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30 Julho 2018

O investimento de bilhões de dólares em pesquisa de alta tecnologia vai conseguir tornar a morte opcional?

Uma abordagem de combate ao envelhecimento sugere substituir partes do corpo que apresentarem falhas. Outra busca encontrar o caminho da juventude.

 O artigo é de Tad Friend, publicado por The New Yorker, em 03-04-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.

Em uma noite de março em Mandeville Canyon, bem acima do resto de Los Angeles, a sala de estar de Norman Lear está lotada de pessoas poderosas e ansiosas para aprender os segredos da longevidade. Quando o primeiro palestrante do simpósio perguntou quantas pessoas queriam chegar aos 200 anos de idade, se pudessem permanecer saudáveis, quase todas levantaram a mão. É compreensível, portanto, que os folhados de frango não foram devorados rapidamente. Os investidores mantinham a forma para manter também a vitalidade imponente, os cientistas porque liam — e em alguns casos produziam — pesquisas sobre restrição calórica e as estrelas de Hollywood por motivos óbvios.

Na sessão de perguntas a Liz Blackburn, que ganhou o Prêmio Nobel por seu trabalho no campo da genética, Goldie Hawn, com pose de rainha, sentada em um confortável sofá, ronronou: "Eu tenho uma pergunta sobre mitocôndrias. Ouvi falar de uma molécula chamada glutationa que contribui para a saúde da célula..." A glutationa é um poderoso antioxidante que protege as células e as mitocôndrias, que fornecem energia. Algumas pessoas em Hollywood chamam "a molécula de Deus". Mas, em excesso, ela pode amortecer alguns mecanismos de reparação corporal, levando a problemas no fígado e nos rins, ou mesmo a uma rápida e potencialmente fatal descamação da pele. Blackburn, gentilmente sugeriu que uma dieta variada e saudável era melhor, e que nenhuma molécula continha a resposta para o enigma do envelhecimento.

No entanto, o que se pressupunha naquela noite era que as respostas - e quem sabe até mesmo uma solução abrangente - estava próxima. A festa era o evento de lançamento do Grande Desafio de Longevidade Saudável da Academia de Medicina dos Estados Unidos, premiando as descobertas na área com pelo menos 25 milhões de dólares. Victor Dzau, presidente da academia, reconheceu em pé vários cientistas presentes na sala. Ele elogiou o trabalho com enzimas que ajudam a regular o envelhecimento; determinando os genes que controlam a expectativa de vida em várias raças caninas e com uma técnica pela qual um camundongo mais velho é conectado cirurgicamente a outro mais jovem, compartilha seu sangue e rejuvenesce em poucas semanas.

Joon Yun, um médico que administra um fundo de investimentos em cuidados com a saúde, anunciou que ele e a esposa tinham feito o primeiros investimento de 2 milhões de dólares para financiar o desafio. "Penso que o envelhecimento é plástico, e que é codificado", afirmou. "Se algo está codificado, é possível quebrar o código". E acrescentou, diante de uma crescente salva de palmas: “Se é possível quebrar o código, também é possível hackear o código!" É algo enorme: mais de 150 mil pessoas morrem todos os dias, a maioria de doenças associadas ao processo do envelhecimento. No entanto, para Yun, segundo o que ele me disse, se conseguirmos hackear o código do jeito certo, "termodinamicamente, não deve haver motivo para não conseguirmos adiar a entropia indefinidamente. Podemos acabar com o envelhecimento para sempre".

Nicole Shanahan, fundadora de uma empresa de gestão de patentes, anunciou que sua empresa supervisionaria as patentes relacionadas à longevidade que Yun havia comprometido para a causa. "Estou aqui com meu querido Sergey", declarou, referindo-se ao namorado, Sergey Brin, co-fundador do Google. “Ele me ligou ontem e disse: 'estou lendo um livro chamado "Homo Deus", e a página 28 diz que eu vou morrer'. Eu disse: 'Fala que você, Sergey, vai morrer?' E ele respondeu: 'Sim!' "(No livro, o autor, Yuval Noah Harari, discute a pesquisa antienvelhecimento do Google e escreve que a empresa "provavelmente não vai resolver a questão da morte a tempo de seus co-fundadores, Larry Page e Sergey Brin, serem imortais.") Brin, sentado a alguns metros, deu um aceno rápido e ambíguo para a plateia: Sim, foi selecionado para morrer; Não, eu não estou planejando a minha morte.

Depois que Moby fez sua defesa ao veganismo, Dzau chamou Martine Rothblatt, fundadora de uma empresa de biotecnologia, chamada United Therapeutics, que quer desenvolver novos órgãos a partir do DNA das pessoas. "É claramente possível, através da tecnologia, que a morte seja algo opcional", disse Rothblatt. (Ela já encomendou uma versão da esposa, Bina — um robô chamado Bina48 que contém um "mindclone".) Há muito tempo, o envelhecimento não tem a repercussão que gerou a consciência ao HIV e o câncer de mama. Como espécie, somos péssimos em nos mobilizar contra calamidades coletivas não imediatas (como as alterações climáticas). Para os velhos, o envelhecimento é uma fatalidade; já os jovens nem acreditam que vão envelhecer. Mas, como sugeriu Rothblatt, a noite marcava uma virada. Voltando-se para Dzau, declarou: "é extremamente gratificante ter os maiores representantes do sistema, a liderança da Academia de Medicina, dizendo: 'nós também queremos tornar a morte opcional!' "O encontro trouxe o brilho da convicção que tais eventos podem emergir: a crença de que quem está dentro da sala pode determinar o destino de todos os que não estão.

Então Andy Conrad, lá no fundo, pegou o microfone para contestar o foco em estender ao máximo a expectativa de vida, que hoje chega a cerca de 150 anos. Conrad é CEO da Verily, uma empresa de Ciências da Vida, da Alphabet, empresa-irmã do Google. Assim como a maioria dos cientistas presentes, ele só quer ajudar as pessoas a desfrutar de mais alguns "anos de vida com qualidade". E perguntou: "Vocês não acham que longevidade é um termo inadequado? Não se trata de 'viver bem por mais tempo'? Ou 'expectativa de saúde'?" Os biólogos concordaram, aliviados.

Norman Lear, ainda com vigor aos 94 anos, encerrou a noite, dizendo: "Há sete anos, escrevi um piloto para um programa de TV chamado 'Guess Who Died?', que retratava uma comunidade de aposentados. Fiquei sabendo hoje que está em vias de ser produzido." A demografia do público está se aproximando da dele: até 2020, pela primeira vez, haverá mais pessoas acima dos 65 anos na Terra do que abaixo de cinco. Norman acrescentou, então: "O que eu quero oferecer para vocês é: estamos num palco e podemos disseminar algumas coisas que vocês disseram hoje ao público dos Estados Unidos". Mais aplausos: a mensagem será transmitida!

Mas qual mensagem? Que a morte é opcional? Ou que a morte vai ter que esperar?

Por muitas décadas, a solução para o problema do envelhecimento parecia a décadas de distância. No início dos anos 90, as pesquisas sobre o Caenorhabditis elegans, um pequeno verme nematoide que parece um fiapo, demonstraram que uma única mutação genética poderia aumentar seu tempo de vida e que outra mutação impedia esse aumento. A ideia de que o envelhecimento poderia ser manipulado apenas apertando alguns botões gerou um boom de pesquisas, e logo vários procedimentos clínicos pouco dignos tinham aumentado em dez vezes a expectativa de vida do verme, e em duas a de ratos de laboratório. O consenso científico se alterou. O envelhecimento deixou de ser um estágio final (segunda a capa da revista Time de 1958: "Growing Old Usefully"; em português, Envelhecer e ser útil) e uma questão social (Revista Time, 1970: “Growing Old in America: The Unwanted Generation”; em português, Envelhecer nos Estados Unidos: a geração indesejada) para algo que pode ser evitado (1996: “Forever Young”; em português, Jovem para sempre) ou, pelo menos, adiado (2015: “This Baby Could Live to Be 142 Years Old”; em português, Este bebê pode chegar aos 142 anos). A morte já não seria um problema metafísico, mas um mero problema técnico.

