12 Agosto 2018
Éric Sadin, de gestos extravagantes e bom humor, parece um rock star: camisa branca com colarinho que sobressai colorido, calças apertadas e coturnos. Também cabelo cumprido e volumoso, ao estilo Andrés Calamaro, para que tenham uma referência física.
Veio a Buenos Aires, por alguns dias, apresentar seu último livro, La silicolonización del mundo, que se refere aos perigos de se deixar subjugar por uma tecnologia que mede o que fazemos para o transformar em dados mercantilizados. Em nosso país [Argentina], é publicado pela editora Caja Negra, a mesma que no ano passado publicou outro livro seu formidável: La realidad aumentada. Agora, conta, trabalha em outro livro que seguirá a mesma linha: chamar a atenção para os avanços tecnológicos que retiram do ser humano sua independência.
O Vale do Silício, opina, é o centro destas mudanças que se traçam como brilhantes, mas que em sua avaliação não são. Como consequência, convida se rebelar: não se deve deixar de ler livros em papel, pede para que sejam respeitados os conhecimentos dos professores universitários e aconselha a não utilizar aplicativos que medem calorias consumidas ou quilômetros percorridos, entre outras utilidades. Tudo com uma ênfase que convida a escutá-lo. Ou a lê-lo.
A entrevista é de Alejandro Duchini, publicada por La Gaceta, 05-08-2018. A tradução é do Cepat.
O que se propõe com “La silicolonización del mundo”?
É o mais crítico de meus livros. Não tinha opção! Porque há uma celebração tal de um modelo econômico que se baseia na exploração da internet, desde inícios dos anos 1990, que não funcionou bem e que conduziu à queda do que se chamava a nova economia e deu lugar à economia dos dados. Ou seja, a compilação de dados ligados à navegação na internet, que possibilitou um novo modelo econômico baseado no conhecimento dos comportamentos. Com dados cada vez mais informados sobre os comportamentos dos indivíduos, modelo desenvolvido pelo Google e outros mais. A esta economia de dados se acrescentou a economia das plataformas, a partir de 2010. O objetivo deste livro é compreender o alcance destas consequências, quem o leva adiante, quem o apoia. A cegueira tem suas consequências. É preciso analisar para ter chaves para o entender e chaves para atuar.
Tudo, escreve, vem do Vale do Silício.
É assim. Este modelo econômico dos dados e as plataformas tem origem nos Estados Unidos. Para ser exatos, no norte da Califórnia: Vale do Silício em particular, San Francisco, onde há uma enorme quantidade de centros de pesquisa, universidades. Este ecossistema engendrou, em uns 20 anos, gigantes econômicos que em sua maioria antes não existiam e que impressionaram e fascinaram o mundo inteiro.
Disse que além de fascinar, nas grandes cidades se deseja seguir o mesmo caminho.
É que isto fez com que a maioria dos países, frente a este êxito insolente do qual não se para de falar, porque é uma espécie de êxito impressionante, pretenda repetir o modelo. É o que chamo de silicolonização. Não foram gerados outros modelos ou horizontes econômicos, mas, sim, retomaram este e copiaram. A partir de 2010, floresceram vales por todo o mundo. Uma silicolonização que não foi imposta a ninguém. Na América do Sul, todas as metrópoles pretendem ser o novo Vale do Silício da região: Buenos Aires, São Paulo, Santiago... Nos Estados Unidos, Miami, Boston. Na Europa, Paris... Em poucos anos, isto se tornou muito chamativo. Todos tiveram o mesmo reflexo. Não havia ocorrido antes. A vontade máxima dos países é ser competidores do Vale do Silício.
Do que falamos quando discorremos sobre o Vale do Silício?
De um modelo que é baseado no acompanhamento do comportamento. Há uma arquitetura tecnológica que já não é a do conhecimento da internet, nem a do uso de telefones celulares, mas a que funciona pela extensão de sensores, através da inteligência artificial: um conhecimento cada vez mais ampliado da vida. A inteligência artificial tem cada vez mais capacidade interpretativa. Por exemplo, a balança, através dos sensores, sabe mais de meu peso, interpreta minhas etapas. Ocorre o mesmo com um espelho conectado. Estes artigos têm a capacidade de se retroalimentar e responder para servir a interesses privados: produtos alimentícios, estadias na montanha em função de meus estados de ânimo. Pode-se dizer o mesmo de uma cama. Tudo funciona assim! A consequência deste modelo econômico, que chamo de a mercantilização da vida ou tecnoliberalismo, é que não fique nenhum lugar vazio. Busca monetizar cada instante da vida cotidiana.
E tudo instantaneamente.
Há uma organização, produção e logística que interpreta as situações em tempo real. Até ditar à pessoa os gestos que deve assumir em determinadas circunstâncias. Isto é consequência direta da inovação digital, deste modelo econômico que leva à mercantilização da vida...
Que consequências podem ser geradas a curto prazo?
