O pensamento de Karl Polanyi volta a chamar a atenção para compreender e lutar contra o que cada vez mais parece ser um novo colapso social e político das nossas sociedades.
A entrevista é de Jean Bastien, publicada por Nonfiction, 18-05-2025. A tradução é do Cepat.
Poderíamos nos perguntar se as ações de Donald Trump e seus apoiadores não catapultam agora Karl Polanyi ao posto de melhor analista da conjuntura atual, quando explica que as disfunções da economia de mercado deixada à própria sorte acabam causando catástrofes políticas, que são a marca de um colapso da sociedade, e que a única saída é então reformar a economia para restabelecer a sua base social.
Nicolas Postel e Richard Sobel, professores de economia na Universidade de Lille e pesquisadores no Clersé (Centre Lillois d’Études et de Recherches Sociologiques et Économiques), dedicaram a Polanyi um pequeno livro que, ao tentar mostrar a relevância de seu pensamento, sugere muitos caminhos para a pesquisa e a intervenção.
Karl Polanyi define o capitalismo como um regime econômico específico e problemático e o opõe a outras formas de organizar a subsistência dos membros da sociedade. Talvez vocês poderiam começar explicando em que, segundo ele, este regime é específico e o que nele é problemático?
Para Polanyi, toda sociedade deve formular uma resposta à questão da “subsistência” que, segundo ele, constitui a questão econômica. Não há sociedade, portanto, sem economia. Karl Polanyi propõe uma definição da economia (em Commerce et marché dans les premiers empires, publicado em 1957) como “um processo institucionalizado de interação entre o homem e seu ambiente, que resulta no fornecimento contínuo de meios materiais que permitem a satisfação das necessidades”.
Esta é uma definição essencial baseada em três pontos principais.
A economia é institucionalizada. Isto significa que a resposta que qualquer sociedade dá à questão da satisfação das necessidades é acima de tudo coletiva, social e política. Não há economia “antes” das instituições coletivas; a economia, portanto, não é “compreensível” por metáforas do tipo que a economia dominante tanto aprecia: a de um indivíduo racional e associal. Não, disse Polanyi. A economia é sempre, em primeiro lugar, uma resposta marcada por um prisma social e coletivo. Não há nada antes da sociedade. O homem é um animal social, e a questão econômica é desde o início uma questão social e nunca individual.
Depois, esta questão é também, observa Polanyi, a da inserção da comunidade humana na natureza, no seu “ambiente”. A questão ecológica parece nova para nós, mas não é: é a questão econômica por definição. Quando a comunidade humana surge, ela deve assegurar as condições para a sua reprodução em harmonia com o ambiente em que vive e que a define. Ela obviamente não pode escapar disso.
Por fim, a questão das necessidades, não do desejo ilimitado de acumulação. “Do que temos necessidade?”, retomou recentemente Bruno Latour. Esta é a questão econômica, e nós a esquecemos. Ela esteve soterrada durante dois séculos de acumulação material ilimitada, impulsionada pela satisfação dos desejos, especialmente miméticos, que em si são ilimitados.
Esta definição de Polanyi relativiza a experiência do capitalismo. Antes do capitalismo, coexistiram diferentes respostas sociais, coerentes com a ou as representação(ões) social(is) vigente(s): a economia doméstica (autarquia), a reciprocidade (para as sociedades de grupos simétricos em interação), a redistribuição (um órgão central, considerado legítimo, recupera o que foi produzido e o redistribui segundo critérios também considerados socialmente legítimos) e a troca (às “margens” da sociedade e de forma residual, os grupos trocam bens e serviços que permitem a diversificação dos alimentos segundo preços negociados entre si, de comum acordo). Essas formas econômicas coexistem por um período muito longo, durante milênios, e garantem a reprodução humana no longo prazo e de forma resiliente: sem danificar a natureza a ponto de ameaçar esse ciclo reprodutivo.
Essas formas antigas ainda existem hoje: em nossas sociedades nem tudo é fornecido pelo mercado, a família fornece uma grande parte das funções de subsistência, o Estado social fornece outra parte das nossas necessidades coletivas, muitas formas de solidariedade persistiram e uma parte dos recursos circula em formas de comércio local (pense no circuito curto). Mas são considerados arcaísmos e obstáculos à modernidade do mercado capitalista que, ao contrário, pretende escapar das “restrições sociais” e impor um princípio único de acumulação à sociedade e à natureza. Sempre mais!
Desde o final do século XVIII, nossas sociedades estão envolvidas em uma corrida para se libertar dos “limites e restrições naturais e sociais” e criar uma sociedade de indivíduos econômicos conectados pelos mercados, eles próprios regulados pela concorrência pura e perfeita. Este mito, o do mercado autorregulado, pretende, pois, não apenas subtrair a economia da sociedade e dos limites naturais, mas ainda mais, submeter a sociedade e a natureza a uma finalidade econômica de acumulação.