Mas a celebração foi prematura. Gordon Lithgow, um dos principais pesquisadores do C. elegans, me disse: "no início, pensamos que seria simples — uma questão de tempo! — mas encontramos cerca de 550 genes no verme que modulam a expectativa de vida. E suspeito que metade dos 20 mil genes no genoma do nematoide estejam envolvidos de alguma forma." Isso considerando que tem apenas 959 células. O código é bem mais complexo nos animais que nos despertam inveja: a larva de abelha bem alimentada de geleia real que se transforma em rainha e não tem idade; o tubarão da Groenlândia, que vive por 500 anos e não tem câncer; e até mesmo a humilde amêijoa, a da sopa de mariscos, detentora do recorde, com 507 anos.

Para nós, o envelhecimento é uma disfunção crescente e catastrófica que afeta tudo de repente. Nossas mitocôndrias estalam, nosso sistema endócrino fraqueja, nosso DNA arrebenta. Nossa visão, audição e força diminuem, nossas artérias entopem, nosso pensamento fica nublado e nós hesitamos, fraquejamos e falhamos. Todo avanço científico, todo anúncio de um caminho para reverter tudo isso veio com contratempos e confusão. Há alguns anos, as pessoas ficaram muito animadas com a especialidade de Liz Blackburn, os telômeros — as partes de DNA que protegem as extremidades dos cromossomos como as ponteiras selam as extremidades dos cadarços. À medida que envelhecemos, nossos telômeros encurtam e, quando esses escudos deixam de existir, as células param de se dividir. (Como afirma Blackburn, "deixa as células em um terrível estado de alerta".) Se pudéssemos estender os telômeros, era o que se pensava, poderíamos reverter o envelhecimento. Mas acontece que os animais com telômeros compridos, como os ratos de laboratório, não necessariamente vivem por muito tempo. E a telomerase, enzima responsável pelo crescimento do telômero, também é ativada em grande maioria das células cancerosas. Quanto mais sabemos sobre o corpo, mais percebemos que sabemos muito pouco.

Ainda assim, os pesquisadores seguem adiante. Entender não é condição prévia para uma intervenção bem sucedida, apontam os cientistas. Não tínhamos um entendimento real de virologia ou imunologia quando começamos a vacinar as pessoas contra a varíola.

Na escuridão de investigação científica, cada pesquisador busca orientação numa metáfora. Aubrey de Grey compara o corpo a um carro: o mecânico consegue consertar o motor sem necessariamente compreender a física de combustão, e os carros antigos bem restaurados funcionam muito bem. De Grey é um cientista que lidera a fundação de pesquisa do Vale do Silício Estratégias para a Engenharia da Senescência Insignificante, a SENS (Strategies for Engineered Negligible Senescence), ou, dito de forma menos pomposa, “Planejando sua transformação completa”. O inglês, que começou a carreira com uma década de trabalho na área de inteligência artificial, fala com fluidez, enquanto por vezes passa a mão na barba comprida estilo Rasputin. De Grey propôs que se consertarmos sete tipos de danos físicos, estaremos mais próximos de viver por mais de mil anos (supondo que seja possível evitar sermos atropelados por um ônibus ou sermos atingidos por um asteroide).

Quando o encontrei no escritório da SENS, em Mountain View, ele me disse: "os gerontologistas tomaram o caminho errado ao buscar uma causa para o envelhecimento, quando na verdade tudo desmorona ao mesmo tempo, porque todos os nossos sistemas são inter-relacionados. Então temos que dividir para conquistar." Só precisamos restaurar a elasticidade dos tecidos, substituir as células que pararam de se dividir e remover as que ficaram tóxicas, evitar as consequências das mutações de DNA e limpar os subprodutos de tudo isso. Se pudermos desarmar esses assassinos, sugere de Grey, podemos ganhar 30 anos de vida saudável, e durante esse período podemos avançar o suficiente para ficarmos biologicamente mais jovens. Vamos alcançar a "velocidade de escape da longevidade".

De Grey perturba muitos na comunidade do prolongamento da vida, e uma razão para isso pode ser seu estilo de vida sem moderação. Ele disse: "Posso beber o quanto quiser e não sofrer efeito algum. Nem preciso me exercitar, estou muito bem otimizado". Até pouco tempo atrás, ele tinha duas namoradas e uma esposa. Agora, contou: "Estou noivo, meus dias de poliamor ficaram para trás".

Mas a principal razão é o ar profético de convicção. Seu livro de 2007, “Ending Aging” (O fim do envelhecimento, tradução livre), traz muito tanto da pesquisa rigorosa sobre os obstáculos a uma vida mais longa quanto de possíveis soluções que parecem ficção científica de tão ambiciosas. A correção proposta por Grey para a mutação mitocondrial, por exemplo, é colocar uma cópia de segurança de DNA mitocondrial dentro do núcleo, algo que a evolução não conseguiu fazer — provavelmente porque as proteínas necessárias nas mitocôndrias ficariam aglomeradas ao longo da jornada pelo corpo celular aquoso. A correção, que consiste em movimentar o DNA em um sentido e as proteínas que ele produz em outro, é uma espécie de trambique subcelular. Alguns cientistas elogiam de Grey por anatomizar as principais ameaças. No entanto, eles veem os sete caminhos desses esquemas — e é preciso solucionar todos eles para o plano dar certo — como um trabalho condenado. Matt Kaeberlein, biogerontologista da Universidade de Washington, disse: "É como se dissesse que para chegar a outro sistema solar só precisamos fazer sete coisas, começando por acelerar o foguete até atingir três quartos da velocidade da luz...""

A maioria dos especialistas em longevidade não é imortalista, mas preconiza uma vida mais saudável, seguida por uma "morbidade compactada" — uma morte rápida e indolor. Estes cientistas concentram-se na cronologia dos fatos: desde 1900, a expectativa de vida tem aumentado em 30 anos — e, consequentemente, o câncer, as doenças cardíacas, acidente vascular cerebral, diabetes e demência. O envelhecimento é a principal condição para tantas doenças que é essencialmente uma metonímia de "doença". Acidentes e violência são as principais causas de morte até os 44 anos. Depois, temos o câncer no topo das causas, e, aos 65, as doenças de coração. Os cientistas que propõem a longevidade com saúde querem entender as etiologias do câncer e das doenças cardíacas para poder bloqueá-las. Por que quase nunca temos essas doenças aos dois anos de idade? Como podemos estender essa proteção até os 102 anos? Mas a cura do câncer possibilitaria um acréscimo de apenas 3,3 anos, em média, e a cura de doenças cardíacas, mais quatro. Se eliminarmos todas as doenças, a expectativa média de vida pode chegar aos 90 anos. Para viver por mais tempo, teríamos que retardar o envelhecimento em si.

Mesmo se fizermos isso, para esses cientistas, não vamos viver para sempre — nem deveríamos. Eles estão preocupados com o rápido esgotamento dos recursos naturais e da Segurança Social; a possibilidade de um Stalin ou Mugabe ficar no poder durante séculos; a perda das novas ideias dos jovens e o tédio profundo ao longo da vida. Amy Wagers, pesquisadora de Harvard, afirmou: "Parte do sentida da vida é que vamos morrer". Os gregos advertiram sobre o perigo de adquirirmos poderes divinos. Não funcionou bem com Esculápio nem Aquiles, e foi ainda pior para Titono, cuja amante, Eos, implorou a Zeus para lhe conceder a vida eterna, mas esqueceu de pedir a juventude eterna. Decrépito, senil e miserável, Titono acabou se transformando numa cigarra, que estridulava sem parar, pedindo por libertação.

