Igreja doméstica e em saída digital: horizontes novos para a vivência da fé cristã. Artigo de Edward Guimarães e Moisés Sbardelotto

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02 Janeiro 2021

"O contexto da pandemia, com as exigências sanitárias do 'ficar em casa', impulsionou a tomada de consciência da centralidade da 'Igreja doméstica' no dinamismo da vida cristã. Colocou na pauta das discussões e reflexões teológico-pastorais o sentido e o papel da 'Igreja doméstica' no conjunto da ação evangelizadora e na missão do Reino.

No entanto, importa dizer que a 'Igreja doméstica' não surge como uma saída emergencial, espécie de via secundária que se recorre em contextos especiais quando se está impedido de utilizar a via principal da paróquia e da centralidade do templo e do clero. Ao contrário, a 'Igreja doméstica' impõe-se como o lugar do cultivo da intimidade, da internalização afetiva e efetiva e do aprofundamento da experiência da fé cristã", escreve Edward Guimarães e Moisés Sbardelotto em artigo publicado nos Cadernos Teologia Pública, Nº 149, do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.

Edward Guimarães. Doutor em Ciências da Religião pela PUC Minas e mestre em Teologia pela FAJE. Licenciatura em Filosofia pela PUC Minas (2020), bacharel em Teologia (1996) e Filosofia (1992) pela FAJE. É professor do Departamento de Ciências da Religião da PUC Minas, onde atua como secretário executivo do Observatório da evangelização. É membro da atual diretoria da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (SOTER).

Moisés Sbardelotto. Mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), com estágio de pesquisa doutoral (bolsa PDSE/Capes) na Università di Roma “La Sapienza”, na Itália. Possui graduação em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos, onde realiza estágio pós-doutoral (bolsa Fapergs/Capes). É membro do Grupo de Reflexão sobre Comunicação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e consultor em Comunicação para diversos órgãos e instituições civis e religiosos. Desde 2008, é colaborador do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).

 

Eis o artigo.

 

Este texto se propõe explorar e refletir sobre aspectos decisivos da vivência da fé cristã, do ser Igreja de Jesus Cristo, que, neste longo contexto de pandemia, afloraram bem fortemente, seja como exigência pastoral diante de urgências, seja como dinamismo profético a exigir respostas novas diante dos sinais do tempo. Ele está organizado em duas partes: a primeira aborda a “Igreja doméstica”, e a segunda reflete sobre o chamado a ser uma “Igreja em saída” também no ambiente digital.

Igreja doméstica

Por inúmeras razões, a vivência da fé cristã, o modo de ser cristão, foi perdendo paulatinamente a força de sua capilaridade e de sua dimensão doméstica, familiar, vivida no interior do espaço sagrado das casas, com inúmeros desdobramentos para a vida eclesial e em sociedade. A opção pela estrutura organizativa paroquial da vida cristã, com seus ritos litúrgicos sacramentais, especialmente a celebração da eucaristia, do batismo-crisma, da penitência e do matrimônio, com suas exigências e obrigações, concentrou tudo em torno do que passou a ser vivido no interior dos templos, das igrejas. Tudo passou a ser centralizado sob o poder hierárquico do clero. No senso comum, até hoje, em muitos lugares, o “sair de casa para ir à igreja”, o não faltar à missa aos “domingos e festas de guarda”, concentra o critério decisivo para definir quem é cristão católico praticante ou não. Os processos decisórios, as reuniões de planejamento, os encontros, os ritos sacramentais, a catequese, as festas religiosas e, até mesmo, grande parte das devoções passaram a ser vividas praticamente no interior ou ao redor do templo e sob o controle do clero.

Essa configuração da fé cristã há tempos se mostra esclerosada. Não responde ao contexto epocal, onde as pessoas, praticamente em todos os âmbitos da vida, se experimentam como sujeitos ativos de seus processos e sedentos de reconhecimento, relação dialógica, autonomia e participação. Sem criar condições para o exercício criativo da subjetividade, torna-se praticamente impossível, na vivência da fé cristã, haver crescimento significativo, conquista da maioridade na fé, desenvolvimento da autonomia e do senso de corresponsabilidade na missão.

A pandemia da Covid-19, com o necessário distanciamento social e o consequente fechamento dos templos, explicitou, mais do que a impossibilidade do tradicional funcionamento da dinâmica paroquial, a inadequação de um cristianismo centrado nas mãos do clero, sem sinodalidade, sem dinâmica ministerial ampliada, com projetos pastorais instigantes, desafiantes e envolventes, e sem capilaridade participativa e corresponsável na vida eclesial e na sociedade.
Que queremos dizer quando dizemos “Igreja doméstica”?

