Seis contra 18 mil. Arrozeiros continuam em Raposa Serra do Sol. Entrevista especial com Dionito de Souza e Ana Paula Souto Maior

Mais Lidos

  • “A destruição das florestas não se deve apenas ao que comemos, mas também ao que vestimos”. Entrevista com Rubens Carvalho

    LER MAIS
  • Povos Indígenas em debate no IHU. Do extermínio à resistência!

    LER MAIS
  • “Quanto sangue palestino deve fluir para lavar a sua culpa pelo Holocausto?”, questiona Varoufakis

    LER MAIS

Revista ihu on-line

Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

Edição: 552

Leia mais

Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

Edição: 551

Leia mais

Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

Edição: 550

Leia mais

08 Abril 2008

Na entrevista de ontem, Flávio Tavares afirmou que a ditadura militar deixou inúmeros resquícios na política contemporânea. Mas vemos que não é apenas na política. A sociedade ainda está cheia de vícios do regime militar. Um exemplo disso é o que acontece em Raposa Serra do Sol, onde seis arrozeiros  teimam em permanecer em terras homologadas e demarcadas como terras indígenas. Mas sua resistência é feita com coquetéis molotov, ameaças de uso de carros bomba, mentiras contadas ao povo e aos próprios índios da região, queimando pontes, criando barreiras, numa série de ações extremistas. Eles pedem, inclusive, uma ação do Exército, que se recusa a participar dessa ação. Enquanto isso, o governo e a Polícia Federal intervém através da Operação Upatakon 3. “São somente seis arrozeiros que continuam resistindo, que não querem sair de Raposa Serra do Sol (...) esses arrozeiros têm que sair de lá, porque não fazem nada para nós”, contou à IHU On-Line o coordenador-geral do Conselho Indigenista de Roraima, o macuxi Dionito de Souza.

A IHU On-Line conversou também com a especialista em questões indígenas, Ana Paula Souto Maior, advogada do Instituto Socioambiental – ISA. Ela confirmou que o líder dos arrozeiros, Paulo Cesar Quartiero, é quem mais oferece resistência ao fato de ter de sair da área. “Ele está lá destruindo o patrimônio público, destruindo pontes, criando trincheiras. Ele tem essa intenção de envolver os militares”, disse. As duas entrevistas foram realizadas por telefone.

Confira as entrevistas.

IHU On-Line – Qual é a situação do conflito entre os índios e os arrozeiros em Roraima, hoje?

Dionito de Souza – Os índios de Raposa Serra do Sol continuam sendo ameaçados pelos arrozeiros. Eles estão queimando pontes, cavando as cabeceiras das pontes com retroescavadeira. A área de Raposa Serra do Sol está totalmente isolada.

Ana Paula Souto Maior – Nós, do ISA, acreditamos que a operação que o governo federal está comandando seja super importante. A terra foi homologada em 2005 e desde essa época, há 3 anos, portanto, foi dado um prazo para que todos os ocupantes não-índios fossem retirados. Os arrozeiros se recusam a sair. A Funai (Fundação Nacional do Índio) já tomou todas as medidas para que eles saíssem, retirou outros ocupantes que estavam na área e o que sobraram estão numa resistência a aplicação da lei. Foi importante que o governo federal tenha tomado esta medida de mandar os policiais federais e esteja articulando alguns órgãos. Foi criado, inclusive, um grupo de advogados de vários órgãos da GU, do Ibama, da Ana, do Ministério Público Federal, da Funai para apoiar a alteração que a Polícia Federal está realizando na área.

IHU On-Line – Falta retirar quantos arrozeiros de Raposa Serra do Sol?

Dionito de Souza – São somente seis arrozeiros que continuam resistindo, ou seja, que não querem sair de Raposa Serra do Sol. São 18.992 indígenas que vivem em Raposa Serra do Sol. No estado de Roraima, são mais de 60 mil indígenas. Esses arrozeiros precisam sair de lá, porque não fazem nada para nós, não estão nem aí. A gente só tem essa terra. A situação aqui está muito ruim.