Quando conheci Ned David, pensei que ele tivesse uns trinta anos. Seu rosto não tinha rugas e seu cabelo castanho eram fartos; ele caminhava com rapidez com as mãos no bolso da calça jeans e usava All Stars vermelhos de cano longo.

David tem 49 anos. Ele é bioquímico e co-fundador da Unity Biotechnology, uma startup do Vale do Silício que investiga células senescentes — células que, conforme envelhecem, começam a produzir SASP, uma secreção incolor, inodora e nociva, chamada pelos pesquisadores da startup de "toxina zumbi", porque produz outras células senescentes e espalha inflamação crônica pelo corpo todo. Em camundongos, seus tratamentos atrasam o surgimento do câncer, previnem a hipertrofia cardíaca e aumentam a expectativa média de vida em 35%. "Acho que os nossos medicamentos abrangem um terço das doenças que acometem os humanos no mundo desenvolvido", relatou David.

David não toma nenhum desses medicamentos e eles também não estarão no mercado por pelo menos sete anos. Sua jovialidade vem de outras terapias: ele toma metformina — um remédio para diabetes que fez diabéticos idosos terem uma vida mais longa do que a de um grupo controle saudável — e Retin-A, para a pele. Ele também nada muito e deixou de correr devido a uma osteoartrite da coluna vertebral. "Muitas vezes sou acusado, aqui, de escolher as coisas com que trabalhamos com base nos problemas de envelhecimento que tenho", revelou David. "Mas acho que vou voltar a correr por causa dos nossos medicamentos!".

Uma abordagem sistêmica ao envelhecimento, cujo resultado ideal seria uma prescrição da “pílula de Deus” pelo clínico geral, é filosoficamente atraente mas financeiramente inviável. As indústrias farmacêuticas e biotecnológicas só lucram tratando doenças, e, como o envelhecimento afeta tudo, a FDA, agência de Administração de Comidas e Remédios dos Estados Unidos, não o reconhecem como uma "indicação" suscetível a tratamento (ou de reembolso pelas companhias de seguro). Por isso, a Unity está mirando no glaucoma, na degeneração macular e na artrite. Os refrigeradores do laboratório estão cheios de olhos humanos e cartilagem de joelho. É a abordagem mais comum ao envelhecimento, em série e especializada, abordado um sintoma após o outro: primeiro curamos os olhos e depois o paciente vai logo ali buscar um rim impresso em 3D.

No outono passado, a Unity gerou 116 milhões de dólares de investidores como Jeff Bezos e Peter Thiel, bilionários ansiosos para aumentar nosso tempo na Terra ou, pelo menos, os seus, nas palavras de Thiel, "para sempre". Num campo cheio de de charlatões, o efeito Dorian Gray de Ned David influenciou a arrecadação de fundos. "Alguns investidores, como o Fidelity, acha minha aparência jovem assustadora", disse. "Outros — do estilo Vale do Silício, ou como Peter Thiel — se assusta com qualquer um que pareça ter mais de 40 anos."

Em camundongos, os tratamentos da Unity Biotechnology atrasam o surgimento do câncer, previnem a hipertrofia cardíaca e aumentam a expectativa média de vida em 35%. "Acho que os nossos medicamentos abrangem um terço das doenças que acometem os humanos no mundo desenvolvido", relatou um empresário.

Tradicionalmente, eram os magnatas grisalhos da tecnologia que financiavam a pesquisa sobre o envelhecimento, na esperança de romper com a estrutura da jornada do Vale do Silício: hacker, alpinista, cadáver. Agora o envelhecimento ganhou prestígio no mundo das startups. Arram Sabeti, 30 anos, fundador da empresa de tecnologia ZeroCater, disse: "a proposição de que podemos viver para sempre é óbvia. Não viola as leis da física, então vamos alcançá-la." Sabeti passa seu tempo livre lendo metaestudos sobre mortalidades por diversas causas e é investidor do Longevity Fund, um fundo de investimentos de longevidade recém lançado por Laura Deming. Deming, que tem 22 anos, diz que o mercado da longevidade é uma oportunidade que vale "dois bilhões de dólares ou mais”. Porém, diz também que "é impossível dizer sua possível dimensão, porque ao curar o envelhecimento toda a medicina sofreria mudanças".

Não surpreende que tenha sido o Google que transformou a visão do Vale do Silício sobre o envelhecimento. Surpreendentemente, talvez, foi que a empresa de Bill Maris estava na vanguarda. Como fundador e CEO da Google Ventures, Maris liderou investimentos bem-sucedidos em empresas como a Nest e o Uber. Ele era amável, admirado e financeiramente seguro — não um óbvio alquimista moderno. Mas afirma: "Meus pensamentos podem ser bem obscuros quando estou sozinho"; Seu pai teve um tumor cerebral e morreu em 2001, quando Maris tinha 26 anos. "Eu me formei em neurociência, trabalhei em hospitais, mas só quando meu pai morreu eu entendi a finitude da pessoa que parte para nunca mais voltar", disse.

Maris, que tem 42 anos, é vegetariano há muito tempo e faz uma hora de treino no elíptico todos os dias. Ele encontra conforto ao saber que o cientista que fez uma tomografia 3D de seu cérebro elogiou a constituição de seu corpo caloso, o feixe de fibras nervosas que conecta os hemisférios. (Maris tem modelos reluzentes de polímero do cérebro dele e da mulher em redomas de vidro no escritório). Mas tais precauções e vantagens são temporárias, tapa-buracos individuais. Como ele poderia resolver o problema de forma permanente e para todos?

Decidiu, então, fundar uma empresa para resolver a morte. Ele discutiu a ideia com Ray Kurzweil, o futurista que popularizou o conceito de Singularidade — a ideia de que os seres humanos vão se fundir com a inteligência artificial e transcender limitações biológicas — e Kurzweil ficou entusiasmado. Maris também discutiu a ideia com Andy Conrad, o geneticista da Verily, e ele reagiu com um cuidadoso desânimo. O primeiro problema era o longo período de estudo em seres humanos: é difícil conduzir um experimento clínico em sujeitos que levam 80 anos para morrer. (Outra questão relacionada é que não temos nenhum modelo aceito para medir a idade biológica, que muitas vezes é significativamente diferente da cronológica. Setenta não devem ser os novos 50, por exemplo, para pessoas como Ozzy Osbourne). O segundo problema foi a imensa dificuldade de identificar se qualquer causa aparente do envelhecimento era realmente causal ou meramente correlacionada a algum outro processo, mais furtivo.
"Andy jogou um balde de água fria na ideia mesmo", disse Maris. "Mas apontou nenhum problema factual. Ele não disse: 'O envelhecimento não é uma doença genética' nem 'O Google nunca vai financiar isso'". Em 2011, Maris apresentou a proposta de empresa para John Doerr, um grande investidor de risco da diretoria da Alphabet. "Suponha que você encontrasse uma lâmpada na praia, e um gênio lhe concedesse um desejo", disse Maris. "Sendo bem inteligente, seu primeiro desejo seria pedir tantos desejos quanto quisesse." Doerr assentiu com a cabeça, e Maris continuou: "Digamos que você viva, no máximo, mais 30 anos". Doerr tinha acabado de fazer 60. "Se cada dia é um desejo, são entre um e dez mil desejos. Não sei você, mas eu quero mais — quero ter direito a outros desejos mais rápido do que os vejo indo embora." Doerr, confrontado com os limites de sua longevidade, ficou animado. Quando Maris mostrou a ideia aos fundadores do Google, Sergey Brin, que tem uma variante genética que o predispõe ao mal de Parkinson, adorou a ideia, e Larry Page disse: "Vamos fazer isso aqui!"

