Cristo, Rei do Universo, verdadeiro amante da vida

Por: MpvM | 19 Novembro 2021

 

"As representações em figuras desse domingo nos preparam para a recepção do advento do Filho de Deus na limitação humana e humilde que se faz presente no meio de seu povo com o Mistério da Encarnação. Portanto, a festa de Cristo Rei nos fala que seu poder real sobre todos os povos é terreno e transcendente, é eterno, e seu reino não terá fim."

 

A reflexão é da teóloga Lina Boff, smb, religiosa da Congregação das Servas de Maria do Brasil – S.M.B. Ela é doutora em teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio (1994). Ela é professora emérita da PUC-Rio, pós-doutorada em pneumatologia de Lucas pela Pontifícia Universidade Gregoriana - Roma. Autora de vários artigos e livros, ela atua na PUC-Rio e junto ao Centro Loyola de Fé e Cultura

 

 

Leituras do Dia

1ª Leitura - Dn 7,13-14
Salmo - Sl 92, 1ab.1c-2.5 (R.1a)
1ª Leitura - Ap 1,5-8
Evangelho - Jo 18,33b-37

 


A festa de Cristo Rei foi instituída pelo papa Pio XI, proclamando, solenemente, a Realeza social de Nosso Senhor Jesus Cristo. Jesus passou a ser invocado como Rei dos povos, das nações e o rei do universo. Isso se deu em dezembro de 1925. É, portanto, uma festa que só tardiamente foi introduzida no calendário litúrgico. Nesse ponto cabe-nos buscar no Antigo e Novo Testamento as referências bíblicas dessa proclamação.


1ª Leitura: Dn 7, 13-14. As visões de Daniel


A missa dessa festa começa por uma das mais belas visões do Livro de Daniel, que estão a serviço do rei da Babilônia, Nabucodonosor. O profeta tem visões e explica ao rei o sentido de suas visões. Nessa breve leitura de dois versículos, na sua visão do Filho do Homem, Daniel entrevê o reino do futuro Messias. Assim fala: Nas minhas visões noturnas, contemplava, vir sobre as nuvens do céu, o Filho do Homem (cf. Dn 7,13).


O testemunho mais antigo que considera Javé como rei remonta em Isaías no século VIII, quando, numa visão, narra sua vocação de profeta e nesse momento faz uma exclamação: “Eu vi com meus olhos o Rei e Senhor dos exércitos” (Is. 6,5). A concepção de rei e reino não é um elemento constitutivo da fé israelítica.


O Rei e Senhor de Isaías é o Filho do Homem de Daniel que vem entre nuvens é o filho do Altíssimo, o Filho de Deus. A expressão “filho Altíssimo” nos remete às palavras dirigidas a Maria de Nazaré:, ao receber a anunciação do Anjo, diante da angústia da jovem, a teofania lhe dá a estranha e, ao mesmo tempo, a grande notícia: “Conceberás e darás à luz um filho. Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo e seu Reino não terá fim”(Lc. 2,35).


Para a nossa vida


Nosso rei não é como os monarcas, os reis políticos, os reis da economia da fome. Esses vêm ao povo com pompa e glória e com coroa. As representações que se fazem de Cristo-rei muitas vezes imitam-nas. Grande erro! O nosso Rei traz uma coroa de espinhos e um manto de irrisão, de escárnio. Maria é a rainha que tem a coragem profética de se levantar e suplicar ao Deus Goel, (aquele que faz justiça) que deponha os poderosos e eleve os humildes da terra. É uma rainha que toma partido; o dos pobres e humilhados. E é a rainha-mãe que cuida dos abandonados e caídos na estrada. Esse rei e essa rainha, frente ao nosso mundo, são revolucionários, pois pedem uma profunda conversão em função da justiça para todos e da salvaguarda de todo o Criado.


Salmo responsorial: Sl 92


É bom dar graças ao Senhor! Ou O Senhor é rei, veste-se de majestade!