IHU On-Line – Por que está sendo tão difícil retirar somente seis arrozeiros dessa região?

Ana Paula Souto Maior – Porque essas pessoas compraram a terra por preço baratíssimo. Elas estão produzindo sem nenhum tipo de responsabilidade ambiental ou social, já que estão dentro de terras indígenas. Além disso, os arrozeiros não pagam impostos, tendo isenção pelo Estado de Roraima. Então, todo o lucro que recebem é muito alto. Por isso, se recusam a sair: absoluta irresponsabilidade.

IHU On-Line – É possível que as Forças Armadas entrem nessa luta?


Ana Paula Souto Maior
– Quem está solicitando a entrada das Forças Armadas dentro desse processo é Paulo Cesar Quartiero, o arrozeiro que mais resiste, ele está lá destruindo o patrimônio público, destruindo pontes, criando trincheiras. Ele tem essa intenção de envolver os militares.

IHU On-Line – Como o senhor vê a intervenção do governo federal e das Forças Armadas em Raposa Serra do Sol?

Dionito de Souza – O governo está realizando um trabalho grande e logo poderemos ter nossa área desocupada. Já o Exército está fora desse processo.

IHU On-Line – O que os indígenas esperam do governo?

Dionito de Souza – Os indígenas querem que os arrozeiros saiam o mais rápido possível de lá, principalmente os executores liderados por Paulo Cesar.

Ana Paula Souto Maior – Nesse momento, tanto os indígenas quanto o Instituto Socioambiental esperam que a operação vá até o final, que seja feita a desintrusão completa, retirando os arrozeiros que estão lá dentro da terra indígena, trazendo grandes prejuízos aos índios. Não só prejuízos sociais, porque, ao utilizarem a terra, eles estão impedindo que os índios a utilizem, mas também prejuízos ambientais, porque estão produzindo arroz sem tipo algum de cuidado ambiental, desviando igarapés, jogando agrotóxicos, destruindo as matas ciliares. Por isso, também é tão importante eles sejam retirados. Ou seja, se espera que a operação chegue até o final.

IHU On-Line – Por que alguns índios estão aderindo à causa dos arrozeiros?

Dionito de Souza – Porque eles foram obrigados a passar para o lado deles. Eles foram enganados. Os arrozeiros chegam para o índio e prometem casa. Então, quando o índio vai “pras bandas” dele, fica sem roupa, sem casa, sem rede. Então, eles falam para o índio que estão todos em guerra e que só saem de lá depois da guerra. Os índios que estão com eles não estão defendendo os arrozeiros, de fato.

Nós precisamos divulgar o nosso lado para que as pessoas entendam que é nosso direito ficar em Raposa Serra do Sol. Os indígenas que estão lá querem que todos os arrozeiros saiam das nossas terras.

Ana Paula Souto Maior – Existem 18 mil índios dentro dessa terra indígena. É natural que 30 ou 40 índios estejam aliados momentaneamente aos arrozeiros. Eles oferecem vantagens aos índios para ficarem ao lado deles. Esse número é muito pequeno.

IHU On-Line – Que tipo de articulações os indígenas estão fazendo para finalmente retirar todos os invasores não-índios de suas terras nessa região?

Ana Paula Souto Maior – Eles enviaram documentos a todos os órgãos públicos e vejo que esse grupo de advogados foi criado para atuar e ajudar na desintrusão como um atendimento à reivindicação dos índios. Já o ISA está acompanhando o processo oficial da demarcação dessa terra há muito tempo e nós estamos acompanhando, escrevendo matérias sobre o assunto. Além disso, apoiamos a luta dos índios e a operação do governo federal. Esperamos que ele conclua esse processo.


Comunicar erro

close

FECHAR

Comunicar erro.

Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Seis contra 18 mil. Arrozeiros continuam em Raposa Serra do Sol. Entrevista especial com Dionito de Souza e Ana Paula Souto Maior - Instituto Humanitas Unisinos - IHU