A interminável descontaminação em Fukushima

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Por: André | 16 Março 2015

“O Japão fez progressos significativos. A situação melhorou. Mas continua sendo muito complicada”. Esta foi a comprovação dos especialistas da Agência Internacional de Energia Nuclear (AIEA) que, em meados de fevereiro, realizaram uma nova missão de inspeção na central nuclear japonesa de Fukushima.

A reportagem é de Pierre Le Hir e publicada no jornal francês Le Monde, 11-03-2015. A tradução é de André Langer.

Uma análise compartilhada pelo Instituto Francês de Radioproteção e Segurança Nuclear (IRSN): “Foi realizado um trabalho considerável com enormes recursos. Mas a obra é colossal e o mais importante ainda está para ser feito”, estima Thierry Charles, diretor-geral-adjunto para a segurança nuclear.

Quatro anos após o maremoto e do tsunami de 11 de março de 2011, que arrasaram com a região de Tohoku, no norte da ilha de Honshu, e devastaram o complexo atômico de Fukushima-Daiichi, a batalha da descontaminação apenas começou. A radioatividade mantém-se presente em todas as partes, tanto nos reatores desventrados, como no subsolo inundado de água que segue contaminando o Pacífico.

Mais de 6.000 operários se revezam permanentemente – os níveis de radiação obrigam a troca permanente de equipes – em uma gigantesca empresa de demolição que levará cerca de 30 a 40 anos.

Verdadeiro coador

No curto prazo, o manejo das águas contaminadas constitui o principal desafio para o operador do local, a empresa Tepco. Porque a central é um verdadeiro coador. Todos os dias são injetados 350 m3 de água doce em três dos cinco reatores que estavam funcionando no momento da catástrofe (as unidades 1, 2 e 3) para mantê-los a uma temperatura de entre 20o e 50o C e cujos tanques estão perfurados.

Essa massa líquida que, em contato com o combustível nuclear degradado, é carregada de radioelementos solúveis (césio, estrôncio, antimônio, trítio...), escorre para o subsolo das construções e se infiltra nas águas subterrâneas, na razão de 300 m3 por dia.

São, portanto, diariamente, 650 toneladas de água radioativa que devem ser bombeadas e tratadas antes de serem em parte reintroduzidas no circuito refrigerador e, o resto, depositada novamente no local, cerca de mil reservatórios alinhados até perder-se de vista ou enterrados. Quanto mais o tempo passa mais aumenta o estoque; chega, atualmente, a 600 mil toneladas e a Tepco tem a previsão de que a capacidade de armazenamento chegará a 800 mil toneladas.

Para deter este arco infernal, foram testados diferentes sistemas de descontaminação. Após ter sofrido uma série de inconvenientes, se chegou, atualmente, a tratar até 2.000 m3 de água por dia para eliminar o conjunto de radionucleidos, com exceção do trítio, para o qual ainda não existem procedimentos de extração.

Em janeiro, os dispositivos ainda não funcionavam plenamente, mas já permitiam depurar 1.300 m3 por dia. Embora a Tepco espere ter descontaminado logo toda a água acumulada no local: no começo do ano, a empresa anunciou que não conseguiria atingir esse objetivo no final de março, como estava previsto, mas “se mantiver o ritmo atual, em meados de maio”.

Série de obras

Reiterados vazamentos continuam a acontecer. No final de fevereiro, os captadores colocados sobre um conduto de evacuação de águas pluviais e subterrâneas para o mar registraram taxas de radioatividade 70 vezes maior que os valores habitualmente registrados no local.

A Autoridade Japonesa de Regulação Nuclear questionou severamente a Tepco por ter fechado o conduto somente uma hora e meia após ter sido ativado um aviso sonoro. Alguns dias depois, descobriu-se no prédio das turbinas de um dos reatores um lençol de água de 20 metros de comprimento.

Para evitar jogar todos os dejetos no Pacífico, está sendo realizada uma série de obras. Primeiro, uma barreira impermeável de 900 metros de comprimento à beira do oceano, cujos trabalhos estão sendo finalizados. Na sequência, será instalado um bombeador no lençol freático acima da central, para baixar o seu nível e evitar a contaminação. Além de uma “parede de gelo” subterrânea destinada a servir de tela entre o lençol e as construções nucleares, graças à injeção de um líquido congelante (azoto) em uma tubulação subterrânea de 1.500 canos. Os testes de congelamento no terreno deveriam começar neste verão.

Ao final, uma vez tratada, toda a água acumulada deverá ser jogada no oceano. É a solução preconizada pela AIEA, mas os pescadores locais e as associações ecologistas se opõem tenazmente. Sobretudo porque, mesmo que a contaminação do ambiente marinho tenha diminuído, não desapareceu.

“Os dejetos do local continuam sendo jogados no mar em níveis dificilmente quantificáveis e todo o Pacífico norte está contaminado com césio 137 – a níveis comparáveis aos registrados nos anos 1960, por ocasião dos ensaios nucleares atmosféricos, até cerca de 500 metros de profundidade”, informa Jean Christophe Gariel, diretor de meio ambiente no IRSN.

Peixes contaminados

Em um raio de 20 quilômetros da central encontram-se “pontos quentes” onde a radiatividade dos sedimentos marinhos atinge 5.000 bequeréis por quilo (Bq/kg) e em alguns peixes encontram-se níveis de contaminação muito superiores aos limites tolerados de 100 Bq/kg, especialmente os que habitam no fundo do oceano (peixe plano, congro, peixe-roncador, raia).

Em 2014, de 20 amostras de peixes analisadas pela Tepco no porto de Fukushima, 10 apresentavam concentrações de césio superiores às normas. Uma da amostras chegava aos 32.500 Bq/kg, o que explica que a prefeitura japonesa tenha proibido a pesca.

Mas não apenas as águas envenenam o espaço nuclear. É preciso também esvaziar as piscinas de esfriamento que contém cerca de 3.000 reservatórios de combustível. A operação terminou com êxito, no final de dezembro, na piscina do reator 4, a mais importante e a mais danificada. A extração das barras de combustível dos reatores 3, 2 e 1 deverá ser realizada de maneira escalonada entre 2015 e 2019.

Resta fazer ainda o mais difícil: a retirada do núcleo dos três reatores, que se converteram, depois do acidente, em um magma extremamente radioativo (o chamado corium – mistura de combustível e de metal), que atravessou parcialmente a estrutura de concreto e se espalhou no fundo dos reservatórios.

A Tepco não prevê atacar esse problema antes de 2020 ou 2025. Uma intervenção humana direta é impossível. Será preciso localizar o corium com câmeras, construir robôs comandados a distância, equipados com instrumentos de corte e extração especiais e fabricar recipientes adequados... Uma intervenção que a AIEA qualifica de “enorme desafio a longo prazo” e que ainda não foi realizada em nenhuma parte do mundo.

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