Em 2013, o Google lançou a Calico, de California Life Company, com um financiamento de 1 bilhão de dólares. "A Calico contribuiu para a validação da pesquisa sobre o envelhecimento", disse George Vlasuk, líder da Navitor, uma startup de biotecnologia. "Eles têm dinheiro, inteligência e tempo." Mas a Calico tem se demonstrado extremamente sigilosa. Tudo o que se sabe é que mil camundongo estão sendo monitorados do nascimento até a morte para tentar determinar os "biomarcadores" do envelhecimento, bioquímicas cujos níveis indicam morbidade; que tem uma colônia de rato-toupeira-pelado, que vive por 30 anos e é incrivelmente feio, e que tem investido em medicamentos que ser úteis para o tratamento de diabetes e mal de Alzheimer. (A empresa se recusou a comentar).

Alguns cientistas de longevidade admitem estarem decepcionados com a direção da Calico. Nir Barzilai, geneticista líder no campo do envelhecimento, disse: "Na verdade, não sabemos o que estamos fazendo, mas o que que que seja não parece estar atacando o problema". Outro cientista que tem familiaridade com o trabalho da Calico disse que está buscando sua missão com cuidado, mas que a empresa começou, fatalmente, como um projeto de vaidade. O cientista disse: "É tão egoísta quanto a construção de uma capela renascentista pelos Médici na Itália, mas com toque extra de narcisismo do Vale do Silício. Tem como base a frustração de muitos ricos bem sucedidas de que a vida é muito curta: 'Temos todo esse dinheiro, mas só temos uma expectativa de vida normal.' "

Maris, que se aposentou da Google Ventures, discorda radicalmente desse ponto de vista. "Não se trata de os bilionários do Vale do Silício viverem para sempre com o sangue dos jovens", declarou. "É um futuro 'Star Trek' em que ninguém morre de doenças que podem ser evitadas e a vida é justa."

Se os bilionários Vale do Silício acabarem sendo sustentados por sangue jovem, eles vão satisfazer um anseio antigo. Em 1615, um médico alemão sugeriu que "o sangue quente e vívido de um jovem será transferido para um velho como uma fonte da juventude". Em 1924, o médico e bolchevique Alexander Bogdanov começou a fazer transfusões com sangue jovem, e um companheiro revolucionário escreveu que ele "parece ter ficado sete, dez anos mais jovem". Depois Bogdanov começou a injetar o sangue de um estudante que tinha malária e tuberculose e morreu. A parabiose, ou conexão cirúrgica entre sistemas circulatórios, tem uma história horrível nos seres humanos — quando foi adotada como último recurso em pacientes com câncer terminal, em 1951, e um menino de dois anos perdeu parte do pé por gangrena — e em roedores, que resistiram a realizar o procedimento. Um estudo de 1956 indicou que "se dois ratos não estão ajustados um ao outro, um vai comer a cabeça do outro até destruí-la".

Nós continuamos tentando. Em 2005, um laboratório de Stanford, gerido por Tom Rando, neurologista e biólogo especialista em células-tronco, anunciou que a parabiose heterocrônica, ou a troca de sangue entre camundongos mais velhos e mais jovens, rejuvenescia o fígado e os músculos dos mais velhos. Foi uma festa para os vampiros por aí. No outono passado, no "The Late Show", Stephen Colbert advertiu adolescentes que o Presidente Trump substituiria o Obamacare à obrigatoriedade de parabiose: "Ele vai enfiar um canudinho em vocês que nem um suco de caixinha."

Empresários e investidores de risco também estavam com os canudos a postos. Rando disse: "Tive várias reuniões com jovens bilionários do Vale do Silício e todos eles, em diferentes graus, queriam saber quando os segredos seriam divulgados, tanto para entrar na grande onda como para tirar vantagem pessoalmente. Eu digo: 'Não é um aplicativo. Quem vê a biologia do ponto de vista tecnológico, fica decepcionado, porque o ritmo é muito mais lento.’ ”

Nos últimos anos, o campo da parabiose trouxe conflitos. A chave para o rejuvenescimento é a presença de proteínas do sangue jovem ou a ausência de algo como a SASP? Poderia ser um subproduto celular de um camundongo, ou o efeito de pegar emprestado o fígado de um rato mais jovem? Em 2014, Amy Wagers, cientista de Harvard, concluiu que fatores do sangue novo, em especial a proteína GDF11, fortaleciam os camundongos mais velhos e renovavam seus cérebros. Grande parte de seus colegas questionou os resultados dela, e a empresa farmacêutica Novartis prontamente fez um estudo que sugeria o oposto: é preciso bloquear a GDF11. Segundo Wagers, "diferentes grupos relataram que a quantidade de GDF11 aumenta, diminui ou permanece a mesma com a idade". Com uma risada sombria, ela acrescentou, "certamente um deles está certo".

Após Tony Wyss-Coray, colega de Rando, mostrar que o sangue jovem pode dar origem a novos neurônios na região do hipocampo do cérebro de camundongos velhos, uma empresa chamada Alkahest deu continuidade a seu trabalho. A Alkahest começou a filtrar as mais de 10 mil proteínas presentes no plasma, na esperança de que o coquetel de proteínas certo pudesse curar o mal de Alzheimer — um processo que deve continuar por mais de 25 anos.

Na última vez que visitei Alkahest, Joe McCracken, o vice-presidente de desenvolvimento empresarial, colocou lado a lado vídeos de camundongos geneticamente idênticos da mesma idade. Eles estavam prestes a ser testados no labirinto de Barnes: um disco pontilhado com círculos negros, dos quais um era um buraco, ou seja, uma versão de laboratório de uma toca para escapar de um falcão. Nos testes anteriores, eles tinham sido treinados para lembrar a localização do buraco. McCracken, que estava com dois colegas, explicou que o primeiro camundongo tinha recebido um tratamento com placebo de solução salina inerte. Vimos o camundongo ir de um lado para o outro, cheirando sem ter certeza, quando, por fim, caiu no buraco. Demorou um minuto e vinte segundos. Os homens aplaudiram, liberando a ansiedade. "Sou eu no estacionamento, procurando meu carro", disse Sam Jackson, médico-chefe da empresa. Depois, McCracken colocou o vídeo de um camundongo que tinha recebido plasma de seres humanos de 18 anos de idade. Ele foi direto rumo a um setor do labirinto, encontrou o buraco e entrou em 18 segundos. Os executivos sorriram e balançaram a cabeça: ah, a juventude.

O cientista que faz experimentos de longevidade carrega fotos ou vídeos dos dois camundongos como se fossem um talismã: um tímido e confuso, já com o pelo irregular, e o outro elegante e espero, com toda a vitalidade do elixir milagroso. Mas será que os camundongos podem ser nossos representantes? A empatia nos seduz a acreditar que sim. Quando lemos que camundongos postos para correr numa esteira tiveram "um aquecimento e um relaxamento de cinco minutos", pensamos: “muito sensato”. No entanto, os camundongos não têm ataque cardíaco, e seus músculos começam a ficar fracos de repente, e não gradualmente como os nossos. Eles também têm mal de Alzheimer, então os cientistas imitam essa condição criando camundongos com genes extraídos de seres humanos. Mas, como só temos Alzheimer quando estamos velhos, testar tratamentos em ratos jovens muitas vezes faz com que nos enganemos. Também não ajuda o fato de laboratórios usarem radiação para causar um envelhecimento artificial, nem que os ratos de laboratório vivam muito mais do que os selvagens. Para Tony Wyss-Coray, "se o rato jovem encontra o buraco, as pessoas dizem: ‘ótimo, pode me dar o tratamento!' E eu digo: 'nós não sabemos se é seguro ou não, nem se os camundongos são idênticos aos seres humanos — tem que esperar'. "Já curamos o câncer em ratos de laboratório mais de dez vezes, e já os fizemos viver duas vezes mais. Mas nenhum desses resultados se mostrou transferível. "Por isso, muitas vezes, os camundongos nos enganaram", lamentou o geneticista Nir Barzilai.