Entendemos por “Igreja doméstica” a vivência cotidiana da fé cristã de forma autônoma e corresponsável, no dinamismo concreto da vida dos convertidos e convertidas ao Reino de Deus. Trata-se de realidade iluminada e impulsionada pela fé que se torna seguimento de Jesus, cultivada no seio da dinâmica interna da vida familiar, com seus múltiplos desdobramentos para a vizinhança, o bairro, a comunidade, o trabalho, a participação nos movimentos populares, nas pastorais, na política, enfim, em todos os âmbitos da vida eclesial e em sociedade. Compreende-se, portanto, como um cultivo diário da vida nova, do jeito de viver e conviver, que vai se moldando, se transformando e se purificando continuamente na olaria da experiência do amor de Deus e do amor compartilhado na família e na sociedade. Realidade, consequentemente, muito mais ampla do que o que é vivido e compartilhado no espaço do templo. Tudo o que é refletido e vivido no templo, na leitura da Palavra de Deus, nas dinâmicas impulsionadas pela comunidade de fé, visa a alimentar os horizontes da “Igreja doméstica” como lugar próprio para internalizar o sentido de ser cristão.

A “Igreja doméstica”, como expressão da inquieta e criativa vivência da fé cristã no cotidiano da vida das pessoas, está muito presente nas origens. Primeiro, o próprio Jesus, de muitas maneiras, deixou-se fecundar pelo húmus da experiência doméstica cotidiana para expressar o dinamismo do Reino de Deus presente e atuante no meio de nós (Mt 7, 24-27; 13, 33). Ele muitas vezes utilizou o espaço da casa, o círculo familiar, para vivenciar a fé com seus discípulos e discípulas (Mc 14, 12-25). Segundo, ao envolver seus seguidores e seguidoras na missão, deu atenção primária para a realidade vivida nas casas (Mc 6, 10-12). Terceiro, o livro do Ato dos Apóstolos, ao narrar a vida dos primeiros cristãos, descreve a experiência de Pentecostes no espaço da casa e não do templo (At 2, 1-4) e a das primeiras comunidades cristãs o faz enquanto “Igreja doméstica” (At 2, 42-47). Quarto, a grande referência de atuação dos apóstolos, sobretudo Paulo, ao formar comunidades cristãs era o espaço da casa e não o do templo (Rm 16,5; 1Cor 16,19; Cl 4, 15). Quinto, no centro da experiência da fé cristã está a gratuidade da iniciativa do amor divino que nos torna membros da família de Deus: somos filhos e filhas do mesmo Abbá querido e, portanto, chamados a viver como irmãos e irmãs, enraizados em Cristo Jesus (1 Jo 4, 7-9.19-21).

A “Igreja doméstica” em contexto de pandemia

O contexto da pandemia, com as exigências sanitárias do “ficar em casa”, impulsionou a tomada de consciência da centralidade da “Igreja doméstica” no dinamismo da vida cristã. Colocou na pauta das discussões e reflexões teológico-pastorais o sentido e o papel da “Igreja doméstica” no conjunto da ação evangelizadora e na missão do Reino.
No entanto, importa dizer que a “Igreja doméstica” não surge como uma saída emergencial, espécie de via secundária que se recorre em contextos especiais quando se está impedido de utilizar a via principal da paróquia e da centralidade do templo e do clero. Ao contrário, a “Igreja doméstica” impõe-se como o lugar do cultivo da intimidade, da internalização afetiva e efetiva e do aprofundamento da experiência da fé cristã. E, se observarmos com atenção, ela é, na verdade, a “Primeira Igreja”, pois, é no seio familiar, no aconchego do lar, que a maioria das pessoas nasce, é recebida e recebe os primeiros e os últimos cuidados, na infância e na senilidade. Quando a família não tem boa estruturação e equilíbrio afetivo, social e econômico, a vida das crianças e dos idosos é envolvida em situações trágicas de abandono e de violência. O espaço doméstico é onde a maioria das pessoas aprende os princípios e os valores básicos e estruturantes para a vida, onde se testemunham e se cultivam os bons costumes.