O Salmo 92 é um hino que desenvolve a doutrina tradicional dos Sábios. Daniel e seus companheiros pertenciam à classe governamental dos Sábios, aqueles que cantam e tocam as obras de Javé e levantam sua voz para proclamar a profundidade de seus projetos em favor dos justos, dando fruto mesmo na velhice.


2ª Leitura: Ap 1, 5-8. As cartas às sete Igrejas que estão na Ásia


Na segunda leitura entrevemos o tempo da restauração da humanidade e do universo, no reino do amor de Cristo que nos lavou dos nossos pecados derramando todo seu sangue na cruz. Com seu sangue fez de nós uma Realeza, Sacerdotes e “sacerdotisas” para Deus seu Pai. Por Cristo, Deus criou o universo. Por ele, quer reconciliá-lo e salvá-lo. Cristo é a origem, o centro e o fim do nosso universo. Sem ele a nossa vida e o universo perdem seu sentido.


Articulando para o nosso cotidiano


Essa mensagem nos convida, ou melhor, nos convoca a tomar consciência de que a redenção da humanidade e do universo que habitamos tem início com um ato de amor, chega ao seu ápice na cruz e desemboca na formação do novo Povo de Deus, o Novo Israel.


Como povo da realeza de Cristo, povo sacerdotal e chamado à santidade, vê-se, na figura humana que vem nas nuvens, Aquele que veio inaugurar o reino da justiça, da paz, da irmandade e da fraternidade. Eu sou o Alfa e o Ômega, diz o Senhor Deus, Aquele que é, Aquele que era e Aquele que vem, o Todo poderoso e seu reino durará pelos séculos dos séculos. Amém!

 

A fé cria e salva


Embora o cenário mundial da humanidade e do universo sejam sombrios, nós temos um último recurso, a fé no Deus que, em Sabedoria (cf. Sb 11,26), se anunciou como “o apaixonado amante da vida”, citado pelo papa na Laudato Si, n. 77 e 89. E na Fratelli tutti também, papa Francisco diz com todas as palavras ”Estamos no mesmo barco, ou nos salvamos todos ou ninguém se salva” (n.30.34). Isso ele repetiu no Twitter mais vezes. Essas palavras nos remetem ao profeta Jonas. Se pela fé de UM, Deus salvaria Nínive, pela fé de poucos ou de algum resto, Deus salvará o Universo, nossa Terra e toda a Humanidade.

 

Evangelho: Jo 18, 33b-37 - O Reino do Crucificado


O Evangelho vem confirmar que o reino de Jesus não é daqui. Interrogado por Pilatos: Tu és rei? Jesus responde: Meu reino não é deste mundo. Nasci e vim a este mundo para dar testemunho da verdade do meu reino. Diante desta resposta podemos afirmar que o reino anunciado por Jesus, se nos apresenta na sua dimensão terrena que aponta para a escatológica.

 

 

Finalmente


Por isso, irmãs e irmãos, na nossa evangelização nada se perde, tudo se faz novo: nossas lutas e nossos projetos, nosso testemunho e nossa palavra convicta da fé que professamos e da vocação a que somos chamadas e chamados, tudo é resgatado e levado à sua plenitude. Mesmo quando nosso anúncio de mulheres e de homens, de jovens e de pessoas carregadas de dias e de anos, cair no ostracismo ou no esquecimento, tudo é resgatado.


As representações em figuras desse domingo nos preparam para a recepção do advento do Filho de Deus na limitação humana e humilde que se faz presente no meio de seu povo com o Mistério da Encarnação. Portanto, a festa de Cristo Rei nos fala que seu poder real sobre todos os povos é terreno e transcendente, é eterno, e seu reino não terá fim.


A exegese contemporânea e a teologia buscam fundamentos do reino de Cristo no Antigo Testamento e sua realização no Novo Testamento como reinado contraditório aos reinos de todos os tempos e do nosso tempo. Não é o rei que vem na ostentação e na prepotência, mas o Rei verdadeiro amante da vida plena, que vem pelo Espírito que o ressuscitou e está no meio de nós, vivo e atuante na construção de uma nova história e de um mundo plenificado.

 

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