"Precisamos de pessoas que desafiem a Igreja". Entrevista com Jean-Claude Guillebaud

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12 Outubro 2017

Em La Foi que Reste [A fé que resta] (L’Iconoclaste, 2017), Jean-Claude Guillebaud, jornalista francês, ex-correspondente do jornal Le Monde, colunista da revista francesa La Vie desde 2001, autor de diversos livros, alguns traduzidos para o português, traça a história de uma fé cristã reavivada após ter permanecido durante muito tempo escondida.

A entrevista é de Éléonore de Vulpillières, publicada por La Vie, 14-09-2017. A tradução é de André Langer.

Eis a entrevista.

Mesmo com 20 séculos de dúvidas e crises, a Igreja sempre consegue se manter. Esta instituição resiste ao que o senhor chama de "mediocridade clerical"?

O espírito arcaico é suscetível de atacar qualquer instituição. A armadilha é dar mais importância à Igreja enquanto instituição do que à mensagem de que é portadora. Sempre que a Igreja toma decisões autoritárias ou disciplinares, quando está muito envolvida no temporal, a mensagem evangélica que ela traz é traída. Obviamente, nós temos necessidade da Igreja enquanto instituição, porque tem sido ela que, durante séculos, estruturou o catolicismo. Mas também precisamos de dissidentes, pessoas que a interpelam, que a desafiam, que a questionam e que ela, às vezes, ameaça excomungar... antes de canonizá-las vários séculos depois!

O que considero magnífico na história do cristianismo é esse equilíbrio entre a instituição e seus dissidentes. Eu leio Bernanos desde a minha adolescência. Em seus Écrits de Combat [Escritos de Combate], este fervoroso católico é particularmente intransigente em relação à Igreja. Sempre houve cristãos anticlericais; isso também explica a longevidade do cristianismo. Se houvesse apenas a Igreja, a instituição se tornaria esclerosada. Se houvesse apenas os cristãos contestadores, a mensagem teria se perdido no meio do caminho. Os dois são indissociáveis.

Alguns cristãos sentem-se incompreendidos. Como o senhor explica isso?

Eu estou com raiva. A maneira como os cristãos são humilhados me entristece. E esta é uma exceção própria para a França, Québec e Bélgica. Em qualquer outro lugar, ninguém pensaria em chamar os cristãos de obscurantistas e sem educação... Nossa cultura foi moldada por séculos de cristianismo. A maioria dos valores que agora são chamados de "republicanos" provém da Bíblia e do pensamento grego. Portanto, é um absurdo considerar os crentes como retrógrados. Em uma única página do Evangelho de João, há mais inteligência, profundidade e relevância do que em todos os livros dos novos filósofos na moda. O verdadeiro problema é que nós vivemos em um mundo que quer racionalizar tudo e no qual alguns ateus pensam que são mais astutos que os outros.

Os cristãos conservadores não hesitam em criticar o papa, que teria um discurso “irresponsável” sobre os migrantes. A presença de Francisco é irradiante ou irritante?

Com certeza, irradiante! Pela primeira vez, nós temos um papa que está mais “à esquerda” que os partidos socialistas europeus. Dito isso, João Paulo II, em 1991, publicou uma encíclica, Centesimus Annus, que criticava longamente o capitalismo. E isso no momento em que o comunismo estava se afundando. Entre ecologia integral e acolhida do estrangeiro e do pobre, a mensagem evangélica é muitas vezes mais progressista do que podemos pensar. O Papa Francisco preocupa-se com os pobres em sua totalidade; não apenas com seu nível de vida, mas também com sua dignidade.

Aqueles que chamamos de “católicos ateus” se sentem atraídos apenas pela instituição. A mensagem cristã passa para o segundo plano. Bernanos caçoa dessas pessoas e denuncia aqueles que imaginam que Cristo morreu na cruz para permitir que os proprietários durmam tranquilos... Por exemplo, Charles Maurras era ateu; ele se interessou pela mensagem evangélica apenas algumas horas antes da sua morte. Ele julgava, ao contrário, que a instituição clerical permitia que a sociedade se estruturasse e tivesse estabilidade. Ele teve uma visão instrumental do cristianismo. De onde a sua famosa frase: “Eu sou ateu, mas católico”.

No fundo, não discordar das posições políticas do papa não é ser um dissidente, um católico contestador?

Depende. Se se trata de reunir as “identidades”, eu me recuso. Existe uma noção de imobilidade na sua maneira de conceber o mundo e a fé. Ora, a fé cristã é um caminho jamais inacabado. É preciso um orgulho incrível ao cristão que afirma o contrário!

É mais fácil se dizer católico hoje do que há 10 ou 20 anos?

Há 10 anos, o meu livro Comment je suis redevenu chrétien [Como eu me tornei cristão] teve um sucesso inesperado. As pessoas me perguntavam: “Onde você encontrou coragem para dizer que você era cristão?” Que bobagem! Os cristãos corajosos são aqueles que são perseguidos na Síria, no Iraque, em alguns países da África ou da Ásia. Na França, tudo o que nós arriscamos fazer eram algumas brincadeiras às vezes injuriosas. Isso está mudando. A política parece ter abandonado o laicismo agressivo que alguns ministros puderam adotar há alguns anos.

O que são os cristãos “razoáveis”?

São aqueles que aceitam dar as razões da fé que eles têm. O cristão razoável acredita, mas consente em submeter a sua fé à razão crítica – chega a ser inclusive um dever para ele. Jacques Ellul, teólogo protestante do qual sempre estive próximo, era oriundo de uma família ateia. Aos 18 anos, ele se converteu ao cristianismo. Para ver se sua fé era sólida, ele passou um ano lendo toda a literatura anticristã. A esse respeito, o verdadeiro diálogo inter-religioso só é possível aceitando a ideia de que o outro talvez tenha algumas coisas que nos faltam. Cornelius Castoriadis tinha uma fórmula magnificamente simples para designar o ato de crer em geral: “Toda crença é uma ponte lançada sobre o abismo da dúvida”. É uma ação voluntária que não exclui a dúvida, mas que permite ultrapassá-la.

Como combater aquilo que o senhor chama de “tentação da cidadela”?

A tentação do isolamento seca o cristão. Como se a fé fosse tão frágil que tivesse quer ser escondida debaixo de um sino. Certamente, não somos obrigados a crer em tudo o que a modernidade oferece. Existem duas bobagens: aceitar tudo e recusar tudo. De um lado, a sacralização do progresso e da transgressão. Do outro, a rejeição global da modernidade. O mundo evolui e nós precisamos de discernimento para nos ajudar a fazer boas escolhas. Em vez da cidadela, é preferível um espaço interior de recolhimento não submetido às pretensas urgências contemporâneas.

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