16 Mai 2020
São tempos difíceis para os trabalhadores da Saúde e a situação é ainda mais grave quando consideramos que oito em cada dez destes profissionais são mulheres, afirmam Maria Cecília de Souza Minayo, professora e Pesquisadora titular da Fundação Oswaldo Cruz/CLAVES/ENSP e Neyson Pinheiro Freire, editor de Comunicação e Divulgação Científica da Revista Ciência & Saúde Coletiva, pesquisador colaborador Fiocruz, em artigo publicado por Associação Brasileira de Saúde Coletiva - Abrasco, 15-05-2020.
Eis o artigo.
Vivemos uma pandemia global sem precedente em nossa geração. Atravessamos uma tempestade sanitária, guiados por diretrizes ainda experimentais – extraídas de um conhecimento científico rudimentar, em construção – ao tempo em que tentamos conter a pulsão de morte dos que boicotam o isolamento social, com a propagação de notícias falsas que encorajam a população a ignorar recomendações sanitárias, e relutam em garantir os investimentos indispensáveis para fazer frente à pandemia. São tempos difíceis para os trabalhadores da Saúde.
Estamos todos sob a mesma tempestade e participamos do mesmo esforço coletivo para não deixar a população à deriva. Mas não estamos no mesmo barco. A desigualdade social encontrada no Brasil é um terreno fértil para a disseminação da COVID-19, dificultando o isolamento social, restringindo acesso a insumos básicos para higiene e proteção, e dificultando a própria assistência aos serviços de Saúde. A disparidade entre o número de leitos e respiradores per capita na rede pública e privada gera distorções que dificultam a distribuição eficaz de recursos, contribuindo para a mortalidade.
A desigualdade influencia, também, a forma como cada categoria da Saúde é atingida pelo novo coronavírus. O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) contabiliza mais de 13 mil afastamentos associados à COVID-19 e 101 mortes de profissionais de Enfermagem [1]. O risco é agravado pela escassez de Equipamentos de Proteção Individuais (EPIs), subdimensionamento das equipes e manutenção de profissionais integrantes dos grupos de maior risco na linha de frente do atendimento. Os dados coletados são apenas a ponta do iceberg, alerta o Conselho, que aponta subnotificação. Sem acesso a testes, muitos casos de coronavírus entre enfermeiros, técnicos e auxiliares de Enfermagem não são contabilizados. A própria capacidade de processamento dos dados varia conforme a região.
Expostos ao contágio na linha de frente do combate ao novo coronavírus, os técnicos e auxiliares sentem, de forma desproporcional e alarmante, os efeitos da pandemia. São mais de 1,3 milhão de técnicos e quase 420 mil auxiliares de enfermagem [2], que realizam cuidados essenciais em unidades de Saúde e não contam com a retaguarda assistencial e financeira para mitigar os efeitos da COVID-19 sobre si e seus familiares.
A situação é ainda mais grave quando consideramos que oito em cada dez destes profissionais são mulheres, que além de serem provedoras também assumem, na maioria das vezes, o papel de cuidadoras primárias de crianças, idosos e enfermos em suas famílias. Os baixos salários dificultam o acesso a alternativas mais seguras de transporte e cuidado para seus dependentes. Beiram, às vezes, a insegurança alimentar. É esta a realidade da maioria dos profissionais que mantêm o sistema de Saúde funcionando, em plena pandemia.
É indecente que os profissionais acima de 60 anos e integrantes de grupos de risco não tenham, ainda, sido afastados das funções que exigem contato direto com casos suspeitos e confirmados de COVID-19, contrariando diretrizes do próprio Ministério da Saúde. Vitória judicial garantiu, liminarmente, o afastamento daqueles que atuam em hospitais e institutos administrados diretamente pela União. São uma ínfima parcela do contingente. Será mesmo preciso judicializar o óbvio?
Seguimos juntos na tempestade, mas não estamos no mesmo barco. As embarcações mais frágeis levam aquelas que são, quase sempre, as primeiras a receber os pacientes em unidades de Saúde, que estão ao seu lado 24h por dia. Aquelas que, após longos plantões, seguem em transportes coletivos até a periferia, onde enfrentam dupla jornada, ainda mais árdua com o necessário fechamento das escolas. A velha lei do mar, incorporada a todas as convenções e legislações posteriores, obriga embarcações a prestarem socorro mútuo.
Sejamos solidários!
Notas
1 Observatório da Enfermagem [online]. Cofen. 2020 [viewed 12 May 2020]. Disponível aqui.
2 Enfermagem em Números. [online]. Cofen. 2020 [viewed 12 May 2020]. Disponível aqui.
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Pandemia exacerba desigualdades na Saúde - Instituto Humanitas Unisinos - IHU