"Vivemos grave crise ambiental e só se fala de crise econômica"

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Por: Cesar Sanson | 09 Junho 2012

"A Rio+20 deveria examinar a situação do planeta com este enquadramento mental: de urgência no enfrentamento da grande crise ambiental e climática". O comentário é de Sérgio Abranches em artigo publicado no blog ecopolítica, 08-06-2012.

Eis o artigo.

A Rio+20 criou a oportunidade para o lançamento de uma série de pesquisas científicas e relatórios estatísticos sobre clima, biodiversidade e meio ambiente. Esses dados e evidências vêm sendo divulgado ao longo dos últimos meses e nos dão uma clara ideia da situação do planeta. A conclusão que se pode tirar deles é que vivemos uma crise ambiental e climática de graves proporções.

Essa crise está presente na atmosfera – aumento de gases estufa, poluição e redução da camada de ozônio – na terra – desertificação, erosão, ocupação desordenada – na água – poluição, escassez, desperdício, mau uso – causando milhões de mortes por causa da poluição do ar, da escassez alimentar e de desastres causados por eventos climáticos extremos em associação à má ocupação do solo e à precariedade dos instrumentos de prevenção e remediação. O último relatório do PNUMA, GEO-5, dá um bom quadro geral do estado do planeta.

Se lemos os jornais em todo o mundo, porém, a palavra crise só aparece associada à economia. Nos últimos meses houve várias reuniões de lideranças mundiais para discutir a crise econômica: G8, G20, Fórum das Maiores Economias e vários encontros de lideranças europeias, entre muitos outros.

Nos três primeiros, a questão ambiental foi tratada de passagem, mas o foco foi a crise econômica. Os governantes e seus ministros debruçaram-se sobre os dados de crescimento do PIB, balança comercial, balanço fiscal, equilíbrio monetário, câmbio, inflação, emprego, investimento, consumo, para verificar a eficácia das medidas a serem tomadas para debelar a crise e definir novas ações anticíclicas. Estão certos. A crise econômica é grave e afeta a todos nós. É uma crise que combina aspectos estruturais – associados ao esgotamento do modelo econômico atual, ao desequilíbrio fiscal de longo prazo e à dinâmica dos mercados financeiros globais – e aspectos conjunturais, que caracterizam um quadro recessivo. Embora a crise tenha solução, as lideranças têm encontrado dificuldades em encontrar as melhores soluções e formarem consenso em torno delas. Mas estão se esforçando e esta crise está na agenda de prioridades de todos.

Os dados sobre aumento das emissões de gases estufa; mudança climática e efeito dos eventos climáticos sobre os preços agrícolas – estamos no oitavo ano consecutivo em que há quebras de safra em todos os continentes do planeta por causa de eventos climáticos extremos –; perda de biodiversidade; poluição; degradação dos oceanos; desmatamento; desertificação; retração do gelo polar e derretimento de glaciais; para mencionar apenas alguns, também caracterizam uma crise ambiental e climática de graves proporções. É uma crise eminentemente estrutural. Ela põe em risco a saúde da bioesfera do planeta e, portanto, as condições de vida, bem-estar, segurança alimentar e segurança física da população mundial. Pode causar – e tem causado – milhões de mortes e bilhões de dólares de prejuízos materiais. Impedirá o crescimento econômico e aumentará a pobreza, se não for enfrentada a tempo. Mas, quando os líderes mundiais se reúnem para discutir a questão ambiental, não a vêem como crise a ser imediatamente enfrentada, mas como um problema que pode ser tratado com menos urgência.

Pesquisas recentes têm mostrado, porém, que podemos ser surpreendidos por mudanças bruscas, de amplo alcance e inesperadas em alguns dos aspectos da crise ambiental e climática – tipping points, pontos de ruptura. Pesquisas anteriores já haviam mostrado a existência de uma série de situações que podem mudar repentinamente, precipitando mudanças no quadro planetário mais rapidamente do que as estimativas baseadas em projeções de mudança mais gradual. Há, portanto, um risco muito grande de agravamento repentino da crise climática e ambiental. Por isso é temerário adiar medidas e pensar em soluções muito graduais, em prazos muito dilatados no tempo.

A Rio+20 deveria examinar a situação do planeta com este enquadramento mental: de urgência no enfrentamento da grande crise ambiental e climática. Examinando os dados como indicadores de crise, poderia definir um conjunto de metas para enfrenta-la – as metas globais de desenvolvimento sustentável – que seriam usadas para identificar as ações necessárias para tanto e aferir, a cada período, a eficácia dessas ações e a necessidade de medidas complementares.

O enfrentamento da crise climática e ambiental exige mudanças tão amplas e radicais nos padrões de consumo e produção e, portanto, mobilização persistente de grandes volumes de investimento, que muito rapidamente se transforma em um fator de dinamismo econômico, geração de emprego e redução da pobreza. A substituição da infraestrutura que temos hoje, intensiva em recursos e energia, por uma infraestrutura de baixa intensidade de uso de recursos e energia, requer investimento, que gera empregos e renda de forma crescente. As fontes de energia renovável não convencional criaram um setor muito dinâmico na economia, que gera empregos estáveis de qualidade, menos na produção e mais no desenho, na instalação e manutenção de sistemas eólicos, fotovoltaicos, industriais e domésticos. A maioria dos segmentos da economia tradicional, de alto carbono, tem mostrado, há anos, rendimentos e dinamismo decrescentes. Enfrentar a crise climática e ambiental implica em ações que também atacam problemas estruturais do modelo econômico em esgotamento.

Estamos vivendo uma grande, ampla e inédita revolução científica e tecnológica que está alterando, e vai alterar ainda mais, os mais variados aspectos das atividades econômicas, sociais e ocupacionais do presente. Aspectos emergentes dessa revolução geram efeitos na economia tradicional que aceleram sua crise e o esgotamento de seu potencial de rendimento, lucro e emprego. Essas mudanças tecnológicas permitem, por sua vez reestruturar a economia, acelerando a transição para padrões de baixo carbono e baixo impacto ambiental, utilizando novos materiais, novas formas de energia, com rendimentos crescentes e alta capacidade de geração de emprego.

Nessa economia de alto carbono é preciso reduzir consumo. Na nova, trata-se menos de reduzir consumo do que mudar a natureza do consumo. Nesse processo é possível incrementar-se o bem-estar, a saúde e a satisfação das pessoas, com menos exigências sobre a bioesfera planetária.

Dificilmente a Rio+20 terá essa orientação. Mas é certo que os dados, a informação científica e os efeitos cumulativos da crise climática e ambiental que vivemos terminarão por se impor. No futuro não muito distante, as lideranças mundiais terão que se reunir para discutir questões ambientais e climáticas com a linguagem e a urgência com que hoje se reúnem para discutir a crise econômica.

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