16 Abril 2012
Podemos sentir as correntes de tristeza que correm tão profundamente por essas águas em que o Titanic afundou. O que nos lembramos desses passageiros – os seus pecados ou as suas tristezas?
A reflexão é de Eugene Cullen Kennedy, professor emérito de psicologia da Loyola University, Chicago, nos EUA. O artigo foi publicado no sítio National Catholic Reporter, 12-04-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Nós fitamos juntos os mares muito suaves no local onde o RMS Titanic afundou há um século. Como o salmista que cantou: "Das profundezas, eu clamo a ti, ó Senhor", o Titanic ainda clama por nós das profundezas das águas coroadas de icebergs, mais de mil vozes que nos falam das feridas da perda que cem anos de solidão no fundo arenoso do Atlântico não curaram.
A água é o meio do verdadeiro Mistério, trazendo-nos as vozes dos passageiros perdidos a partir dos escombros espalhados como as pérolas derramadas para fora da bolsa de uma viúva, por meio do que os investigadores marinhos definem como "campo de destroços" da grande embarcação.
Mas, enquanto os coletores tentar recolhê-los, esses objetos testemunham que esse não é um campo de destroços, mas sim um campo humano. Esses pequenos acessórios da vida cotidiana – navalhas e pentes, canetas e fivelas e broches – sussurram sobre os seus proprietários, trazendo-os à vida, de modo que nos sintamos no convés ao lado deles, conhecendo o que eles não têm do destino que, de repente, os iria engolir juntamente com os planos e os sonhos não muito diferentes dos nossos.
Podemos sentir as correntes de tristeza que correm tão profundamente por essas águas, assim como a Corrente do Golfo, a não muitos quilômetros de distância. O que nos lembramos desses passageiros – os seus pecados ou as suas tristezas? Neste mesmo mês de abril, como não ouvir de novo, também, as vozes daqueles que afundaram junto com as Torres Gêmeas, a partir dos relatos de que alguns de seus restos mortais estão sendo enterrados no mesmo mar?
E o que eles nos contam, em seus telefonemas e e-mails finais para aqueles que eles amavam, senão a bondade simples das pessoas que os pregadores equivocadamente chamam de pecadoras e que nós, erroneamente, chamamos de comuns? A dor das vítimas do 11 de setembro parece mais nova do que a das vítimas do Titanic. Contudo, a tristeza não tem qualquer carimbo de tempo ou data de validade. E agora elas se misturam, testemunhando juntas os laços do amor humano e a tristeza que é semeada como o trigo no campo do tempo que passa.
Agora que elas se libertaram do tempo e entraram na eternidade, nós podemos vê-las e compreendê-las melhor. Nós captamos vislumbres da pureza do coração que, apesar do trovão dos sermões acusando homens e mulheres por seus pecados, elas parecem tão simples e inconscientemente possuir.
O que devemos aprender neste tempo de Páscoa em que, durante as semanas cheias de cinzas da Quaresma, fomos alertados por severos pregadores sobre a enorme dívida de pecado que Jesus pagou morrendo por nós? Como é grande o nosso pecado, clamam eles, para que tal preço tenha sido cobrado por nós.
Mas, talvez, essa seja uma compreensão econômica da redenção, preparado por contadores que, se você lhes perguntar como vão, eles vão lhe dizer que o mercado de ações está em alta ou em baixa. Será que Jesus, podemos nos perguntar enquanto a luz plena da primavera se eleva, morreu para pagar por nossos pecados ou para se identificar com as nossas dores? Ele é chamado de o Homem das Dores, então, talvez, essa compreensão mais profunda tenha sido escondida à vista de todos, enquanto os mistérios simples do amor e da devoção estão todos ao nosso redor.
Jesus perdoou os pecadores prontamente, mas passou grande parte do seu tempo na terra respondendo à dor e à tristeza que são a condição da nossa vida no tempo.
Estamos todos reunidos nesta semana em que a latitude e a longitude inscrevem uma cruz na superfície das águas em cujas profundezas o despedaçado Titanic jaz. O seu telegrafista, conta-se, enviou mensagens até o último momento. Talvez, no entanto, possamos ouvir esses sinais dessas profundezas em nossas próprias profundezas, dizendo-nos que, abaixo de nós, jaz um lugar de julgamento em que os bem-aventurados foram conduzidos para a eternidade, porque eles estavam tão ocupados carregando as tristezas da vida que vêm com o amor que quase não tiveram tempo algum para pecar.
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A lição do Titanic: mais tristeza do que pecado no mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU