“O Papa espera maior abertura dos bispos”. Entrevista com dom Víctor M. Fernández

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Por: Jonas | 22 Outubro 2014

Fechadas as cortinas do Sínodo Extraordinário dos Bispos, o primeiro de Francisco, o arcebispo argentino Víctor Manuel Fernández (foto), que esteve na comissão que redigiu tanto a relatio synodi (o documento final) como a mensagem final, traçou um balanço mais do que positivo. “Esta foi apenas uma etapa no caminho, e a maioria sente que foi dado um grande passo, que se inaugurou um novo modo de encarar os assuntos, com liberdade e clareza”, manifestou Fernández, teólogo muito próximo de Francisco, em uma entrevista ao jornal La Nación.

 
Fonte: http://goo.gl/mDeyHa  

Reitor da Universidade Católica Argentina, cordovês de 52 anos, com o apelido de “Tucho”, também negou fortemente que tenha sido uma “derrota” para o Papa o fato de três parágrafos do documento final, relativos à questão dos gays e dos divorciados em segunda união, não obterem os dois terços requeridos, como alguns interpretaram.

“O que o Papa espera é uma maior abertura pastoral de ministros com cheiro de ovelha, capazes de sofrer com as pessoas”, explicou.

Sobre o possível retrocesso que houve a respeito da abertura aos gays, disse que “talvez” o que faltou foi que os bispos se questionassem, assim como fez Francisco, “quem somos nós para julgar aos gays?”. Quando perguntado sobre o que diria para aqueles que criticam o Papa, porque com este sínodo se abriu uma “caixa de Pandora”, respondeu, sem rodeios: “Se não se abre a caixa de Pandora, o que se faz é esconder a sujeira debaixo do tapete, coloca-se a cabeça em um buraco, como as avestruzes, distanciamo-nos cada vez mais da sensibilidade de nossa gente e ficamos contentes porque um pequeno grupo nos parabeniza”.

A entrevista é de Elisabetta Piqué, publicada por La Nación, 21-10-204. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Este foi seu primeiro sínodo. O que mais lhe causou impacto?

Trouxe-me impacto poder discutir com as pessoas de todo o mundo. Ao meu lado se sentava o presidente da Conferência Episcopal da Índia e, do outro lado, o do Vietnã. Saí muito enriquecido, e acredito que agora posso encarar diferentes assuntos com uma riqueza de perspectivas muito maior. Também me impactou que o Papa tenha nos pedido para falar com plena sinceridade e clareza, sem medo “de ninguém”. Deslumbrou-me sua paciência em ficar vários dias sentado, da manhã à noite, escutando atentamente a todos. Enquanto alguém roncava e outros se queixavam de dor nas costas, ele olhava, sorria, anotava. Os bispos que participaram de sínodos anteriores estão felizes, porque dizem que, durante esses dias, foi possível discutir com os pés no chão e foram colocadas sobre a mesa questões que, nos últimos anos, não eram colocadas de maneira muito direta. Ninguém se privou de falar das dificuldades concretas que existem, nos diferentes lugares, para viver tudo o que a Igreja ensina.

Esperava-se que houvesse tanta divisão a respeito da questão dos divorciados em segunda união?

Na realidade eu pensava que este tema nem sequer seria tratado, que apenas seria mencionado, porque havia muitos outros assuntos que nos preocupavam mais. O chamativo é que a possibilidade de que alguns divorciados em segunda união pudessem comungar fosse concebida por muitos bispos. Eu não falaria em divisão, porque aqueles que a expuseram, fizeram isso com muita prudência, deixando bem claro a indissolubilidade matrimonial, e aqueles que se opuseram, assim se manifestaram pensando no bem das famílias e dos filhos. Apenas havia um grupo de seis ou sete muito fanáticos e um pouco agressivos, que não representavam nem 5% do total.

Como você explica o retrocesso que houve no tema dos homossexuais, que no rascunho tinham “qualidade para oferecer à comunidade cristã”, ao passo que no documento final se diz que devem ser acolhidos “com respeito e delicadeza”, em um parágrafo que não atingiu o quórum necessário?

Na realidade, após o trabalho dos círculos menores, parece que o consenso estava em não tratar este tema agora, porque as questões mais diretamente relacionadas com a família é que interessam e existiam muitas outras questões igualmente importantes que não contava com tempo para serem tratadas. Por isso, no documento final ficou apenas um breve parágrafo que rejeita a discriminação. O fato desse breve parágrafo não ter conseguido os dois terços não se explica por um voto negativo de setores muito conservadores, mas, sim, também por um voto negativo de alguns bispos mais sensíveis ao tema que não ficaram satisfeitos com o pouco que se disse.

Por outro lado, o parágrafo que rejeita as pressões internacionais sobre os países pobres para que tenham uma lei de matrimônio homossexual alcançou os dois terços. Por quê? Aqui, pesou a experiência africana, já que os bispos africanos narravam que em vários de seus países aqueles que se declaram homossexuais são impunemente torturados, assassinados ou encarcerados e que, no entanto, por pressões internacionais, os governos apenas se preocupam em ter uma lei de matrimônio homossexual. Talvez nos faltou dizer pelo menos, com o papa Francisco: “Quem somos nós para julgar os gays?”. Muitas coisas poderiam ter amadurecido melhor, com maior tempo, mas foi dada uma forte prioridade à escuta mútua, pensando que esta era apenas uma primeira etapa exploratória.

