Vaticano e o confronto pelo PL Zan, o Papa tenta (tardiamente) suavizar a linha: “Não julgar, deixar viver, Deus ama a todos”

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28 Junho 2021

 

Francisco permaneceu em silêncio enquanto o debate, inclusive sobre a necessidade de revisar a Concordata entre o Vaticano e a Itália, se inflamava. Mas agora é impossível continuar apoiando a tese do Papa bom contra a Cúria má. Suas palavras têm um propósito: evitar desagradar tanto conservadores quanto progressistas, ambos os lados profundamente decepcionados com esses oito anos de pontificado. Mas alimentam ainda mais a confusão sobre qual realmente seja a linha do Vaticano sobre os direitos das pessoas homossexuais.

A reportagem é de Francesco Antonio Grana, publicada por Il Fatto Quotidiano, 27-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

“Não julgar a realidade pessoal, social, dos outros. Deus ama a todos! Não julguem, deixem os outros viverem e procurem aproximar-se com amor”. Frase nada casual aquela inserida pelo Papa Francisco no final da meditação com a qual introduziu a oração mariana do Angelus, recitada com os fiéis presentes na Praça São Pedro. Palavras que chegam no final de uma semana abrasadora nas relações entre o Vaticano e a Itália, após a publicação da nota verbal com a qual a Secretaria de Estado apontou o dedo contra o projeto Zan. Para a Santa Sé, de fato, o projeto de lei contra a homotransfobia viola o acordo de revisão da Concordata que foi assinado em 1984 entre o então primeiro-ministro, Bettino Craxi, e o cardeal secretário de Estado da época, Agostino Casaroli. Certamente não é uma prática inédita a da nota verbal que, como também lembrou Stefano Andreotti, filho do ex-líder democrata-cristão, também foi usada por ocasião da lei sobre o divórcio.

Francisco permaneceu em silêncio enquanto o debate, inclusive sobre a necessidade de revisar a Concordata entre o Vaticano e a Itália, se inflamava. O cardeal secretário de Estado, Pietro Parolin, confirmou que a nota verbal foi compartilhada e aprovada por Bergoglio. “O princípio - afirmou o cardeal - é que sempre são informados os superiores sobre tudo o que é feito”. Reiterando, além disso, as fortes críticas da Santa Sé sobre o projeto de lei Zan expressas ao governo italiano. No Angelus, porém, o Papa evidentemente aliviou, como assinala a Casa Santa Marta, ainda que em um drible certamente não fácil para não desagradar conservadores e progressistas, ambos os lados profundamente decepcionados com esses oito anos de pontificado.

A dificuldade de governo também se manifestou no apelo sincero que Francisco fez no final do Angelus neste domingo, dia 27 de junho: “Peço-lhe que rezem pelo Papa. Rezem de maneira especial: o Papa precisa de suas orações! Obrigado. Sei que vocês farão isso”. O sinal de uma evidente pressão que, no entanto, também levanta várias questões. Como, aliás, assinalou o teólogo Vito Mancuso, depois de oito anos de pontificado é difícil, senão impossível, ainda sustentar a tese do Papa bom contra a Cúria má, considerando que Bergoglio neste período renovou a maioria dos chefes de dicastério. Uma tese, no entanto, que reaparece a cada crise de governo, incluindo aquela sobre o projeto de lei Zan. E talvez seja para reunir a Igreja que o Papa há muito não é mais explícito sobre os direitos das pessoas homossexuais como o tinha sido logo após sua eleição quando disse: “Se uma pessoa é homossexual e busca o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”. Especificando que o Catecismo da Igreja Católica afirma que “essas pessoas não devem ser marginalizadas por isso, devem ser integradas na sociedade. O problema não é ter essa tendência, não, devemos ser irmãos”.

Percorrendo a passagem do Evangelho que narra a cura da mulher hemorrágica, Francisco afirmou: “Qual é a maior doença da vida? O câncer? A tuberculose? A pandemia? Não. A maior doença da vida é a falta de amor, é não conseguir amar. Essa pobre mulher sofria sim de perda de sangue, e, consequentemente, da falta de amor, porque não podia ficar socialmente com os outros. E a cura que mais importa é a dos afetos. Mas como encontrá-la? Podemos pensar nos nossos afetos: estão doentes ou gozam de boa saúde? Eles estão doentes? Jesus pode curá-los”. “Nós também - acrescentou o Papa - quantas vezes confiamos em remédios errados para saciar a nossa falta de amor? Achamos que o que nos torna felizes são o sucesso e o dinheiro, mas o amor não se compra, é gratuito. Refugiamo-nos no virtual, mas o amor é concreto. Não nos aceitamos como somos e nos escondemos por trás da exterioridade, mas o amor não é aparência. Procuramos soluções com magos e curandeiros, apenas para acabar ficando sem dinheiro e sem paz, como aquela mulher”.

Bergoglio explicou que “Jesus não olha o todo, como nós, mas olha a pessoa. Não se detém diante das feridas e dos erros do passado, mas vai além dos pecados e dos preconceitos. Todos nós temos uma história, e cada um de nós, em seu segredo, conhece as coisas ruins de sua própria história. Mas Jesus olha para elas para curá-las. Em vez disso, nós gostamos de olhar para as coisas ruins dos outros. Quantas vezes, quando falamos, caímos na tagarelice, que é falar mal sobre os outros, 'esfolar' os outros. Mas vejam: que horizonte de vida é esse? Não como Jesus, que sempre olha uma maneira para nos salvar, olha para o hoje, para a boa vontade e não para a má história que temos.

Jesus vai além dos pecados. Jesus vai além dos preconceitos. Não se detém nas aparências, chega o coração, Jesus. E cura justamente aquela que era rejeitada por todos, uma pessoa impura”.

Daí o apelo do Papa aos fiéis: “Irmã, irmão, você está aqui, deixe Jesus olhar e curar o seu coração. Eu também devo fazer isso: deixar que Jesus olhe para o meu coração e o cure. E se você já experimentou seu olhar terno sobre você, imite-o e faça como ele. Olhe ao seu redor: você verá que tantas pessoas que vivem ao seu lado se sentem feridas e sozinhas, precisam se sentir amadas: dê o passo. Jesus lhe pede um olhar que não se detenha à exterioridade, mas vá até o coração; um olhar que não julgue, costumamos julgar os outros, Jesus pede-nos um olhar que não julga, mas que acolha. Abramos o nosso coração para acolher os outros. Porque só o amor cura a vida”. Palavras destinadas a alimentar o debate, mais dentro do que fora da Igreja. Mas também para alimentar a confusão sobre qual realmente seja a linha do Vaticano.

 

Nota do Instituto Humanitas Unisinos – IHU

 

No dia 21 de julho de 2021, às 10h, o Instituto Humanitas Unisinos – IHU realiza a conferência A Inclusão eclesial de casais do mesmo sexo. Reflexões em diálogo com experiências contemporâneas, a ser ministrada pelo MS Francis DeBernardo, da New Ways Ministry – EUA. A atividade integra o evento A Igreja e a união de pessoas do mesmo sexo. O Responsum em debate.

 

A Inclusão eclesial de casais do mesmo sexo. Reflexões em diálogo com experiências contemporâneas

 

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