A opinião dominante entre os cientistas que estudam longevidade é que o envelhecimento não é um produto de intenção evolutiva, mas de negligência evolutiva: somos feitos para viver o suficiente para transmitir nossos genes, e o que acontece depois não importa muito. Como escreveu o gerontologista Richard A. Miller, "os camundongos que dedicam sua energia para comer e se reproduzir se saem melhor do que os que gastam um capital valioso para corrigir a visão e cuidando para não ter câncer". Nós amadurecemos mais lentamente do que os camundongos e vivemos muito mais, porque, assim como as baleias e os ratos-toupeira-pelados, temos um risco muito menor de sermos devorados no primeiro ano de vida. Porém, a partir dos 30 ou 40 anos, depois que já procriamos, vivemos um tempo que para a evolução é inútil. Eric Verdin, CEO do Buck Institute for Research on Aging, a principal organização sem fins lucrativos da área, observou que "se continuássemos envelhecendo no mesmo ritmo que envelhecemos entre os 20 e os 30, chegaríamos aos mil anos de idade. Aos 30, tudo começa a mudar." A partir daí, nosso risco de mortalidade duplica a cada sete anos. Somos como o salmão, só que morremos em câmera lenta.

A batalha entre os cientistas que propõem a longevidade com saúde e os cientistas imortalistas é, no fundo, uma competição entre o poder da evolução segundo a natureza e o poder potencial da evolução segundo a direção do homem. Para os adeptos da longevidade com saúde, somos sujeitos ao progresso linear: os estudos com animais levam o tempo que têm de levar; e as ciências da vida caminham no ritmo da vida. Observando o aumento da expectativa de vida nos países desenvolvidos em cerca de dois anos e meio por década, Verdin disse: "se conseguirmos manter esse ritmo pelos próximos 200 anos e aumentar nossa expectativa de vida em 40 anos, seria incrível".
Os imortalistas têm uma visão diferente da nossa história e do nosso potencial. Eles veem séculos de teorização selvagem (que o envelhecimento poderia ser revertido pelo aquecimento do corpo, ou por respirar o mesmo ar que virgens jovens) sendo rapidamente substituídos por terapias genéticas e medicamentos projetados por computadores. De acordo com Bill Maris, "a tecnologia da saúde, que há cinco mil anos era sintomática e episódica — 'Pegue aqui umas sanguessugas!' — está se tornando uma tecnologia da informação, em que podemos ler e editar nossas próprios genomas".

Muitos imortalistas veem o envelhecimento não como um processo biológico, mas como um processo físico: a destruição de uma máquina pela entropia. Então, se é uma máquina, não pode ser como um computador? O progresso dos computadores, ou pelo menos dos semicondutores, tem obedecido à Lei de Moore, dobrando a capacidade a cada dois anos. No progresso linear, após 30 iterações o avanço seria de 30 passos; no progresso exponencial, de 1,07 bilhão de passos. Nosso progresso no mapeamento do genoma humano parecia linear — e depois se revelou exponencial, com o crescimento significativo dos dados duplicados.

Várias startups estão tentando aproveitar as curvas exponenciais. A BioAge tem usado o aprendizado de máquina e vasculhado dados genômicos buscando biomarcadores capazes de predizer a mortalidade. Kristen Fortney, 34 anos, CEO da empresa, disse que também tinha começado a testar drogas projetadas por computador em busca de uma substância inesperada que poderia afetar os marcadores de forma poderosa. Ela está prestes a buscar mais investimentos, e está otimista: "A Biotech é algo que muitos investidores de risco não entendem, mas o aprendizado de máquina e o grande volume de dados são coisas que eles entendem."

O envelhecimento não parece tanto um programa, mas um conjunto de regras sobre como deixamos de funcionar. No entanto, a convicção de que deve ser um programa é difícil de tirar das cabeças algorítmicas do Vale do Silício. Se for assim, retardar o envelhecimento pode ser apenas uma questão de localizar e corrigir o loop infinito de um código. Afinal, pesquisadores da Universidade de Columbia anunciaram em março que tinham armazenado todo o sistema operacional de um computador (e também cartão-presente de 50 dólares da Amazon) numa cadeia de DNA. Se o DNA for apenas um grande Dropbox para toda a papelada que sustenta a vida, qual seria a dificuldade de corrigi-lo?

Em julho, o microbiologista Brian Hanley, que tem 60 anos e mora em Davis, na Califórnia, começou a tentar fazer uma espécie de atualização do próprio sistema operacional: injetou na coxa esquerda genes análogos ao do hormônio que libera o hormônio do crescimento, o GHRH. O GHRH é normalmente produzido no cérebro, mas Hanley estava basicamente transformando um pedacinho de sua coxa - do tamanho de uma borracha da ponta de um lápis - em uma glândula capaz de produzir a molécula que estimula o coração, os rins e o timo. Ele acreditava que o tratamento estava funcionando. A testosterona e o colesterol bom subiram, a frequência cardíaca e o colesterol ruim diminuíram, e sua visão ficou mais aguçada. E havia um estranho efeito colateral: euforia. Um dia, andando de moto, ele deixou a moto derrubá-lo quando começou a tombar para o lado, às gargalhadas.

Quando encontrei ele, porém, ele ia de um lado para o outro da mesa de jantar com cuidado, sem conseguir sentar por muito tempo. Alguns dias antes, ele tinha causado uma hérnia de disco tentando levantar uma geladeira. Era a quarta lesão importante desde o início da terapia genética, mas ele me afirmou que era um problema comum para as pessoas em tratamento regenerativo: eles se sentem tão bem que acabam se excedendo. Quando George Church, geneticista de Harvard de um laboratório que colabora com o de Hanley, ficou sabendo das lesões, ele disse: "Pelo visto afetou mais a mente do que os músculos".

Para quem está frustrado com o imponente progresso da pesquisa com animais, desde larvas e moscas até ratos, cães e macacos, há muitos tratamentos especulativos. Em Monterrey, na Califórnia, uma clínica oferece plasma jovem por oito mil dólares — mas não se tem ideia do que ele faz com você. Peter Nygård, estilista leonino canadense e finlandês de 75 anos, que ficou rico fazendo as mulheres parecerem magérrimas vestindo calças acessíveis, fazia injeções com células-tronco do próprio DNA. Para ele, o processo retardou seu envelhecimento. Em uma entrevista, há alguns anos, declarou: "Sou o único cara do mundo atual que a si próprio antes de nascer numa placa de Petri".

Ainda que pense como o Consertador — com direito a câmara hiperbárica de pelúcia atrás do sofá —, Hanley é um pesquisador dedicado. Desde que o FDA passou a exigir uma autorização para novos testes em humanos, ele começou a testar as terapias em si mesmo. Ele lia sobre auto-experimentação e registrava os resultados: oito mortes (incluindo a da transfusão de sangue de Alexander Bogdanov) e dez prêmios Nobel. Cara ou coroa.

Hanley reconheceu que sua pesquisa tinha alguns problemas básicos como modelo para remodelar a expectativa de vida. Primeiro, a amostra tinha apenas uma pessoa. Segundo, os resultados do método terapêutico podem não durar. Terceiro, trata-se de um gene cujos efeitos parecem ser regenerativos, e não transformadores. Para nos reprogramarmos de forma abrangente, precisaríamos inserir genes corretivos em um vírus que dispersaria os genes pelo corpo todo, mas isso poderia chamar a atenção do sistema imunológico.