A “Igreja doméstica”, como qualquer outra realidade humana, é marcada pela ambivalência humana e, portanto, pela carência de conversão. Se na Igreja, nas relações que se concretizam na diocese e na paróquia, pode ser reconhecido o grave problema do clericalismo, na família acontece o patriarcalismo, a violência doméstica, dentre outros. Toda a Igreja é realidade sempre carente de reforma e conversão.

Nesse sentido, pode-se dizer que uma evangelização que não contemple, valorize e trabalhe as relações humanas, seja no espaço do templo, seja no espaço doméstico familiar, não atinge, de fato, a vida concreta das pessoas, o coração dos convertidos e convertidas, o centro de irradiação de suas vidas.

Igreja doméstica: um indicador decisivo para a ação evangelizadora

Não se pode pretender que a “Igreja doméstica” seja evangelizada com uma pastoral de massa, com uma dinâmica de megatemplos, de grandes aglomerações, mas através da formação de pequeninas comunidades, com círculos bíblicos e pequenos grupos de reflexão, partilha, ação e celebração.

Estas células, por mais diretrizes e orientações que recebam da Palavra de Deus e dos clérigos, não podem ser nem uniformizadas, nem controladas pelo clero. É uma realidade na qual os cristãos leigos e leigas são os sujeitos condutores de seus processos internos, são os verdadeiros artífices, cuidadores, zeladores, guardiões. Há que haver o cultivo da confiança na presença de Deus, sempre estradeiro conosco, e na própria liberdade-responsabilidade de cada um. A “Igreja doméstica” favorece a emergência de sujeitos adultos, que refletem, filtram, interpretam, internalizam, dialogam e livremente se comprometem com a práxis cristã.

Por tudo isso, a “Igreja doméstica” deve ocupar o centro das atenções e das preocupações da ação evangelizadora da Igreja. Neste sentido, ela deve ser considerada um indicador concreto do nível de qualidade da vida cristã e da ação evangelizadora.

Igreja em saída digital

Se a “Igreja doméstica” pode ser entendida como a vivência da fé cristã no cotidiano das pessoas, para além dos templos, é preciso levar em conta também que hoje habitamos espaços aumentados, expandidos, conectados, graças à evolução tecnológica. Durante o confinamento devido à Covid-19, as “Igrejas domésticas” não se limitaram à própria casa, mas se conectaram com outros lares, unindo pessoas, famílias, grupos e comunidades em encontros de oração, formação e organização de ações pela internet. O fenômeno digital escancarou as casas ao mundo, fazendo com que as pessoas se sentissem “reconvocadas para fora”, para o “céu aberto” da comunicação. Com isso, passou-se a viver também uma nova eclesialidade, ressignificada pelo fechamento dos templos devido à pandemia e, ao mesmo tempo, pela reabertura ao mundo possibilitada pela conectividade das redes.

Com isso, mesmo em um período de distanciamento social, a Igreja pôde continuar sendo – e talvez até mais – “em saída”, como pede o papa Francisco. Agora, porém, pelas “estradas digitais”, que, como diz o Papa, estão “congestionadas de humanidade, muitas vezes ferida: homens e mulheres que procuram uma salvação ou uma esperança”. Para Francisco, “abrir as portas das igrejas significa também abri-las no ambiente digital, seja para que as pessoas entrem, independentemente da condição de vida em que se encontrem, seja para que o Evangelho possa cruzar o limiar do templo e sair ao encontro de todos” (FRANCISCO, 2014). E ele mesmo dá o exemplo, com suas presenças no Twitter (nas várias contas @Pontifex), no Instagram (@Franciscus), no YouTube (com o projeto “O Vídeo do Papa”) e também no aplicativo Click To Pray, que motiva a rezar pelas intenções de Francisco ao longo do dia.

Alguns dados ajudam a ilustrar a importância do ambiente digital na vida cotidiana contemporânea. Segundo o instituto de pesquisas DataReportal, com dados divulgados no início de 2020, já são 150,4 milhões os usuários frequentes de internet no Brasil, ou seja, 71% da população. Chama ainda mais a atenção o tempo médio de uso diário de internet por parte dos brasileiros: 9h17min, praticamente a metade de um dia, o que coloca o país no 3º lugar mundial em relação ao tempo de conexão (perdendo apenas para as Filipinas e para a África do Sul).

Em julho de 2020, o DataReportal publicou uma nova pesquisa, para entender as transformações que a pandemia havia provocado no cenário digital. Constatou-se que, durante o período inicial da quarentena, uma grande maioria dos entrevistados (entre 16 e 64 anos de idade) passou ainda mais tempo conectada: 70% em seus celulares, e 58% nas redes sociais digitais.