Há setores que definem o Sínodo como “uma derrota” para Francisco, justamente porque não tiveram a maioria necessária requerida para esse parágrafo e outros dois parágrafos sobre os divorciados em segunda união, ainda que tivessem maioria absoluta. Qual é a sua opinião a esse respeito?

De maneira alguma é uma derrota. O que o Papa espera é uma maior abertura pastoral de ministros “com cheiro de ovelha”, capazes de sofrer com as pessoas. Ele nunca propôs uma solução concreta, mas aceitou que o tema fosse abordado e se buscasse uma solução. Além disso, se consideramos que os parágrafos sobre os divorciados em segunda união tiveram 60% de votos a favor, isso não é uma derrota. Poucos anos atrás, isso era impensável, e eu mesmo me surpreendi com esse nível de aprovação. Dado que esses parágrafos representam a mais da metade, o Papa pediu que continuassem fazendo parte do documento que será discutido a partir de agora. Ou seja, tenhamos claro que não serão retirados, ainda que não tenham alcançado os dois terços dos votos. Ninguém quer negar a indissolubilidade do matrimônio e interessa a todos nós animar os casais a ser fiéis, a superar suas crises, a recomeçar mais de uma vez, pensando especialmente no sofrimento dos filhos. Porém, muitos têm insistido nos casais em segunda união há muitos anos, que vivem com generosidade e que tiveram filhos.

A maioria considera que seria cruel pedir para que se separem, provocando um sofrimento injusto aos filhos. Por isso, continuamos pensando na possibilidade de que possam comungar, tendo em conta que, como ensina o Catecismo, onde há um condicionamento que a pessoa não pode superar, sua responsabilidade é limitada. No entanto, é um tema que deve ser mais bem aprofundado, e não convém se apressar. Não se pode esquecer, por outro lado, que a Mensagem do Sínodo assume que, nesta primeira etapa, iniciou-se a reflexão “sobre o acompanhamento pastoral e sobre o acesso aos sacramentos dos divorciados em segunda união”. Ainda que a minoria mais dura pedisse para que isto não fosse mencionado na mensagem, para encerrar o assunto, esse pedido não foi ouvido e 95% dos membros aprovaram a mensagem.

Começou um processo que culminará após o outro sínodo, em 2015. Como o senhor bem explicou, para o Papa “o tempo é superior ao espaço”. Entretanto, o Sínodo também deixou claro que há um grupo minoritário, mas compacto, que resiste à ideia de uma Igreja que não exclui ninguém. O senhor ficou preocupado?

Por um lado fiquei feliz. Há avanços reais. Todos nós saímos com uma consciência muito mais clara e profunda da grande complexidade das problemáticas matrimoniais e familiares. Isso ajudou a não usar expressões agressivas que na Igreja eram muito comuns poucos anos atrás, expressões que tinham a ver com teorias que não se encarnavam na realidade concreta das pessoas.

Por outro lado, fiquei insatisfeito. Eu gostaria de mais avanços em outros temas que preocupam as famílias, e que considero mais importantes que o dos divorciados em nova união. Não seria correto reduzir este sínodo a dois temas chamativos. Também se falou muito sobre a dignidade da mulher e sobre as diferentes formas em que as mesmas são objeto de discriminação, de violência e de injustiça. Falou-se dos problemas dos jovens, do desemprego, da educação, etc. No entanto, esta foi apenas uma etapa no caminho, e a maioria sente que foi dado um grande passo, que se inaugurou um novo modo de encarar os temas, com liberdade e clareza. Por isso, para além dos resultados, para a Igreja se abriu uma nova etapa.

O que diria para aqueles que criticam Francisco, porque com este Sínodo foi aberta uma “caixa de Pandora”?

Que se não se abre a “caixa de Pandora”, o que se faz é esconder a sujeira debaixo do tapete, coloca-se a cabeça em um buraco, como as avestruzes, distanciamo-nos cada vez mais da sensibilidade de nossa gente e ficarmos contentes porque um pequeno grupo nos parabeniza. É preciso reconhecer que vários bispos – e me incluo – estão muito atrás, longe da sabedoria pastoral, da visão e da generosidade do papa Francisco.

Pôde perceber hostilidade da Cúria para com o Papa, visto que vários prelados (Gerhard Müller, George Pell, Marc Ouellet, Leo Burke) foram líderes de um setor conservador que publicamente falou contra as aberturas?

Não me preocupou o que disseram. Alguns deles se expressaram com solidez e com preocupações sinceras por questões que não podem ser descuidadas. Em outros, ainda que sejam muito poucos, preocupou-me o tom: agressivo, irritado, ameaçador, não apenas dentro da aula do sínodo, mas nos corredores e pela rua. Repito: eram muito poucos. Porém, ali estava o Papa, sereno e atento, assegurando a liberdade de expressão e garantindo que nada passasse do limite. Era verdadeiramente a figura do pai bom e firme, que garante que todos os seus filhos, também o mais frágil, possam expressar seu ponto de vista e que sejam respeitados.

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