O advento da CRISPR, uma ferramenta de edição de genes, deixou os pesquisadores convictos de que estamos à beira da era da terapia genética. George Church e os pós-doutorandos de Harvard selecionaram 45 variantes promissoras de gene, não apenas de "supercentenários" — seres humanos que viveram até os 110 anos — mas também de leveduras, vermes, moscas e animais com uma expectativa de vida longa. No entanto, observou que até identificar os genes da longevidade é uma tarefa extremamente difícil: "O problema é a baleia-da-groenlândia, o macaco-prego e a toupeira pelada, espécies que vivem muito mais do que seus parentes mais próximos, não são geneticamente tão próximos desses parentes. Há uma distância de dezenas de milhões de pares de bases." Para o geneticista molecular Jan Vijg, "não se pode simplesmente copiar o mecanismo da tartaruga", que vive por quase 200 anos. "Se fosse assim, teríamos que fazer nosso genoma ser como o da tartaruga — e com isso viraríamos tartaruga."

Ser meio tartaruga não necessariamente assustaria Brian Hanley. Se conseguirmos pelo menos encontrar os genes certos e tornar a transmissão viral segura, declarou, "podemos fazer transformações humanas para competir com as invenções da Marvel. Supermúsculos, ultrarresistência, resistência extrema à radiação. Poderiam existir pessoas modificadas poderiam vivendo nas luas de Júpiter, fisicamente captando energia dos raios gama a que estivessem expostas."

Apesar de Ned David manter seu aspecto juvenil enquanto luta contra o próprio envelhecimento em várias frentes, até na escolha do tênis, ele não tem como se livrar da ideia de que nosso inimigo é fundamentalmente um só. David compara as pesquisas na área da longevidade a uma árvore enorme, e acredita que os esforços mais recentes, como as terapias que sua empresa busca, são apenas ramos dessa árvore. "Ninguém está trabalhando no tronco", disse, com tristeza. Em dezembro, no entanto, ele começou a ter esperança de que era possível também estudar o "tronco".

David já suspeitava que o epigenoma era fundamental para a longevidade. O genoma é nosso hardware celular, e o epigenoma é o software: o código que ativa o DNA, mandando um comando para a célula se diferenciar — tornar-se um macrófago ou um neurônio — e depois lembrar a própria identidade. O epigenoma em si é controlado por agentes que adicionam ou subtraem das proteínas os grupos químicos, conhecidos como marcadores. Os biólogos suspeitam que quando o epigenoma acumula muitos marcadores com o tempo, os sinais enviados para as células mudam drasticamente, produzindo os efeitos do envelhecimento. Esse processo poderia explicar, por exemplo, por que a pele de uma pessoa idosa se renova com novas células todo mês e ainda assim mantém o aspecto envelhecido.

Em 2012, Tom Rando e o colega Howard Chang, de Stanford, publicaram um artigo observando que um óvulo humano fertilizado tem propriedades de juventude eterna: os óvulos e o esperma podem envelhecer, mas o embrião zera o relógio. Chang, dermatologista e especialista em genoma, descobriu que, depois de acumular um certo número de marcadores, o epigenoma é ativado com uma proteína chamada NF-kB, inflamando e envelhecendo a pele. Ao inibir a NF-kB em camundongos geneticamente modificados, sua pele rejuvenesceu. O trabalho de Rando sobre a parabiose parecia ter como base um processo semelhante: a reversão das células-tronco para uma fase mais jovem. Os cientistas sugeriram que "o ideal seria zerar o relógio do envelhecimento, mas deixar o programa que produz a diferenciação intacto", ou seja, ativar as células-tronco e fazer com que revigorem tecidos e órgãos sem revertê-los para um estado pré-diferenciação, o que introduziria teratomas, tumores peludos e com dentes. O objetivo era um Benjamin Button na fase jovem de Brad Pitt, só isso.

Depois da publicação desse artigo, Rando voltou a se concentrar na parabiose, e Chang começou a desenvolver um creme para fazer a pele parecer décadas mais jovem. E explica: "É o que as pessoas querem". Mas também alega que a comunidade especializada em longevidade se demonstrou fragmentada demais: "É a área mais difícil em que já trabalhei, e não quero associar minha vida científica a todas essas brigas".

Em dezembro, Juan Carlos Izpisua Belmonte, do Instituto Salk, em San Diego, anunciou que tinha feito o trabalho proposto por Rando e Chang. Após quatro anos de tentativa e erro fazendo experimentos em ratos, ele tinha descoberto uma forma de acionar os fatores Yamanaka, quatro genes que zeram o relógio de óvulos fertilizados. Quando os camundongos bebiam água com doxiciclina no laboratório — mas apenas duas vezes por semana —, eles tinham uma vida mais de 30% mais longa. Os músculos e pâncreas dos ratos selvagens que passaram pelo mesmo procedimento rejuvenesceram.

Assim como nas tentativas mais modernas de contornar o envelhecimento, Belmonte estava enganando o corpo, isto é, pegando um mecanismo poderoso dos embriões e, com muito cuidado, aplicando a adultos. Ele disse: "Queremos que uma célula cardíaca torne-se uma célula cardíaca nova, mas não queremos reverter até o ponto de ser uma célula-tronco, o que pararia o coração. Nós conseguimos fazer isso. Nosso experimento foi muito rudimentar e incontrolável, e muitos outros efeitos adversos e desconhecidos vão aparecer. Mas é muito promissor." Modificar o software das células era menos perigoso do que mexer no hardware, afirmou, e, assim como no caso do software, "sempre haverá uma versão melhor do programa no ano seguinte". Belmonte teve o cuidado de minimizar a questão óbvia incitada pela pesquisa: se pudéssemos zerar o relógio constantemente, poderíamos viver para sempre? "A ideia não é aumentar a expectativa de vida, mas poder trabalhar melhor", disse. Ele riu e acrescentou: "Claro, quando todas as células do corpo melhoram, uma consequência indireta é viver por mais tempo".

Animado com o trabalho de Belmonte, neste inverno Ned David viajou para San Diego duas vezes para encontrá-lo e ver se havia alguma forma "de provar que lá estava o relógio" e depois "volta para os 25 anos”. Em março, eles discutiram como poderiam proceder. Poderiam desenvolver marcadores para que as células mudassem de cor no laboratório se algum medicamento as rejuvenescesse — e para uma cor diferente se tivessem ultrapassados os limites? Ou a equipe poderia ativar a telomerase para rejuvenescer o epigenoma? Ou ainda poderia encontrar genes que agissem como um freio de emergência sobre o processo de reversão? Havia muita coisa para pensar em relação à lógica dos sistemas.

David ficou seduzido pela possibilidade de estudar o tronco da árvore, apesar da incerteza. "Podemos reverter em alguns tecidos, mas ainda não descobrimos o experimento que vai mudar todo o jogo, à la Francis Crick", disse, rindo. "Se eu conhecesse o tal experimento, estaria fazendo isso agora". Mesmo que Belmonte e David encontrem uma substância que torne as células-tronco mais jovens com perfeição, provavelmente haverá efeitos colaterais inesperados, pois o osso do quadril liga-se não apenas ao da coxa, mas a todos os outros ossos. Para reparar o tecido, é preciso renovar as células-tronco, que têm de se dividir para cumprir seu papel, e o processo de divisão é suscetível a mutações aleatórias, que podem levar ao câncer.

Muitos artigos sobre longevidade terminam misticamente acenando na direção dos "fatores sistêmicos" desconhecidos. Resolver o problema do envelhecimento é uma questão que traz múltiplas questões: “Quem?”, “Onde?” e “Como?”, além de “Por que raios fizeram isso?” Como sugere Tom Rando: "Não é que A causa B, que causa C, que causa D, que causa o envelhecimento. É um diagrama em rede, com nós e ligações — em que podem acontecer reviravoltas e as consequências virarem causas — cada vez mais desestabilizado". Se o corpo fosse uma série de luzinhas de Natal num pinheiro — e não é —, cada vez que fosse ligado numa tomada nova algumas luzes ficariam acesas e outras apagadas. Estabilizar uma parte da rede significa desestabilizar outra. O que nos integra também nos desintegra, e o processos da vida e da morte parecem inerentemente conectados.

