivemos em uma sociedade legitimamente plural, com pensamento diverso. Portanto, a proposta cristã é resolver o conflito pelo diálogo, não destruindo o adversário. Isso implicaria cair no marxismo, na luta de classes que justifica o uso de qualquer meio diante de um bem imposto, não proposto. Eliminar o outro é imoral.

 

Em agosto ocorrerão as eleições na Conferência Episcopal. Você se imagina à frente?

Não acredito. Existem outros bispos que o podem fazer muito bem e o que a Igreja no Peru precisa é que todos colaboremos. Por outro lado, meu papel prioritário agora é contribuir para que a Igreja de Lima dê passos decisivos na pastoral, em particular na solidariedade entre as paróquias, na consciência participativa de todos os fiéis e na superação da insensibilidade para com as vítimas de qualquer tipo de abuso. No entanto, com a equipe adequada, ficaria feliz em oferecer minha ajuda. Esse é o meu lugar.

 

Nos corredores do Vaticano, presume-se que o Papa o inclui em sua lista secreta de futuros cardeais.

A vocação supõe sempre um chamado, e se o Papa decidir, vamos em frente, não serei eu que causarei problemas [sorri novamente]. As responsabilidades só devem ser aceitas como um serviço para ajudar a Igreja a crescer e se você estiver disposto a abrir caminho para outras pessoas. Fratelli tutti, além do fato de sermos todos irmãos, convida a nós todos para colaborar.

 

Nas imagens do encontro que teve com Francisco recentemente nota-se a sintonia, porém aposto que também lhe colocou deveres.

O Papa escutou com muito interesse o que referia sobre a luta contra a corrupção dentro da própria Igreja, que por desgraça também existe e, sobretudo, o impulso pastoral que estamos dando à diocese. Expliquei que durante os meses de confinamento, junto com meus bispos auxiliares e nossos mais estreitos colaboradores, deixamos de colocar em curso iniciativas para promover a criatividade orante, litúrgica e decisional dos fiéis. O papa gostou de saber que os padres jovens e os 250 jovens líderes do Vicariato da Juventude se mobilizaram nestes últimos meses trabalhando nos bairros mais pobres. E aconselhou-me a algo que já me disse que nos conhecemos: “Abandona-te ao Espírito, que Ele vá tecendo as coisas. Deixa-te levar, não deixes de rezar, e presta sempre atenção aos problemas que vive e sente o povo”.

Caía o sol com força enquanto atravessava a via da Conciliazione e me veio à cabeça o conselho que um amigo padre deixou gravado a fogo em um jovem Carlos Castillo: se não sente os problemas do povo, dificilmente poderás pregar.

 

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