A teologia latino-americana atravessa o muro. Entrevista com o teólogo argentino Juan Carlos Scannone

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03 Fevereiro 2017

Dentro de poucos dias, cerca de quarenta teólogos provenientes da América Latina e Espanha se reunirão com um grupo de estadunidenses no prestigioso Boston College, de Massachusetts, para protagonizar o Primeiro Encontro Ibero-americano de Teologia. Serão cinco dias de diálogos e exposições, reflexões e conferências com o propósito fundamental de atualizar os avanços produzidos na teologia em língua espanhola da América do Sul e do Norte, “em tempos do Papa Francisco”, segundo especifica o programa.

A delimitação temporal é significativa e aparece nos títulos das principais exposições, que começarão com “Crise do cristianismo em um mundo globalizado e em uma Igreja fraturada” e “Igreja e reforma”, seguindo a linha que se planeja nos documentos de Aparecida e Evangelii Gaudium. Também será abordada “A contribuição da Teologia do Povo ou teologia da cultura” à teologia universal, como se denomina a corrente de pensamento teológico “frequentada” por Bergoglio durante seus anos na Argentina. Seguirão em ordem de tempo outros dois temas relevantes no momento histórico atual: “O discernimento sociopolítico e a geopolítica pastoral de Francisco” e “Os povos pobres diante do drama da desigualdade e a exclusão”. O encontro será encerrado com trabalhos sobre “A evangelização na perspectiva profética e libertadora frente ao desafio da interculturalidade”.

Os promotores do encontro de Boston observam que a teologia latino-americana, condensada em torno aos pontos enunciados, teve um papel relevante no processo de renovação eclesial que o pontificado de Francisco leva adiante e deixou no próprio Papa argentino “uma impressão sociocultural que influencia em seus escritos e seus gestos”. Torna-se também obrigatória a referência a Aparecida e à mudança de época que os trabalhos da Conferência em terra brasileira destacam, onde já se anuncia o programa reformador do pontificado que começaria poucos anos depois.

Outro elemento importante será a presença do representante papal, o arcebispo de Mérida, Baltazar Porras Cardozo, um dos últimos cardeais criados pelo Papa Francisco para premiar o país mais atormentado do continente americano.

Na primeira fila do encontro de Boston estará o sacerdote argentino Juan Carlos Scannone, jesuíta de 86 anos e ex-professor do Papa Francisco. Com efeito, em 1957, o professor Scannone ensinava grego e literatura no seminário de Vila Devoto, onde Jorge Mario Bergoglio deu seus primeiros passos a caminho do sacerdócio. Scannone é considerado o maior expoente vivo dessa Teologia do Povo, cujas principais figuras foram Lucio Gera, Gerardo Farrel e o uruguaio Methol Ferré.

A entrevista é de Alver Metalli, publicada por Vatican Insider, 01-02-2016. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Uma teologia que ocupará um lugar relevante nas jornadas do Boston College, padre Scannone...

Não poderia ser de outra maneira, considerando que se fala da contribuição da teologia latino-americana...

Como definiria, em poucas palavras, a contribuição da Teologia do povo?

Prefiro remeter a um artigo que escrevi, em 1982, a pedido do padre Neufeld, da Gregoriana, para o livro “Problemas e perspectivas da ideologia dogmática”. Esta minha contribuição foi publicada em italiano, inicialmente, e depois traduzida para o alemão e o espanhol. No artigo, distinguia quatro correntes e uma delas era a que hoje se denomina Teologia do Povo. Nessa época, eu representava uma das correntes da Teologia da Libertação. Dois anos depois, em 1984, a Congregação para a Doutrina da Fé apresentou o primeiro documento sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação, a Libertatis nuntius. Antonio Quarracino, que depois será arcebispo de Buenos Aires e que naquele momento era secretário geral do CELAM, confirmou a existência destas quatro correntes. Portanto, pode-se dizer que foram reconhecidas como linhas dentro da Teologia da Libertação. Gustavo Gutiérrez confirma, de maneira explícita, que é uma corrente com características próprias.

Em que consiste a característica mais destacada?

No fato de que não são utilizados nem o método, nem as categorias da análise marxista da realidade, mas que, sem negar a raiz social, prefere-se uma análise histórico-cultural. Na Teologia do Povo o aspecto histórico-cultural toma a dianteira sem subestimar a importância do histórico-político.

Como no caso da religiosidade popular...

Sem dúvida, a religiosidade popular é fortemente valorizada pela Teologia do Povo e, inclusive, chega-se a falar de “espiritualidade e mística popular”. O Papa Francisco, na Evangelii Gaudium, dá muita relevância ao tema da espiritualidade popular e o trata duas vezes, em razão da importância que reveste a inculturação na cultura latino-americana. A cultura popular evangeliza a si mesma e vai evangelizando as gerações seguintes.

O título do encontro no Boston College é extenso: “O presente e o futuro da teologia ibero-americana inculturada...”. O que significa?

O simpósio de Boston buscará compreender e avaliar o presente da teologia ibero-americana inculturada e os desafios para o futuro “em tempos de globalização, interculturalidade e exclusão”, como diz a segunda parte do título, na continuação do que você cita.

Três palavras que são repetidas, frequentemente, pela boca dos teólogos latino-americanos, quase uma marca de fábrica desta teologia...

Diria que são palavras que caracterizam a época atual, antes que jargão dos teólogos latino-americanos. Por um lado, estamos em vias de uma mundialização cada vez maior, e não só da economia, mas de todas as dimensões sociais. Por outro, como a globalização ocorreu segundo uma ideologia neoliberal, a consequência foi a exclusão dos povos pobres e dos pobres dos povos, pela crise estrutural das três “t” citados pelo Papa: terra, teto e trabalho. Uma resposta importante a essa situação – na linha de uma globalização alternativa –  está se dando no diálogo intercultural, que desafia as teologias inculturadas.

Por que um congresso deste tipo, precisamente em Boston e exatamente neste momento?

Porque queríamos intensificar o diálogo entre a teologia latino-americana e a teologia de matriz hispânica nos Estados Unidos, que encarnaram sua reflexão teológica na própria cultura sem, por isso, perder a dimensão universal tanto da fé como da teologia, cuja universalidade é situada e analógica.

O programa do encontro de Boston anuncia que se tentará identificar “o rumo da Igreja em tempos do Papa Francisco”. Para onde o leme do navio aponta?

O Papa Francisco, hoje, está liderando uma mudança evangelicamente radical na Igreja e na sociedade mundial, com fidelidade criativa em relação ao Vaticano II e aos Papas, desde o Concílio. A teologia ibero-americana deve acompanhar esse novo rumo, que se destaca pela misericórdia, a conversão pastoral e missionária, a opção por uma Igreja pobre, para e dos pobres, e o discernimento dos sinais dos tempos.

Como imagina o futuro da Igreja sem Francisco ou depois de Francisco?

Tenho a impressão que muitos dos passos dados por Francisco a respeito da reforma e as reformas na Igreja são irreversíveis. Além disso, confio na Divina Providência em relação à eleição de seu sucessor, que – espero – poderá seguir com fidelidade criativa a tarefa de uma Igreja semper reformanda e a serviço de uma humanidade no caminho da globalização, para que esta seja mais igual, justa e solidária.

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