Até agora, as intervenções possíveis mais poderosas para prolongar a vida são atitudes com uma abordagem menos tecnológica que você já escutou do médico, com uma voz monótona: parar de fumar (mais 10 anos) e usar o cinto (mais dois anos). Se você já faz isso, pratique exercícios e cuide da alimentação. Pankaj Kapahi, pesquisador do Instituto Buck, recentemente me mostrou duas caixas claras cheias de mosca-da-fruta em frascos com dois tipos de alimento no fundo: uma gosma laranja em alguns frascos, e uma gosma amarela em outros. "Estas moscas estão fazendo a dieta do hambúrguer, e essas outras, uma dieta espartana", disse, apontando para as caixas. "Podemos avaliar sua saúde pela rapidez com que sobem pelo frasco". Ele agitou as duas caixas com força. As moscas alimentadas com hambúrguer subiram com dificuldade, e as moscas da dieta espartana voaram para cima. "Algumas dietas como essa chegam a dobrar a expectativa de vida", observou.

Tanto a restrição calórica como a prática de exercício físico parecem amortecer a mTOR, uma via de sinalização que regula o metabolismo celular. Sob tensão, o corpo percebe que não é uma boa hora para se reproduzir, mas sim de reparar as células e aumentar a resistência ao estresse. Os cientistas acreditam que é a forma da natureza de responder à fome: dar um passo para trás e esperar por tempos melhores para procriar. Parece haver uma ligação entre a ausência de relações sexuais e o aumento da expectativa de vida, já que o que os franceses chamam de “pequena morte” aparentemente aproxima a grande. A rapamicina imunossupressora aumenta o tempo de vida dos camundongos, apesar de diminuir seus testículos. Da mesma forma, a maneira mais próxima da comprovação de um homem viver por 14 a mais do que a média é ser um eunuco. Boas e más notícias.

Que morrer de fome tem suas desvantagens não é novidade. Para quem quer dar uma chance para a restrição de calorias, é preciso diminuir pelo menos 30% das calorias ingeridas. A melhor maneira de fazê-lo, o jejum intermitente, é difícil de suportar para os indivíduos e impossível patentear para os pesquisadores. Por isso, o objetivo é desenvolver medicamentos poderosos que reprimam a mTOR sem fazer ninguém morrer de fome. Enquanto isso, o Calorie Restriction Society, a Sociedade de Restrição Calórica, avisa para ter cuidado com as formas de limitar a ingestão: "a restrição calórica abrupta na idade adulta diminui a expectativa de vida dos camundongos". O site ainda acrescenta: "há vários outros riscos de que se deve estar ciente" — nesse ponto, a página é interrompida.

Leonard Guarente, professor de biologia do MIT que desenvolveu importantes pesquisas sobre a sirtuína, enzima que regula a mTOR — que parecia ser a chave mestre há uma década — é co-fundador e cientista-chefe da Elysium Health. O Basis, o primeiro produto nutracêutico da Elysium, promete "otimização e reparação metabólica". Tomando uma pílula por dia, com um custo de 50 dólares por mês, obtém-se substâncias que nutrem as sirtuínas. Ainda não existem dados clínicos de que o Basis tenha utilidade nos seres humanos; por isso, quando visitei Guarente em seu escritório no MIT, perguntei se ele tinha notado algum efeito. "Notei", afirmou. Ele olhou para alguém do RP da Elysium. "Posso dizer isso? Tudo bem?" Ela acenou que sim, e ele disse: "minhas unhas crescem mais rápido". E o que isso significa? "Não sei. Mas significa alguma coisa".

Todos os grandes imortalistas começaram trabalhando com tecnologia, e o pai de todos eles morreu jovem (como o de Ray Kurzweil, quando ele tinha 22 anos) ou desapareceu muito cedo (como o de Aubrey de Grey, antes de ele nascer). Eles compartilham uma perda precoce da inocência e uma fé profunda na ideia de que a mente humana pode aperfeiçoar até mesmo o corpo humano. Larry Ellison, co-fundador da Oracle, perdeu a mãe adotiva para o câncer quando estava na faculdade — e doou 370 milhões de dólares para a pesquisa na área do envelhecimento. "A morte nunca fez sentido para mim", disse ele a um biógrafo. "Como pode uma pessoa estar aqui e simplesmente desaparecer?" Bill Maris, criador da Calico, disse que, ao ponderar sobre a inevitabilidade da morte: "Senti que nossa missão aqui poderia ser transcender isso e preservar a consciência de forma permanente".

Há dois grupos de imortalistas. Os Meat Puppets, liderados por de Grey, acreditam que podemos adaptar a nossa biologia e permanecer em nossos corpos. Os RoboCops, liderados por Kurzweil, acreditam que vamos acabar nos fundindo com corpos mecânicos e/ou com a nuvem. Kurzweil tem uma longa carreira corrigindo e otimizando. No início da carreira, ele inventou o scanner de mesa e uma máquina para ler livros para os cegos em voz alta. Essas invenções melhoraram drasticamente nos lançamentos subsequentes, e agora ele tem convicção de que o que ele chama de "lei do retorno acelerado" para a longevidade humana está prestes a ter início.

Encontrei Kurzweil no Google, empresa onde é diretor de engenharia, mas ele destacou que estava falando como futurista, de modo particular. Apesar de estar a poucos dias do 69º aniversário, ele parecia muito mais jovem. Depois de descobrir, aos 30, que tinha diabetes tipo 2, ele mudou seu estilo de vida radicalmente e começou a tomar suplementos. Ele toma cerca de 90 comprimidos por dia, como metformina; Basis; a coenzima Q10, para força muscular, e fosfatidilcolina, para manter a pele macia. "Que tal?", perguntou, beliscando o antebraço. "Flexível!", eu disse.

Para Kurzweil, tentativas como esta de retardar o envelhecimento usando a tecnologia moderna são uma primeira ponte para a longevidade indefinida. Mas ele também é adepto da crença de que o corpo é essencialmente um computador composto por dados que podem ser substituídos e aplicativos que podem ser atualizados. Portanto, em breve estaremos em meio a uma revolução biotecnológica, que vai oferecer terapias de imunização personalizada para o câncer, bem como órgãos desenvolvidos a partir do nosso próprio DNA. Esta é a segunda ponte, que ele acredita que vai nos colocar a velocidade de escape da longevidade em cerca de 15 anos. "Estou um pouco mais otimista do que Aubrey", declarou. A terceira ponte, que, segundo ele, devemos cruzar por volta de 2030, é a da nanorrobótica: dispositivos do tamanho da célula de sangue com capacidade de circular pelo corpo e pelo cérebro, limpar todos os danos que de Grey quer consertar com intervenções médicas. "Eu dizia que era o aplicativo que ia matar a charada da tecnologia da saúde", disse Kurzweil, "mas não cai bem chamar assim".

Quando atravessarmos a quarta ponte, a mesma nanorrobótica vai conectar nossos cérebros a um anexo neocortical na nuvem, e nossa inteligência vai se expandir rapidamente em bilhões de vezes. Quando essa transformação acontecer, em 2045, chegará a Singularidade e seremos como deuses. "Por algum tempo, vamos ser um híbrido do pensamento biológico e não biológico, mas, conforme a nuvem continuar se duplicando, a inteligência não biológica vai predominar", observou Kurzweil. "E seria anacrônico ter um único corpo". Ele levantou um pouco os braços e ficou olhando para eles: um carpinteiro incomodado com um nó na madeira.

