‘‘A Igreja pós-2020’’ deve confrontar justiça racial, promover conversão contínua

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06 Agosto 2020

Iniciando uma série sobre “A Igreja pós-2020”, três lideranças católicas dos Estados Unidos enfatizaram a necessidade de uma conversão contínua na questão da justiça racial e avaliaram os compromissos pró-vida da Igreja à medida que se aproxima a eleição presidencial no país.

A reportagem é de Nick Mayrand, publicada por Crux, 04-08-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

O bispo da Diocese de Lexington, no Kentucky, Dom John Stowe, caracterizou o primeiro semestre de 2020 como um “ensaio geral para os efeitos das mudanças climáticas”, dizendo que a pandemia aponta que, quando os americanos se veem diante de uma ameaça comum, os “recursos que temos para o enfrentamento desses desafios não são os mesmos”.

“As injustiças ficaram explícitas com algumas pessoas podendo trabalhar de casa e outras não, com uns tendo acesso aos benefícios governamentais e outros não”, disse ele em 31 de julho no evento on-line “A Igreja pós-2020”.

O moderador do diálogo, Dr. Dan Cosacchi, professor assistente de estudos religiosos da Universidade Marywood, disse ao Crux que “os participantes pintaram o retrato de uma Igreja que tem muito espaço para melhorias, mas também muito sobre o que esperar”.

Junto de Stowe estiveram a Dra. Shannen Dee Williams, professora assistente de história, da Universidade Villanova, e Michael Bayer, ministro católico leigo de Chicago.

Os três painelistas disseram que a credibilidade da Igreja tem a ver com a maneira como os católicos, tanto clérigos quanto leigos, se unirão no acerto de contas que o país terá de fazer, o qual tem uma história marcada pela supremacia branca.

“Uma das primeiras coisas que a Igreja deve fazer é contar a verdade sobre si mesma”, disse Williams. “Ela deve pedir desculpas formais, reconhecer formalmente o seu papel na história da escravidão e segregação”.

“Nesta história, a Igreja nunca foi uma espectadora inocente, ela esteve aí desde o começo”, continuou a participante do painel, apontando para a presença perturbadora de capelas e padres nas principais cenas históricas do sistema transatlântico de comércio de escravos.

“Isso significa que a própria Igreja foi o primeiro proprietário corporativo de escravos nas Américas, que, de alguma forma, essa história é desconhecida de muitos de nós e, no entanto, está em toda parte”, completou Williams.

A historiadora disse que, nos últimos meses, foi contatada por escolas católicas que querem que sejam desenvolvidas algumas formas para integrar a história católica negra nos currículos escolares.

Segundo ela, a recuperação e o ensino dessa história são fundamentais para levar a Igreja adiante, pois “o básico está nessa história, entre aqueles fiéis que nunca tiveram de aprender que era errado escravizar outra pessoa, aquelas pessoas que nunca precisaram ser informadas de que era errado excluir alguém por causa da cor da pele”.

Stowe falou da sua “conversão pessoal permanente” em questões de raça, observando as duras reações, na localidade onde vive, à expressão “supremacia branca”. O bispo disse também das suas preocupações sobre como “falar do privilégio dos brancos a trabalhadores das minas de carvão desempregados em Appalachia”.

O prelado de Kentucky disse que sua conversão se deu pela orientação recebida do Pe. Bryan Massingale, autor do livro “Racial Justice and the Catholic Church” (Justiça racial e a Igreja Católica). Massingale questionou Stowe em sua abordagem nos seguintes termos: “Por que você se preocupa apenas com o conforto dos brancos?”

“Temos aqui um tópico desconfortável para todos os envolvidos”, concordou Stowe, “mas ninguém sofreu do que a comunidade afro-americana em se tratando de escravidão, e ninguém sofre como as pessoas de cor em se tratando da narrativa normativa branca em nossa sociedade e, infelizmente, em nossa Igreja”.

“Se fizermos um exame sincero de consciência, vamos reconhecer como os brancos se beneficiam deste privilégio, mesmo que não queiramos reconhecer ou admitir”, disse. “É algo real, assim como para aqueles que são oprimidos”.

Bayer acrescentou que os católicos brancos têm a responsabilidade buscar desmantelar “sistemas, políticas e instituições, incluindo aqueles de dentro da própria Igreja Católica, que continuam a beneficiar desproporcionalmente os brancos neste país”.

Bayer apontou ainda que o fechamento iminente das escolas e paróquias católicas nos EUA oferece uma oportunidade para que os católicos brancos ricos pratiquem a solidariedade, apoiando financeiramente as paróquias e escolas de comunidades de cor como “um passo concreto, um pequeno passo no sentido de reparações”.

O painel de debates também abordou o significado, para a Igreja, do que é ser uma testemunha coerente do compromisso pró-vida nas eleições de 2020.

Stowe expressou a frustração que sente pelo fato de que as instruções do Papa Francisco sobre a “totalidade das questões pró-vida” não se fazem presentes nos documentos magisteriais dos bispos americanos.

A decisão de excluir um parágrafo que continha a perspectiva de Francisco a respeito do que significa ser plenamente um católico pró-vida, no texto instrucional da conferência episcopal americana para a formação da consciência política entre os fiéis (documento intitulado “Forming Consciences for Faithful Citizenship”), representa “um dia triste para o comando da Igreja nos EUA”, refletiu Stowe.

Aqui, o bispo referia-se à rejeição, em novembro de 2019, à emenda proposta pelo Cardeal Blase Cupich de incluir o parágrafo 101 de Gaudete et Exsultate, de Francisco, que convida a uma defesa “clara, firme e apaixonada” dos nascituros e diz que “igualmente sagrada é a vida dos pobres que já nasceram e se debatem na miséria, no abandono, na exclusão, no tráfico de pessoas, na eutanásia encoberta de doentes e idosos privados de cuidados, nas novas formas de escravatura, e em todas as formas de descarte”.

“O Papa Francisco nos deu uma grande definição do que significa ser pró-vida. Ele basicamente nos mostra que não podemos afirmar que somos pró-vida se apoiamos a separação dos filhos de seus pais na fronteira com os EUA”, explicou o bispo.

“Se apoiamos a exposição de pessoas à covid-19 por causa das instalações em que foram colocadas, se apoiamos a negação do acesso a cuidados de saúde a quem necessita, se continuamos impedindo que elas recebam abrigo e educação de que precisam, então não podemos nos dizer pró-vida”, acrescentou.

Segundo Stowe, ser pró-vida em 2020 é ver que a preocupação profunda da Igreja pelos nascituros está conectada com muitas outras questões relacionadas à vida, que é uma abordagem com origens na ética coerente da “túnica sem costura” – ética da vida articulada, na década de 80, pelo falecido cardeal-arcebispo de Chicago, Joseph Bernardin.

“Para este presidente [dos EUA] se chamar pró-vida”, continuou o painelista, “e para alguém apoiá-lo porque que ele se diz pró-vida, é praticamente uma ignorância voluntária”.

“Ele é muito antivida, isso sim, porque o presidente só se preocupa consigo mesmo e nos dá provas disso diariamente”, concluiu o bispo de Kentucky.

O evento on-line, que contou com essas três lideranças católicas, foi o primeiro de uma série de diálogos sobre o futuro da Igreja que serão promovidos pela Pax Romana ICMICA, comunidade global de profissionais e intelectuais católicos.

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