A nossa busca da felicidade

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04 Agosto 2012

 

"Uma nova onda de cientistas sociais dizem poder medir a felicidade diretamente e basear as políticas públicas nessas descobertas. O principal método de investigação para essa área de pesquisas é o questionário. Pede-se às pessoas para classificar sua felicidade, satisfação com a vida e assim por diante. , escreve Samuel Brittan, comentarista econômico do Financial Times, em artigo publicado no jornal Valor, 03-08-2012.

Segundo ele, "com a típica cautela britânica, os estatísticos oficiais evitaram a palavra "felicidade" e perguntaram sobre "satisfação na vida". As respostas são transformadas em uma escala que vai de um a dez e apresentadas como um complemento, não um substituto, aos indicadores econômicos convencionais".

Eis o artigo.

A busca da felicidade tem uma tradição venerável na economia política britânica. Jeremy Bentham, fundador do utilitarismo no século XVIII, a definiu assim: "Por princípio da utilidade entende-se aquele princípio que aprova ou desaprova toda ação, seja qual for, de acordo com a tendência que ela parece ter a aumentar ou diminuir a felicidade da parte cujo interesse está em questão [...] se essa parte é a comunidade em geral, então se trata da felicidade da comunidade; se é um indivíduo em particular, então se trata da felicidade desse indivíduo [...] O interesse da comunidade, então, o que é? É a soma do interesse dos vários membros que a compõe."

O princípio não é tão óbvio quanto pode parecer. Na época de Bentham, era contestado por muitos princípios rivais; por exemplo, julgar ações por sua contribuição à glória da França ou ao avanço do Estado prussiano. Mais perto de suas fronteiras, era contestado pelo eudemonismo aristotélico, que celebrava a felicidade apenas se contribuísse para a ideia filosófica de uma boa vida.

Enquanto isso, os seguidores de Jeremy Bentham se preocupavam em saber como mensurar a felicidade. Acabaram interpretando-a como a oportunidade de satisfazer os desejos revelados pelas escolhas das pessoas nos mercados ou eleições. Isso não satisfez as mentes mais sábias; mas pelo menos atribuiu um alto valor à escolha individual e não buscou intrometer-se na alma dos homens.

Os críticos do utilitarismo o viam como algo que tornava o Produto Interno Bruto (PIB) um fetiche. Isso, contudo, era besteira. Economistas sabiam há muito tempo que havia muitos componentes do princípio da utilidade que não eram levados em conta integralmente nas medidas do PIB per capita. Exclui o lazer, o valor do trabalho realizado em casa e os benefícios ou danos ao ambiente. Alguns tentaram construir índices mais abrangentes sobre o desenvolvimento humano, que também incluíssem assuntos como o conhecimento, acesso a água potável e expectativa de vida. Sempre tive a opinião de que é melhor considerar esses assuntos de forma separada, em vez de combinada em um indicador geral, que inevitavelmente vai refletir os valores pessoais daqueles que o elaboraram.

Uma contestação mais direta a todas essas formas de pensar, no entanto, foi lançada por uma nova onda de cientistas sociais, que dizem poder medir a felicidade diretamente e basear as políticas públicas nessas descobertas. O principal método de investigação para essa área de pesquisas é o questionário. Pede-se às pessoas para classificar sua felicidade, satisfação com a vida e assim por diante. David Cameron, nunca superado no que se refere a artifícios de propaganda, pediu à Agência Nacional de Estatísticas do Reino Unido para pesquisar o assunto e os primeiros resultados estão agora disponíveis.

Com a típica cautela britânica, os estatísticos oficiais evitaram a palavra "felicidade" e perguntaram sobre "satisfação na vida". As respostas são transformadas em uma escala que vai de um a dez e apresentadas como um complemento, não um substituto, aos indicadores econômicos convencionais. Os resultados, é preciso dizer, não são muito impressionantes.

As notas médias para quase todos os grupos giram por volta dos sete pontos e pouco. Entre as principais exceções com taxas abaixo disso, lamentavelmente, estão os "negros, africanos, caribenhos e negros britânicos". Pessoas divorciadas e separadas também mostram nota abaixo de sete. A ocupação faz pouca diferença. "Gerentes e diretores" parecem estar ligeiramente mais satisfeitos com a vida do que aqueles em "ocupações elementares". Tampouco há grandes diferenças regionais - embora, se é que ajuda a entender algo, os maiores índices venham da Irlanda do Norte.

Tudo isso é bastante inofensivo; e, se os estatísticos oficiais continuarem com suas pesquisas, podem encontrar algo mais interessante. É o que pode estar no fim da estrada que é mais preocupante. Aldous Huxley soou o alarme em seu romance "Admirável Mundo Novo", de 1932. As pessoas são criadas em incubadoras seletivas para serem alfas, betas, gamas, deltas e ípsilons e ficar satisfeitas com seu destino. Ao menor sinal de diminuição da felicidade, elas recebem uma droga, "soma", para voltar ao normal.

Se analisarmos a questão de um ponto de vista laico, em vez de religioso, o que há realmente de errado com o "Admirável Mundo Novo" de Huxley? É que não existe tal coisa como a soma. Pelo que é de meu conhecimento, ainda não há uma droga da felicidade que não tenha efeitos colaterais.

Vamos supor que houvesse. John Stuart Mill, celebremente, disse que é melhor ser um Sócrates infeliz do que um porco feliz. Eu sempre tive uma simpatia oculta pelo porco. Talvez afortunadamente, no entanto, não temos essa escolha.

Sem dúvida, deixemos a Agência Nacional de Estatísticas levar adiante seus estudos sobre atitudes. Mas, no fim das contas, o governo poderia contribuir melhor para a felicidade seguindo o caminho indireto de concentrar-se em suas responsabilidades de ordem pública, segurança nacional, de criar condições para a prosperidade e de corrigir as grandes disparidades de renda e riqueza. Ainda temos um longo caminho a percorrer.

 

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