Kurzweil reconhece que ficou profundamente afetado com a morte precoce de seu pai, Fredric. Fredric foi um maestro e pianista brilhante, mas trabalhou incessantemente para se sustentar e muitas vezes estava ausente da família. Como disse a mãe de Kurzweil numa ocasião: "Foi difícil para o Raymond. Ele precisava de um pai — e o pai dele nunca estava por perto." Kurzweil preservou 50 caixas com os pertences do pai, com tudo, desde cartas e fotografias até contas de luz, tudo muito bem empacotado num armazém, em Newton, no estado de Massachusetts. Ele espera um dia criar um avatar virtual do pai e colocar todas essas informações na mente do doppelgänger, bem como com suas próprias memórias e sonhos com o pai, criando um Fredric Kurzweil 2.0.

"Passamos milênios racionalizando a tragédia da morte — 'É natural, é o objetivo da vida'", disse Kurzweil. "Mas não é assim que nos sentimos quando alguém que amamos morre." Ele então ficou em silêncio e voltou à questão do quão realista seria o avatar do pai - e confortante. "Passar num teste de Turing de Fredric Kurzweil está ficando cada vez mais fácil", disse, sorrindo com ironia, "porque as pessoas que o conheceram, como eu, estão envelhecendo".

Os Meat Puppets, que lutam contra a velhice, têm de lidar com a contingência evolutiva. , co-autor de um artigo recente argumentando que a nossa expectativa de vida basicamente limita-se a 115 anos, afirmou: "Sim, nossos corpos são sistemas de processamento de informações. Mas consertar o corpo-computador exige um conhecimento profundo sobre o que acontece nas células em nível molecular. E nem sequer sabemos quantos tipos de células existem! Criar um ser humano não é nem de perto tão fácil quanto criar I.A, porque somos projetados por mudanças aleatórias de formas muita confusas e pouco inteligentes postas em prática pela seleção natural."

Os RoboCops precisam lidar com os limites do terreno humano. Segundo Osman Kibar, CEO de uma empresa de biotecnologia chamada Samumed: “nós, seres humanos, somos muito criativos. Quando chegamos a um limite biológico, nós trapaceamos. Assim como Kurzweil, que está propondo que mudemos a definição de ser humano. À medida que cada uma das nossas funções é atualizada ou substituída, em algum momento isso deixa de ser chamado de humano e passa a ser chamado de IA.” Já temos tecnologias que trabalham dentro do corpo, como marcapassos e implantes cocleares. Um homem paralisado já chegou a digitar oito palavras por minuto com uma interface entre cérebro e computador implantada no córtex motor. Quanto tempo ainda vai levar para que as vantagens da escala e produção de precisão possam ser aplicadas ao corpo todo?

De acordo com o 2045 Institute, fundado por um russo rico que se inspirou na inspirado pela cronologia de Kurzweil, podemos pelo menos começar fazendo pagamentos nesse momento. O site do instituto tem um "botão da imortalidade". Clicando nele, é possível "começar o desenvolvimento do seu avatar imortal personalizado". Pode-se escolher desde uma cópia robótica controlada por controle remoto, uma prótese de corpo inteiro com sua própria cabeça transplantada e um corpo escultural, totalmente artificial, com uma atualização de sua essência, que vão "alcançar a perfeição da forma e ser tão atraentes quanto o corpo humano".

Uma questão parece ser o que fazer com as nossas cabeças, mais especificamente com nossos cérebros. Segundo o futurista Juan Enriquez, "poderemos colocar uma cabeça de camundongo transplantada daqui a no máximo cinco anos. E aí a coisa fica interessante: será que o Mickey se lembra da Minnie?" No momento, porém, ninguém descobriu como atualizar a biologia do cérebro do Mickey, não importa a qual organismo esteja associada. Os neurônios não nascem nem se regeneram, exceto no hipocampo. Não adianta importar células-tronco para o cérebro; elas só ficam lá paradas e depois morrem.

Benjamin Rapoport, neurocirurgião residente do Weill Cornell Brain and Spine Center, que está trabalhando em um projeto que pretende conectar cérebro e IA diretamente, afirma: "A questão é: qual é a essência que faz você ser você? As pessoas geralmente acham que é a mente. Mas será que a mente consegue existir num substrato biológico muito úmido, com 1,5 kg e que flutua como se fosse uma água-viva? Ou será que poderia existir em algum outro lugar?" Em um computador, por exemplo. Dentro de uma década, pode haver uma interface bidirecional de banda larga ligada ao cérebro, e os cientistas já estão tentando mapear os 100 bilhões de neurônios existentes no cérebro e as mais de 100 trilhões de conexões entre eles — o "conectoma", o termo infeliz como é chamado. Atualmente, só se pode modelar o cérebro de alguém em nível de sinapses fatiando o órgão, depois de a pessoa morrer. No entanto, um dia vamos conseguir fazer uma “imitação integral do cérebro” com pessoas vivas. Então, haveria cópias permanentes do nosso cérebro, que teriam — esperamos — consciência.

Mas será que essas cópias seríamos nós? Mesmo deixando de lado a questão de qual parte do ser humano é somática — do quanto da nossa identidade advém de consequências táteis, sensoriais e emocionais de estarmos vivos em carne, em vez de estarmos na fila D de uma torre de servidores —, não se pode descartar o problema da memória. Ao contrário da memória RAM do computador, a memória humana surge a partir de estímulos eletroquímicos que fazem com que o cérebro busque padrões e produza efeitos. Não há nenhuma localização física para a memória do primeiro beijo. A lembrança se modifica consoante o estímulo que a aciona, dependendo o beijo é relembrado no dia seguinte, lendo uma carta ou ao encontrar aquela antiga namorada 20 anos depois. Assim, se o projeto conectoma der certo e formos transferidos para o silício, talvez nos tornemos invulneráveis à decadência física e capazes de feitos impressionantes de aprendizagem e raciocínio, mas sem aquela primeira lembrança das margaridas na chuva de primavera. Mas talvez nem lembraríamos de nos importar com isso.

Ray Kurzweil e Aubrey de Grey têm o mesmo plano B caso o trabalho não avance com tanta rapidez quanto esperado: quando morrerem, eles vão ser congelados em nitrogênio líquido, e vão deixar instruções para como lhes despertar quando a ciência tiver encontrado o caminho para a imortalidade. O otimismo dos dois é admirável, e talvez a ansiedade que deixam como marca seja apenas o ressentimento normal de quem chegou mais tarde ou quem ficou para trás. "As pessoas se assustam quando ouvem essas coisas", comentou Kurzweil. “Dizem assim: 'Não sei se quero viver por tanto tempo'". Para Kurzweil, que tem dois filhos, aceitar a inevitabilidade da morte não é mais saudável do que aceitar morrer cedo. "Atribuir o sentido da vida à morte é uma posição filosófica comum, mas a morte na verdade nos rouba o significado", afirmou. "Nos rouba o amor. É uma perda total de nós mesmos. É uma tragédia."

No entanto, no ano passado, o geneticista Nir Barzilai organizou a exibição de um documentário sobre longevidade e depois colocou uma questão para as 300 pessoas presentes na plateia. "Eu digo: 'Na natureza, é possível fazer trocas entre a longevidade e a reprodução. Imaginem que uma opção é ser imortalizado, mas não haver mais reprodução alguma na Terra, nem gravidez, primeiro aninho, primeiro amor' — e assim por diante." Ele riu, divertindo-se com a própria determinação para ir adiante. "'Ou então, a segunda opção é viver até os 85 anos, sempre bem e saudável, nenhum dia doente, até simplesmente não acordar um dia". O votação foi expressiva, contou. "Dez a 15 pessoas escolheram a primeira opção. Todos os outros votaram na segunda.”

Este desejo de preservar a vida como a conhecemos, mesmo à custa da morte, é profundamente humano. Somos codificados com a crença de que a morte é a mãe da beleza. E somos codificados, também, com a convicção contraditória de permanecer exatamente como somos, para sempre — ou pelo menos por mais um tempo, antes de termos mesmo que ir.

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A busca do Vale do Silício pela vida eterna - Instituto Humanitas Unisinos - IHU