Papa mexe com Trump e acaba em escândalo

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03 Julho 2017

Pode ser um acaso, pode ser o destino: mas é curioso que, sempre que um papa fica no meio do caminho dos planos exuberantes de um presidente expressamente da direita estadunidense, a Igreja Católica é investida por um escândalo que põe em discussão a sua credibilidade moral. Foi o que aconteceu no início deste século, quando Wojtyla, já muito velho, se opôs com impetuosidade juvenil à invasão do Iraque e à montanha de mentiras com a qual Bush e os neocons a justificavam.

A reportagem é de Guido Rampoldi,  jornalista e escritor italiano, de 1987 a 2011 cobriu os principais acontecimentos do mundo, publicada por Il Fatto Quotidiano, 30-06-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Ora, João Paulo II não era propriamente um pacifista. Lembro-me de um ousado discurso dele de 1993 que soava como o solitário pedido de uma intervenção da Otan na Bósnia, solução, à época, rejeitada por todos os governos ocidentais. Mas o pontífice que, de fato, reabilitou a doutrina do justum bellum, a guerra “justa”, tinha perfeitamente claras as consequências simbólicas e políticas que a invasão do Iraque traria não só para o Oriente Médio: ela seria, profetizou, “uma derrota para a humanidade”.

Na época, a informação estadunidense se encheu de repente com histórias de padres pedófilos. Enquanto alguns jornais relatavam a Igreja como uma espécie de fraternidade secreta de monstros, um certo número de influentes comentaristas agregados aos neocons martelava com a pergunta: como o papa pode definir como “imoral” a nossa guerra contra Saddam quando ele acobertou os abusos sexuais do seu clero?

Um dos mais agressivos era Bill O’Reilly, na época apresentador bushista da Fox News, agora trumpista, mas desempregado, porque, meses atrás, a Fox o demitiu imediatamente devido a uma história de abusos sexuais. Se ele não tivesse tropeçado na própria dupla moral, provavelmente O’Reilly, hoje, estaria diante das câmeras se perguntando como Bergoglio pode pôr em discussão a legitimidade moral de certas iniciativas trumpianas, ele que chamou a Roma justamente um cardeal agora acusado de violência sexual contra menores.

Que fique claro, este que escreve não sabe nada de coisas vaticanas e, também por ser ateu, não tem familiaridade com altos prelados que poderiam me iluminar. Além disso, não nego uma certa tendência pró-católica, provavelmente originada pelo atual arcebispo de Bolonha, Matteo Zuppi, com o qual eu jogava bola há meio século (um terrível perna de pau, mas, já na época, de uma simpatia tão desarmante que nós, atacantes, perdoávamos de bom grado as caneladas).

Em todo o caso, parece-me já indiscutível que, para além da culpabilidade ou da inocência do cardeal Pell, a Igreja não sabe como enfrentar o problema da sexualidade dos padres e se condena a hipocrisias das mais complicadas. Permanece, porém, a dúvida de que certos escândalos, verdadeiros ou supostos, estourem de acordo com os tempos escolhidos por aqueles que pretendem constranger o papa.

Não há dúvida de que Bergoglio levanta um rancor irreprimível em certos ambientes do catolicismo, pequenos, mas aguerridos. Para perceber a intensidade dessa aversão, basta ler alguns jornais da direita italiana, em que o pontífice é ridicularizado como gnóstico, em suma, como herético; se poderia dizer que, apenas ao ouvir o seu nome, comentaristas como Antonio Socci começam a se debater, revirando os olhos, reação que, em outros séculos, seria considerada típica do endemoninhado.

Além disso, não é segredo algum que, a esta Vendeia italiana, corresponde uma Vendeia internacional mais ampla, com raízes na prelatura estadunidense e acesso a Steve Bannon, conselheiro muito ouvido por Trump. E aqui vou parar, sendo evidente o risco de construir uma conspiração imaginária sobre indícios muito fugazes.

Mas algumas coisas não devem ser caladas. Enquanto nós, italianos, somos serenamente inconscientes da explosão que se prepara no Oriente Médio, a direita WASP (branca, anglo-saxônica, protestante) hoje no poder nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha e na Austrália, poderia incubar algumas ideias próprias, a cuja realização Bergoglio seria um obstáculo.

Além disso, sopra sobre o Oriente Médio um certo vento de pensamento uniforme, do qual é prova o incrível diktat lançado ao Qatar pela Arábia Saudita, Emirados, Bahrein e Egito: feche-se à Al-Jazeera e à mídia que nós não gostamos. Com uma audiência de 220 milhões de espectadores e uma linha, grosso modo, liberal, a controversa Al-Jazeera é uma pedra no sapato de todos os Estados da polícia árabes, aqueles que Trump incitou a se mexerem na sua recente viagem ao Oriente Médio.

Contra o ultimato, alinharam-se jornais como New York Times, Washington Post e The Guardian, e a estadunidense Human Rights Watch, a mais renomada organização pela defesa dos direitos humanos (não aconteceu nada desse tipo na Itália, onde, ao contrário, algumas crônicas relataram, com uma certa satisfação, a ameaça que paira sobre a Al-Jazeera).

O que concluir? Pelo menos que, nunca como hoje, o jornalismo é parte ativa de um conflito, que talvez recém-começou. Não um espectador neutro: protagonista. E, também por isso, será muito interessante entender que uso a informação trumpiana fará do escândalo que desabou sobre a cabeça do cardeal Pell.

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