É difícil de estabelecer. Este modelo tecnoeconômico que penetra em nossas vidas para orientar nossos gestos possui incidência social e política. No entanto, existe a ideia de que este modelo será proveitoso para todos. A ideologia dos startups, como digo no livro, integra aqueles que não estudaram, nem tiveram uma formação. Alcança só com uma ideia, como a do fundador do Uber, que criou uma plataforma com a relação de passageiros e motoristas. Trata-se de uma suposta ideologia do cool. A ficção do cool! Que todo mundo pode aproveitar seu talento criativo. Que não há hierarquias. São modos de trabalho que se instalam. De fato, este modelo tecnoeconômico tem um slogan, um mantra do Vale do Silício, que é totalmente grotesco, mas não para: “Trabalhemos para fazer deste mundo um lugar melhor”.
Definitivamente, não é um mundo melhor?
Você assistiu o Silicon Valley? É uma série irônica: todos trabalham com um código, ficam uma semana sem se barbear, estão pálidos, neuróticos, antissociais e não param de dizer que querem fazer deste mundo um lugar melhor. Não contaria com eles para fazer um mundo melhor. Contudo, existe a ideia de que as tecnologias digitais, ou exponenciais, como as chamamos, poderão erradicar os problemas do mundo em uma velocidade exponencial.
Há uma fé no modelo do Vale do Silício que foi semeada por todo o planeta: é uma visão do mundo que já germinou, de que o fator principal dos defeitos é o humano. Mas, segundo esta teoria, não devemos nos preocupar. Há um milagre: as tecnologias exponenciais erradicarão os problemas e um com um salário mínimo será possível desfrutar a sociedade do ócio e comprar o que se desejar, haverá sistemas automáticos, será possível administrar o curso geral das coisas. Óbvio que digo isso como brincadeira. Falarei sobre isso em meu próximo livro: do paraíso artificial, dos sistemas que respondem a interesses privados. Porque se aponta para uma sociedade baseada no utilitarismo generalizado.
Até onde se pretende chegar?
Esta gente quer, inclusive, erradicar a morte com um modelo totalmente louco como o do trans-humanismo. Quem pode acreditar nesses sistemas? Mas, no entanto, isto é o que está sendo celebrado. Algo que se banaliza como modelo de civilização fundado na ideia de nos tirar nossa capacidade de julgamento. A vitória do tecnoliberalismo é conseguir a mercantilização de tudo. Isto se impõe em nome do bem-estar social. Como pode ser? A mobilização contra este modelo não se deve fazer na vida privada. Existirão modos de organização a ser estabelecidos para que não retroceda juízo de cada um. Meu trabalho busca gerar fenômenos para despertar, mobilizar tudo o que se possa.
Seu livro “La realidad aumentada” se referia à inteligência artificial. Em que ponto estamos hoje a esse respeito?
Meu próximo livro será ainda mais crítico com estes modelos. La realidad aumentada levava o termo inteligência artificial muito a sério. Neste livro e no próximo, digo que é hora de confrontar a linguagem, de analisar os termos que nos apresentam. Tomei tempo para me concentrar em questões de linguagem, ao mesmo tempo em que analisava o tema. Entendo que o termo inteligência artificial foi banalizado, que parece dá a entender que é chamado a assumir o posto de nossa inteligência, de nossa faculdade de ação e de apreciação. Cheguei à conclusão de que não é uma inteligência artificial, mas um modo de racionalidade que busca uma otimização estrita de todas as consequências da vida. Contudo, este sistema não tem nada de sensível. Estou escrevendo sobre isto. Será necessário defender a capacidade de julgamento. É hora de nos mobilizarmos. Que deixemos de lado nossa inocência, e inclusive nossa fascinação, e que façamos uma ação política para defender os princípios fundamentais de nossa sociedade.
Nascido em Paris, em 1973, Éric Sadin é um reconhecido escritor e filósofo que pesquisa as relações entre tecnologia e as sociedades. No ano passado, na Argentina, a editora Caja Negra publicou La humanidad aumentada (Prêmio Hub ao ensaio mais influente sobre o digital) e, nesse ano, La silicolonización del mundo (2108). Outros de seus livros sobre estas temáticas são Surveillance globale. Enquête sur les nouvelles formes de contrôle (2009), La société de l’anticipation (2011) e La vie algorithmique (2015). É docente em diferentes universidades europeias e publica seus artigos em meios de comunicação como Le Monde, Libération e Die Zeit.
No dia 20 de agosto, será apresentado e debatido o livro La vie algorithmique. Critique de la raison numérique (A vida algorítmica. Crítica da razão numérica, em tradução livre), de Éric Sadin, publicada por Éditions La Echappée, Paris, 2015.
A apresentação da obra e o debate estarão a cargo do Prof. Dr. Ícaro Ferraz Vidal Junior – UTP-PR.
O evento será realizado na Sala Ignacio Ellacuría e companheiros, Unisinos - Campus São Leopoldo, das 17h às 18h30min.
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“As empresas tecnológicas buscam monetizar cada instante da vida”. Entrevista com Éric Sadin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU