La Civiltà Cattolica se lança contra a "teologia da prosperidade" e seu apoio a Trump

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19 Julho 2018

O artigo não tem vergonha de fazer a ligação entre a teologia [ou evangelho] da prosperidade [prosperity gospel] e a crise da globalização – política, social e econômica.

A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor da Villanova University, nos Estados Unidos, em artigo publicado em La Croix International, 18-07-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Exatamente um ano atrás, a revista jesuíta La Civiltà Cattolica publicou um artigo muito importante sobre o peculiar ecumenismo político que está sendo forjado nos Estados Unidos entre um subconjunto de católicos e protestantes fundamentalistas. Isso desencadeou um debate interessante, para dizer o mínimo.

Os católicos conservadores foram especialmente contundentes em suas críticas ao artigo da Civiltà Cattolica, porque ele os atingia tanto no nível teológico (a própria convergência deles com o protestantismo) quanto no nível político (seu alinhamento entre um ecumenismo político e uma política conservadora, que resultou em uma bênção religiosa do movimento Trump).

Agora, um ano depois, os jesuítas que produzem a revista em Roma repetem a dose.

Os mesmos autores do artigo original – Antonio Spadaro SJ (o editor da Civiltà Cattolica) e Marcelo Figueroa (um teólogo protestante da Argentina que é amigo do Papa Francisco e edita a edição argentina do L’Osservatore Romano) – escreveram agora contra a “teologia da prosperidade” em um artigo de 18 de julho, publicado simultaneamente em italiano e inglês.

Spadaro e Figueroa examinam algumas das raízes e frutos da teologia da prosperidade, e, na parte final do artigo, lançam luz sobre a oposição polar entre essa nova teologia e a teologia do Papa Francisco.

O artigo não tem vergonha de fazer a ligação entre a teologia da prosperidade e a crise da globalização – política, social e econômica.

“Essa ‘teologia’ se difundiu por todos o mundo durante décadas – graças a gigantescas campanhas midiáticas – por parte de movimentos e ministérios evangélicos, especialmente neocarismáticos. O objetivo de nossa reflexão é ilustrar e avaliar esse fenômeno, que também quer ser uma tentativa de justificação teológica do neoliberalismo econômico”, dizem os autores.

Com base na recente literatura especializada publicada especialmente nos Estados Unidos, Spadaro e Figueroa oferecem uma análise teológica concisa da teologia da prosperidade.

“Os pilares da teologia da prosperidade são substancialmente dois: o bem-estar econômico e a saúde. Essa acentuação é fruto de uma exegese literal de alguns textos bíblicos utilizados dentro de uma hermenêutica reducionista”, afirmam.

Os autores criticam não apenas a hermenêutica bíblica que apoia a teologia da prosperidade, mas também as consequências dessa teologia: “A vitória material coloca o crente em uma posição de soberba por causa do poder de sua ‘fé’. Pelo contrário, a pobreza o sobrecarrega com uma culpa duplamente insuportável: por um lado, a pessoa considera que sua fé não é suficiente para mover as mãos providentes de Deus; e, por outro, sua situação de miséria é uma imposição divina, um castigo inexorável aceito com submissão”.

Spadaro e Figueroa chamam os efeitos da teologia da prosperidade sobre os pobres de “perversos”.

A teologia da prosperidade “não só exaspera o individualismo e anula o sentimento de solidariedade, mas também impulsiona as pessoas a adotar uma atitude milagreira, pela qual a prosperidade só pode ser obtida pela fé, e não pelo compromisso social e político.”

“Portanto, o perigo consiste em que os pobres que se sentem fascinados por esse pseudoevangelho permaneçam atados em um vazio sociopolítico que permite que outras forças moldem facilmente o seu mundo, tornando-os, assim, inofensivos e indefesos”, dizem os autores.

Eles denunciam, depois, a oposição entre a teologia da prosperidade e o ensino da Igreja Católica: “A teologia da prosperidade nunca é um fator de mudança real, mudança que, pelo contrário, é fundamental na visão própria da doutrina social da Igreja”.

A perversão da teologia da prosperidade, continuam, jaz em ver as promessas de Deus em termos financeiros.

“O princípio espiritual da semeadura e da colheita, à luz de uma interpretação evangélica completamente extrapolada de seu contexto, é de que dar, acima de tudo, é um fato econômico que se mede em termos de retorno do investimento”, dizem os autores, insinuando o apoio que a teologia da prosperidade oferece a pontos de vista supremacistas.

“Nessas teologias, a pertença filial dos cristãos como filhos de Deus é reinterpretada como a dos ‘filhos do rei’: uma filiação que dá direitos e privilégios monárquicos, principalmente materiais, àqueles que a reconhecem e proclamam”, afirmam.

Spadaro e Figueroa mapeiam as áreas do mundo onde a teologia da prosperidade mudou as características do cristianismo nos últimos anos. Eles incluem países na África (Nigéria, Quênia, Uganda e África do Sul), Ásia (Índia, Coreia do Sul e China) e América Latina (Guatemala e Costa Rica; Colômbia, Chile, Argentina e Brasil).