Ambiente de vida e de realidade

Esses dados confirmam aquilo que Bento XVI já afirmava em 2013: “O ambiente digital não é um mundo paralelo ou puramente virtual, mas faz parte da realidade cotidiana de muitas pessoas” e, por isso, “se a Boa Nova não for dada a conhecer também no ambiente digital, poderá ficar fora do alcance da experiência de muitos” (BENTO XVI, 2013). O digital, portanto, é real. É uma realidade cultural e social. É uma expressão cada vez mais encarnada, concreta e material de humanidade.

É preciso, desse modo, superar a dicotomia “virtual x real”, “offline x online”. Hoje, vivemos uma experiência verdadeiramente “onlife” (FLORIDI, 2014), isto é, a conectividade e as redes digitais já são uma dimensão existencial das pessoas. É cada vez mais difícil – senão impossível – viver sem internet, ambiente no qual nos relacionamos, estudamos, trabalhamos, compramos, nos entretemos, rezamos etc. Em 2011, um relatório da ONU chegou a defender o acesso à rede como um direito humano característico do século XXI e afirmou que impossibilitar tal acesso ou desconectar a população viola esse direito (ONU, 2011).

Redes e ruas, portanto, estão mais do que nunca conectadas e interligadas. O “véu” dessa separação se rasgou há um bom tempo. Isso, por sua vez, também possibilita novas formas de encontro e de relação, inclusive com o sagrado. E, por isso, transforma a própria experiência e vivência da fé.

Ambiente de relação e de comunidade

Hoje, o Papa Francisco afirma que “a internet pode oferecer maiores possibilidades de encontro e de solidariedade entre todos; e isto é uma coisa boa, é um dom de Deus”. Segundo ele, “a rede digital pode ser um lugar rico de humanidade: não uma rede de fios, mas de pessoas humanas” (FRANCISCO, 2014). Francisco também já afirmou que “o uso da internet é complementar ao encontro em carne e osso”; é, inclusive, um “recurso para a comunhão” (FRANCISCO, 2019).

Especialmente nestes tempos de pandemia, surgiram novas formações comunitárias e eclesiais em rede. Constituíram-se verdadeiras “comunidades eclesiais digitais”, que se reúnem para rezar juntas, refletir e aprofundar a fé, como no fenômeno das “lives”, e, principalmente, partilhar o pão da Palavra. Com isso, elas atualizam, por outros meios e em outros ambientes, uma mesma busca de vínculo interpessoal e de experiência religiosa que outras formas de comunidade. Trata-se, no fundo, de “outro modo de ser Igreja”, em meio às diversas variações históricas das experiências comunitárias, que nunca foram as mesmas, nem iguais ao longo da história da Igreja e nas diferentes culturas.

É o que Francisco também ressalta na Evangelii gaudium: “Como podemos ver na história da Igreja, o cristianismo não dispõe de um único modelo cultural [...]. Não faria justiça à lógica da encarnação pensar num cristianismo monocultural e monocórdico” (EG 116). Cada modelo cultural, em sua diversidade, possibilita diferentes formas de encontro e de relação, de comunhão e de comunidade – em suma, de participação. E a fé cristã assume “o rosto das diversas culturas e dos vários povos onde for acolhido e se radicar” (EG 116).

Isso também vale para a chamada “cultura digital”. Nesse sentido, “as comunidades em redes digitais complementam e fortalecem as comunidades presenciais”, como afirma o Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil (n. 183). Mas isso, continua o documento, “exige uma renovada capacidade de dialogar com as pessoas”. Ou seja, conexão não é automaticamente relação. A comunidade é fruto da comunhão entre as pessoas, que, por sua vez, é fruto da capacidade de dialogar, de se abrir ao “outro”. Em rede, é preciso não apenas reconhecer a presença do irmão e da irmã, mas também envolvê-los e deixar-se envolver por eles, para que seja possível uma coparticipação ativa na experiência de comunhão e na construção de uma comunidade.

Ambiente de inculturação e de evangelização

O desafio é reconhecer as “formas e valores positivos” (EG 116) presentes na cultura digital e que podem enriquecer a evangelização, introduzindo-os na cultura eclesial. Trata-se de promover uma verdadeira inculturação digital que assuma as “categorias próprias da cultura [digital]” no anúncio do Evangelho, permitindo que a força do próprio Evangelho “provoque uma nova síntese com essa cultura” (EG 68).

