Rondônia. A escola como espaço de liberdade, de criatividade e de sonhos

Foto: Governo do Estado do Amapá GEA | Flickr CC

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04 Março 2020

"Acreditamos na educação que desperta sonhos, na contramão da ordem imposta que intimida, diminui, quando não aniquila as pessoas. Faz-se necessário investir nas escolas, melhorando as estruturas, e na educação, capacitando e remunerando dignamente os professores. Tanto as escolas como o processo educativo não podem e nem devem estar nas mãos de pessoas armadas", escreve Dário Bossi, padre comboniano, membro da rede Justiça nos Trilhos e da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, em carta aberta contra a militarização de escolas públicas, em Rondônia, entre elas a instituição de ensino Padre Ezequiel Ramin.

Eis a carta.

Às comunidades cristãs, aos movimentos e organizações sociais, às autoridades políticas, militares e religiosas e a todas as pessoas de boa vontade.

Nós, Missionários Combonianos atuantes no Brasil, vimos a público manifestar nosso posicionamento no que se refere a alguns fatos e questões que, direta e indiretamente, nos envolvem. A saber:

No último dia 17 de fevereiro, o governador de Rondônia, Coronel Marcos Rocha, assinou um decreto que dava início à militarização de mais cinco escolas públicas do Estado. Entre elas estava a instituição de ensino Padre Ezequiel Ramin, em Alta Floresta do Oeste.

Cabe ressaltar que a militarização de escolas já estava em curso, e, com a implementação dessa política em nível nacional, o processo ganhou novo e acelerado impulso.

Nosso propósito não é aqui entrar no mérito da questão que está sendo amplamente discutida e debatida nos ambientes apropriados.

O que deveras nos preocupa é a associação e o envolvimento direto do nome do Padre Ezequiel ao processo de militarização em curso. Nada a ver uma coisa com a outra. Configura-se como uma verdadeira afronta, uma falta de respeito sem tamanho, uma descaracterização da trajetória de vida do padre.

O Padre Ezequiel Ramin, missionário comboniano, atuou em Cacoal (RO), Diocese de Ji Paraná, e foi morto a tiros em Rondolândia (MT) no mês de julho do ano de 1985. Em missão de paz, entregou sua vida para que os últimos, camponeses sem terra e povos indígenas, tivessem vida e dignidade.

Desde a infância, Ezequiel gestava e cultivava espaços de não violência. Sonhava com uma sociedade humana regulada pela solidariedade, justiça e igualdade. Recusava toda forma de autoritarismo e de imposição, uma vez que estas eram filhas da “violência”. Acreditava no diálogo como instrumento de humanização social e nos livros como fonte de sabedoria acumulada. Aos jovens ele dizia: “Tenham um sonho. A vida que segue um sonho é uma vida que se renova a cada dia”.

Acreditamos na educação que desperta sonhos, na contramão da ordem imposta que intimida, diminui, quando não aniquila as pessoas. Faz-se necessário investir nas escolas, melhorando as estruturas, e na educação, capacitando e remunerando dignamente os professores. Tanto as escolas como o processo educativo não podem e nem devem estar nas mãos de pessoas armadas. Precisamos sonhar com cidadãos e não com soldados que vêem no “outro”, no “diferente” um inimigo a ser aniquilado. Com profunda tristeza tomamos ciência dessa depuração. Com efeito, como noticiado, dez professores foram afastados de suas funções no colégio Tiradentes em Porto Velho - RO. A alegação é a de que não teriam o perfil condizente com a lógica da militarização. (Carta Capital, 22 de fev. de 2020).

Fazemos nossas as palavras de Catarina de Almeida Santos, especialista em educação, quando afirma: “A militarização da escola é o ato último e mais efetivo de apagamento da escola, de imposição do processo do patriarcado, do machismo, da naturalização do racismo. É a exacerbação do ‘escola sem partido’, que é a negação da escola, que, por definição, deveria ser um espaço de diálogo”. (Publicado no Diário do Centro do Mundo, 21 fev. 2020).

Consideramos os livros nossas “armas”, a paixão de professores qualificados e respeitados a nossa “força”, e a arte, a cultura, a espiritualidade, o diálogo, a participação comunitária e democrática, os alicerces de uma nova sociabilidade.

Pedimos encarecidamente, mas com toda a autoridade que nos é conferida, enquanto cidadãos e cristãos, além de irmãos, que o nome de padre Ezequiel Ramin seja retirado de uma escola que veio a ser militarizada.

Exortamos diretores-as, professores-as, alunos-as, as comunidades cristãs e a sociedade toda a, juntos, buscarmos soluções que, nas escolas, fecundem e gestem harmonia, solidariedade, dignidade, igualdade, respeito e paz. Se for esse o propósito, o Pe. Ezequiel Ramin intercederá por nós e será nosso protetor. Caso contrário, ele pede licença para se retirar!

Porto Velho, 27 de fevereiro de 2020

Pe. Dário Bossi

Superior Provincial dos Missionários Combonianos do Brasil

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