Mas o foco real do artigo é o país dominante da América do Norte:

“Nos Estados Unidos, milhões de pessoas frequentam assiduamente ‘megaigrejas’ que difundem essas teologias da prosperidade. Os pregadores, profetas e apóstolos alistados nesse ramo extremo do neopentecostalismo ocuparam espaços cada vez mais importantes nos meios de comunicação de massa, publicaram uma enorme quantidade de livros que se tornaram rapidamente best-sellers e fizeram conferências que, muito frequentemente, chegam a milhões de pessoas através de todos os meios disponíveis da internet e das redes sociais.”

É óbvio que esse novo artigo se dirige a uma teologia estadunidense que apoia Donald Trump. É bem sabido que os defensores da teologia da prosperidade também são alguns dos defensores mais expressivos do presidente dos Estados Unidos.

Por exemplo, Paula White, a evangelista pentecostal de uma megaigreja, que recentemente tentou defender a separação das famílias na fronteira EUA-México por parte do governo Trump, dizendo que Jesus nunca violou as leis de imigração.

No artigo recém-publicado da Civiltà Cattolica, vemos uma crítica clara não apenas do apoio da teologia da prosperidade a uma certa ideologia econômica, mas também da sua bênção do militarismo que apoia essa ideologia.

O artigo faz uma menção especial ao primeiro “Discurso do Estado da União” de Trump, em janeiro passado:

“O presidente Donald Trump afirmou, para descrever a identidade do país: ‘Juntos, nós estamos redescobrindo ‘o estilo estadunidense’ [the American way]. E prosseguiu: ‘Nos Estados Unidos, nós sabemos que a fé e a família, não o governo e a burocracia, são o centro da vida estadunidense. Nosso lema é: ‘Em Deus confiamos’ [In God we trust]. E celebramos a nossa polícia, os nossos militares e os nossos incríveis veteranos como heróis que merecem o nosso apoio total e inabalável.”

Spadaro e Figueroa comentam: “Em poucas frases, já aparecem Deus, o Exército e o sonho americano”.

A parte final do artigo faz uma comparação entre a teologia do Papa Francisco e a teologia da prosperidade. Os dois autores citam vários discursos e homilias papais para mostrar a clara oposição do papa a esse tipo de teologia.

“Desde o início de seu pontificado, Francisco teve presente o ‘evangelho diferente’ da teologia da prosperidade e, para criticá-lo, aplicou a clássica doutrina social da Igreja”, observam.

O artigo enquadra a oposição do papa à teologia da prosperidade no contexto de sua crítica às duas heresias do nosso tempo, o pelagianismo e o gnosticismo. Essa crítica recebeu o peso institucional oficial quando a Congregação para a Doutrina da Fé assumiu o tema em um documento publicado há alguns meses, intitulado Placuit Deo.

Os dois artigos que Spadaro e Figueroa publicaram agora na Civiltà Cattolica não representam a posição oficial da revista, dos jesuítas ou da Santa Sé.

Mas a Secretaria de Estado do Vaticano examina o conteúdo antes da publicação, e esse artigo é mais um sinal da difícil relação entre o pontificado de Francisco e os Estados Unidos.

Esse novo artigo da Civiltà Cattolica sobre a teologia da prosperidade tem uma importância semelhante à impressionante denúncia do ano passado das perversões do ecumenismo político-teológico nos Estados Unidos.

Ele destaca a oposição essencial entre o pontificado de Francisco e algumas características-chave do cristianismo estadunidense de hoje: uma oposição que não é apenas política, baseada na política ou geopolítica, mas também teológica e religiosa.

Em comparação com o artigo do ano passado, este novo texto é menos crítico do catolicismo estadunidense – pelo menos diretamente.

Mas ele também pode ser lido como uma mensagem aos membros do rebanho de Francisco nos Estados Unidos, dado que uma certa americanização do catolicismo estadunidense expõe a cultura católica às tentações da teologia da prosperidade – especialmente se olharmos para o modo como a influência monetária tem um impacto sobre a política da Igreja.

Há também uma consideração geopolítica a ser feita. O artigo foi publicado dois dias depois da cúpula de Helsinque entre Trump e sua contrapartida russa, Vladimir Putin.

A presidência Trump não perturbou apenas as relações geopolíticas entre os Estados Unidos e a Rússia, mas também entre os Estados Unidos e o Vaticano.

A Santa Sé, de algum modo, foi forçada a dialogar com a Rússia (apesar da situação política e eclesial na Ucrânia), porque Putin assumiu o papel – de maneira dissimulada e manipuladora – de ser o defensor dos cristãos perseguidos no Oriente Médio.

Esse diálogo faz parte da realpolitik vaticana.

Mas é mais difícil encontrar um terreno comum entre este pontificado e os Estados Unidos de Trump, não importa o que fizermos com as sutilezas diplomáticas.

O verdadeiro problema é que a teologia da prosperidade contribuiu para a ascensão de um novo conservadorismo nos Estados Unidos e para a eleição de Donald Trump. É uma teologia que não desaparecerá com o fim de sua presidência.

Spadaro e Figueroa nos ajudam a entender como o Vaticano e o mundo católico mais amplo com sede em Roma estão olhando atualmente para os Estados Unidos. Roma está claramente enfrentando um “problema americano”. E é um problema tanto teológico quanto político.

Nota de IHU On-Line:

O artigo da Civiltà Cattolica, em espanhol, na íntegra, está disponível aqui.

Em inglês, está disponível aqui.

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