Esse é um processo artesanal, que deve ser discernido e elaborado a partir das especificidades de cada contexto local, de acordo com os tempos, os lugares e as pessoas. É preciso também ter consciência crítica diante de tantos aspectos negativos das redes, como a desinformação, os discursos de ódio, as “bolhas” sociais e informacionais, a dependência tecnológica etc. Além disso, embora falemos de “cultura digital” no singular, as expressões da digitalização são as mais diversas, gerando diferentes “culturas digitais”, inclusive dentro de uma mesma região. O Brasil, aliás, ainda tem uma forte cultura não digital. De acordo com os dados apresentados no início deste texto, há ainda 29% de brasileiros desconectados.

Diante de tudo isso, o maior desafio pastoral é superar a lógica da “substituição” pela lógica da “complexificação”, da complementariedade, da interligação. Se o digital não se opõe ao “real”, então o desafio é promover uma complexa ecologia comunicacional pastoral, na qual “tudo esteja estreitamente interligado” (cf. Laudato Si’, n. 16). Se a pastoral quer ser verdadeiramente cristã, nos passos do Deus que se encarnou na história e na cultura humanas, interligando estreitamente o divino e o humano, e se quer ser verdadeiramente católica, acolhendo a universalidade e a diversidade humanas, ela é chamada a abandonar a lógica do “ou” e a assumir a lógica do “e”. Não se trata de viver a fé “ou” no ambiente digital “ou” nos demais ambientes sociais, mas sim de sair ao encontro das pessoas no ambiente digital “e” nos demais ambientes sociais, isto é, onde quer que elas estejam, para assim gerar comunhão e construir comunidade, como fez Jesus com os discípulos de Emaús (Lc 24,13-35).

Em outra passagem, Jesus também disse: “Onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, Eu estou aí no meio deles” (Mt 18,20). Trata-se de uma verdadeira promessa de presença real do próprio Jesus. O importante, aí, não é o “onde” em sentido geográfico, mas, sim, reunir-se em comunidade em nome de Jesus – em casa ou no templo, a distância ou de perto, em rede digital ou fora dela – para experimentar a Sua presença e viver a comunhão com Ele.

À guisa de conclusão

Como vimos, “Igreja doméstica” e “Igreja em saída digital” são realidades que enriquecem e despertam possibilidades novas para a fé cristã se dizer, se configurar e concretizar a sua missão de ser “fermento”, “sal” e “luz” no complexo contexto em que vivemos. Ambas explicitam temáticas centrais para se pensar a atual vivência da fé cristã e, juntas, oferecem criativo e dinâmico indicador do nível de qualidade da ação evangelizadora contemporânea.

Referências

BENTO XVI. Redes sociais: portais de verdade e de fé; novos espaços de evangelização. Mensagem para o 47º Dia Mundial das Comunicações Sociais. Vatican.va, Vaticano, 24 jan. 2013. Disponível em: <http://goo.gl/C3lCMV>.
FLORIDI, Luciano (org.). The Onlife Manifesto: Being Human in a Hyperconnected Era. Londres: Springer, 2014.
FRANCISCO. Comunicação ao serviço de uma autêntica cultura do encontro. Mensagem para o 48º Dia Mundial das Comunicações Sociais. Vatican.va, Vaticano, 24 jan. 2014. Disponível em: <http://goo.gl/8JbLFr>.
_____. “Somos membros uns dos outros” (Ef 4, 25): das comunidades de redes sociais à comunidade humana. Mensagem para o 53º Dia Mundial das Comunicações Sociais. Vatican.va, Vaticano, 24 jan. 2019. Disponível em: <https://bit.ly/3mE9ikM>.
ONU. “Report of the Special Rapporteur on the promotion and protection of the right to freedom of opinion and expression., Frank La Rue”, Conselho de Direitos Humanos da ONU, 16 mai. 2011. Disponível em <https://bit.ly/3hMpoFf>.

 

Igreja e evangelização: provocações da pandemia

Igreja e evangelização: provocações da pandemia. Parte III - Vinho novo, odres novos. Cadernos Teologia Pública Nº 149 

Este artigo integra a terceira parte do projeto editorial intitulado “Igreja e evangelização: provocações da pandemia”, organizado pelo Grupo de Pesquisa “Teologia e Pastoral” – do Programa de Pós-Graduação em Teologia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), publicado na 148ª edição de Cadernos Teologia Pública.

Acesse aqui os Cadernos Teologia Pública na íntegra.

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