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29 Mai 2017

Da empresa Ilva à catedral. Do santuário de Nossa Senhora da Guarda ao Hospital Gaslini. Mas sempre na estrada, no meio das pessoas. Trabalhadores e sacerdotes. Jovens e doentes. Famílias e pobres. Gênova, para o papa, que a olha pela primeira vez – e se emociona ao recordar a partida do seu pai justamente a partir desse grande porto –, torna-se como que um navio com uma imensa tripulação. Um veleiro a partir do qual é possível “desafiar o presente” e os seus problemas: desemprego, fechamentos de empresas diante da dor dos outros, especulações econômicas que deixam as pessoas famintas.

A reportagem é de Mimmo Muolo, publicada por Avvenire, 28-05-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

“Horizonte e coragem”, exorta, recordando as características dos grandes navegadores (“Dizem-me que Cristóvão Colombo era um de vocês”, brinca com os jovens). Horizonte e coragem para “missionar”, reitera, com um dos seus neologismos. Porque “os nossos lugares de anúncio são as estradas do mundo. E é sobretudo aí que o Senhor espera ser conhecido hoje”.

Pense-se no gesto, altamente simbólico, de recitar – como ele fez ao término do encontro no pavilhão da Ilva – o Veni Creator Spiritus em uma fábrica, acrescentando, além disso, uma frase totalmente sua: “Vem, Pai dos pobres, dos trabalhadores e trabalhadoras”. Em um instante, cai a distinção entre espaço sagrado e espaço profano. E, então, pode-se rezar no lugar de trabalho tanto quanto na catedral (onde, de fato, o Papa Francisco rezou uma Ave-Maria pelos coptas egípcios mortos), em um hospital ou na Praça Kennedy, diante de 80 mil pessoas, e em um cenário de mar, gruas e contêineres, onde, no fim da missa, o dia genovês do Papa Bergoglio atinge o seu auge com um verdadeiro mandato missionário: “Vão não como velocistas e conquistadores, mas como maratonistas esperançosos”.

Gênova, para o papa, é tudo isso. E ele a atravessa, precisamente, em uma espécie de “maratona” de 12 horas, e certamente não como um “turista”. Trata-se, justamente, de uma visita “de estrada”, de encontros de verdade, profundos; um entrar nos problemas da cidade e da Igreja local, que o cardeal Angelo Bagnasco lhe expõe etapa após etapa, com as suas saudações.

A parada na fábrica de Cornigliano, imediatamente depois da chegada de Roma em avião, é um exemplo disso. Palavras fortes, temperadas com citações que não se esperavam (Einaudi, o artigo 1 da Constituição italiana). Indicações concretas também com referência ao atual debate político: “O objetivo não é a renda para todos – pontua o papa –, mas sim o trabalho para todos.”

E, depois, a condenação daqueles que transformam o emprego de ocasião da “resgate social” a instrumento de “chantagem” [um jogo de palavras em italiano, riscatto e ricatto, respectivamente], o elogio do bom empresário que rejeita a lógica do “especulador”, a recusa de uma meritocracia que multiplica a desigualdade social, o não ao “ídolo do consumismo”.

O papa está do lado da dignidade dos trabalhadores, que aqui sofrem com a crise. Assim como, na visita seguinte à catedral, ele está do lado dos consagrados, que vivem “segundo o estilo de Jesus”. “Um padre estático, fechado às surpresas de Deus, um padre Google-Wikipedia, isto é, que sabe tudo – diz, com uma das suas imagens –, faz muito mal.”

E também faz mal “o tráfico de noviças” dos países pobres (“Algumas acabaram nas ruas”, denuncia), faz mal quem faz fofoca, semeando inveja e ciúme entre coirmãos. “Crie corvos, e eles lhe comerão os olhos”, adverte. “Se um seminarista tem esse defeito e não se corrige, expulsem-no.”

Também aqui, o encontro ocorre não com base em discursos escritos, mas em algumas perguntas às quais Francisco responde de improviso. E não faltam piadas também. Como quando, à Ir. Rosangela Sala, a quem ele conhece bem, ele “repreende” o hábito de dirigir a 140 km/h. “Mas ela é muito boa”, acrescenta logo depois, em um clima que é, ao mesmo tempo, festivo e de grande atenção às suas palavras

Alegre também é a acolhida dos jovens no Santuário da Guarda. Cantos e gritos de boas-vindas, mas também um profundo silêncio quando Francisco o pede. Bergoglio responde às perguntas de quatro jovens: “Não sejam turistas superficiais entre as pessoas”. “Não adjetivem as pessoas com que vocês se encontram.”

E ainda: “Diante das coisas que a cultura atual nos propõe, devemos nos perguntar: mas isso é normal ou não? É normal que o Mediterrâneo se tornou um cemitério? É normal que, diante da dor, fechem-se as fronteiras?” “Vão missionar!”, recomenda. “Horizonte e coragem.” A coragem, por exemplo, de tocar a dor com as mãos. Especialmente a dos menores.

Depois do almoço com os pobres, os refugiados e alguns presos, Francisco atravessa as portas do Hospital Pediátrico Gaslini, onde saúda uma centena de crianças com os seus pais, entra na unidade de reanimação, leva o seu carinho e, no fim, admite: “O sofrimento das crianças certamente é o mais duro de aceitar. Tantas vezes eu me faço a pergunta e não encontro uma resposta. Apenas olho para o Crucificado.”

Por fim, a Praça Kennedy. “Que o Senhor Ressuscitado seja a força do nosso andar, a coragem do nosso caminhar”, diz ele na homilia. Horizonte e coragem, precisamente.

Nota de IHU On-Line: Para ver a íntegra do encontro do Papa Francisco com os trabalhadores e as trabalhadoras em Gênova, em italiano, clique aqui.

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