Dom Aupetit, novo arcebispo de Paris: “Hoje, o tabu não é mais o sexo, mas Deus”

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14 Janeiro 2018

Ex-médico, Michel Aupetit sucedeu, em 6 de janeiro, a André Vingt-Trois como arcebispo de Paris. “Não temos o direito de falar de Deus; se o fizermos, ficamos envergonhados”, diz ele em entrevista concedida ao Le Monde. Aos 66 anos, aquele que “não gosta da exposição” será agora uma das vozes mais ouvidas desta instituição. Este ex-médico, que entrou no seminário aos 39 anos e tornou-se bispo de Nanterre em 2014, é o sucessor de dom André Vingt-Trois.

Como estudante, ele odiava ter que ir ao quadro negro e preferia rir de seus colegas de longe. Nomeado arcebispo de Paris pelo Papa Francisco em 7 de dezembro de 2017 e tendo tomado posse em 6 de janeiro, o bispo Michel Aupetit o centro das atenções de muitos católicos. Se, em teoria, o bispo de Paris é um bispo entre os outros, na prática ele ocupa um lugar proeminente na Igreja católica.

A entrevista é de Cécile Chambraud, publicada por Le Monde, 11-01-2018. A tradução é de André Langer.

Eis a entrevista.

Você trabalhou durante 11 anos como clínico geral antes de entrar no seminário. Como essa vida de leigo influencia sua maneira de ser padre?

Como leigo, eu era aquilo que se chamava na Igreja de “consumidor”. Eu chegava em casa às 22h e estava muito pouco enfronhado na vida da Igreja. Este é o meu pecado! Quanto ao resto, a medicina me ensinou a gostar das pessoas, independentemente de quem sejam. Quando se é médico, você cuida de pessoas agradáveis e não agradáveis, todos os tipos de pessoas.

Isso faz com que você esteja aberto para acolher a todos e a Igreja está aberta a todos. Não pedimos os papéis ou o certificado de batismo àqueles que chegam. No inverno, os sem-teto vêm se aquecer e não os importunamos. Outros vêm simplesmente para ter um tempo de repouso e silêncio. Não há muitos lugares como esse, onde você pode ficar, gratuitamente, de forma pacífica. E a medicina já me ensinou isso: acolher incondicionalmente as pessoas que batem à sua porta.

Você cresceu em uma família onde a prática religiosa não era a regra. Isso lhe dá uma visão particular da transmissão da fé?

Isso é bastante surpreendente, porque nunca me incomodou. Minha mãe era uma mulher de fé, ela ia à missa com bastante frequência, não necessariamente comigo. Mas eu sei que ela tinha uma fé profunda e eu via a influência que isso poderia ter em sua vida. Ao passo que, no lado “masculino”, éramos bastante descrentes. Meus amigos também não eram praticantes. Então, eu vivi durante muito tempo a minha fé de maneira isolada.

Eu penso que a transmissão se faz pela oração. Porque na oração, aprendemos a falar com Deus. Estabelecemos uma relação. Ao passo que em uma relação de catecismo, aprende-se a falar “de” Deus; é intelectual. A única coisa que minha mãe me ensinou foi o Pai-Nosso e a Ave-Maria. A partir dessas duas orações, aprendi a falar com Deus. Mas em segredo: ninguém sabia nada sobre isso.

Quando eu deixei o meu consultório de médico, eu disse o porquê aos meus pacientes. Muitos me disseram que rezavam há 30 anos pela manhã e pela noite, sem mesmo que sua esposa soubesse! Eu me dei conta de que muitas pessoas tinham uma vida espiritual, mas que não a exibiam. Há espontaneamente no ser humano essa propensão a entrar em relação com uma transcendência. (...)

Parte dos católicos teme a chegada de migrantes em números muito altos. Os bispos devem falar com mais clareza?

Há um medo da insegurança cultural. Quando eu era médico em Colombes [Hauts-de-Seine], inicialmente, nas cidades, as pessoas viviam muito bem juntas. Não se olhava para quem era muçulmano ou cristão. Prestavam-se serviços entre as pessoas. Hoje, isso virou guetos. As prefeituras tentam promover a diversidade social, mas ainda estamos muito comprometidos com o comunitarismo.

Certo dia, um imã me disse: “Já não temos mais o controle sobre os nossos jovens, não somos mais aqueles que os formam na religião. Eles vão se formar em outros lugares”... (...)

Os católicos são agora uma minoria religiosa na França?

Muitas pessoas se dizem católicas mesmo se não frequentam mais a Igreja. O que é ser católico? Qualquer pessoa que é praticante? Ou quem se reconhece nesta religião, porque nasceu nesta cultura, faz seus os valores evangélicos, enquanto sua relação com Deus ou a Igreja é mais do que tênue? O que isso quer dizer? Não sei, deixo isso para Deus. Se contarmos apenas aqueles que são praticantes, os católicos são, sem dúvida, uma minoria. Muitos estão envolvidos em questões de solidariedade, não necessariamente com o rótulo de “católico”, mas fazem isso em nome da sua fé.

A “guerra de laicidades” traduz, na sua opinião, uma rejeição da religião em geral ou uma desconfiança em relação ao Islã?

Meus dois avós eram anticlericais até a ponta das unhas, por isso eu conheço o sistema um pouco. Hoje, são defendidas duas formas de secularismo. A de Jean-Louis Bianco [presidente do Observatório da Laicidade] e de Emmanuel Macron, que deve permitir que todos possam praticar a sua religião. A outra é a de uma religião relegada à esfera privada, que não deve aparecer em qualquer lugar.

A sociedade francesa está dividida. A questão do Islã provoca medo por causa dos ataques e de determinados discursos que afirmam que a França se tornará uma terra do Islã – voltamos a encontrar a questão da insegurança cultural. Mas nós já vivemos, no passado, outras inseguranças culturais! Santa Genoveva, padroeira da cidade de Paris, viveu na época de Átila e Childéric, rei dos francos. Os alemães e os francos que chegaram não eram da cultura galo-romana nem da cultura cristã. Era uma transição colossal. Na época, a Igreja privilegiou a cultura cristã, mesmo que isso significasse sacrificar a cultura romana. Esse período, muito pior do que o nosso, também contribuiu para o que somos atualmente... (...)

O governo quer expandir o ensino religioso nas escolas. Que papel ele pode ter?

O papel do Estado é controlar o que podemos fazer, especialmente se diz respeito à religião. Há o fato religioso visto sob a perspectiva histórica. Muitas vezes, é por aí que vamos. Mas acho que devemos ir mais longe, para o espaço teológico. No RER, os muçulmanos me fazem perguntas como sacerdote. No final, eles me dizem: “Obrigado por ter falado de Deus”. Os muçulmanos que colocam seus filhos em uma escola católica fazem-no porque ali se pode “falar de Deus”... (...)

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