Se quisermos compreender esse problema a partir de um sintoma simples, devemos observar a nossa dificuldade de falar da humanidade e da biosfera de outra forma que não como “recursos humanos” e “recursos naturais”. Recursos? Para quê? Para quem? Para a economia! Ou seja, para a acumulação ilimitada de riqueza. Há uma inversão de causalidade bastante incrível aqui, quando paramos para pensar nisso: a economia não está mais a serviço da sociedade; é a sociedade que deve ser colocada a serviço da economia!
A peculiaridade do capitalismo é que ele transforma tudo em mercadoria, e isso se aplica especialmente à terra, ao trabalho e até mesmo ao dinheiro, que podem assim ser apropriados por alguns, enquanto a maioria vê seu uso restringido. A história do capitalismo pode então ser vista como uma progressão dessa mercantilização. Poderiam dizer algo também sobre isso?
O que Polanyi diz sobre a “mercantilização do mundo” é mais preciso do que o que geralmente é entendido. Polanyi, de fato, analisa as condições de possibilidade do capitalismo: para que ele “funcione” é preciso tratar a “terra” (a biosfera), o trabalho (a vida humana) e o dinheiro (nossa medida comum) “como se” esses pilares da sociedade fossem “produzidos com a finalidade de serem vendidos” (e, portanto, fossem “mercadorias”). É importante reservar o conceito de mercadoria fictícia para essas três mercadorias – e somente para elas –, porque Polanyi está aqui apontando o que “deve” ser tratado como uma mercadoria (no capitalismo) e o que “não é da ordem mercantil”.
Muitas coisas circulam no mercado sem terem sido concebidas para serem vendidas: os conhecimentos, as leis, os órgãos... Mas o capitalismo pode prescindir dessas formas extremas de mercantilização próprias dos excessos do neoliberalismo. Por outro lado, para a terra, o trabalho e o dinheiro, sem essa ficção, o capitalismo deixa de funcionar!
Em vez de uma progressão contínua, devemos ver a história do capitalismo nos últimos 250 anos como uma série de altos e baixos que resultam de uma maior ou menor “institucionalização” das três mercadorias fictícias. Isso se deve ao efeito combinado e contraditório da pressão de mercantilização exercida pelo sistema econômico e pelo “contramovimento” que resiste, na agricultura, no mundo do trabalho e na frente da soberania monetária.
A diversidade histórica e espacial das formas assumidas pelo modo de produção capitalista, extremamente diverso, é resultado desses dois movimentos opostos, dessa dialética permanente. Em última análise, é a compreensão dessa dialética e a atenção dada ao equilíbrio de forças que é importante. Quando a força do processo de mercantilização avança de maneira descontrolada, a catástrofe certamente ocorrerá.
Após o fascismo e a Segunda Guerra Mundial, as sociedades ocidentais passaram por um período importante de desmercantilização, ainda que parcial. Poderiam dizer uma palavra sobre isso?
Para Polanyi, o fascismo é fruto do liberalismo exacerbado do período pós-Primeira Guerra Mundial, do colapso das forças de resistência ao mercado. A sociedade ameaçada de dissolução nunca desaparece. A economia não pode “sair do social”, mas quando o mito produziu seus efeitos mais violentos, os atores foram atomizados (poderíamos encontrar aqui o conceito de anomia de Durkheim): o espaço coletivo de deliberação desaparece; o princípio sacrossanto da eficiência de mercado elimina tudo e reenvia todos de volta à necessidade de ser competitivo e eficiente.
A sociedade se torna mais rígida e reage de maneiras disfuncionais, prejudiciais e assustadoras. O fascismo e o totalitarismo são, portanto, de acordo com Polanyi, “a realidade de uma sociedade de mercado”. Mais mercado e mais competição não levam a mais democracia, como alguns afirmam, mas, pelo contrário, ao colapso democrático e ao totalitarismo. Atentemos para a atualidade desta análise.
No final da Segunda Guerra Mundial, Polanyi escreveu sua obra (A Grande Transformação, 1944) para indicar que, tendo aprendido com a terrível atrocidade da Segunda Guerra Mundial e o horror do nazismo, as democracias europeias empreenderiam sua “grande transformação” e “desmercantilizariam” sua relação com o trabalho e o dinheiro. Ele publicou seu livro no mesmo ano dos célebres acordos de Filadélfia (maio de 1944) e de Bretton Woods (julho de 1944), que estabeleceram uma relação “politicamente regulada” com o trabalho e o dinheiro. O direito do trabalho deve muito ao espírito de Filadélfia, como aponta Alain Supiot, e o sistema monetário internacional, que foi criado em Bretton Woods, é um regime politicamente controlado pelas democracias ocidentais, especialmente pelos Estados Unidos.
Polanyi tem razão, portanto, sim, há uma grande transformação, e os quarenta anos de robusto crescimento após a Segunda Guerra Mundial, que trarão uma melhoria rápida e sem precedentes nas condições salariais, a ponto de assentar na mente dos ocidentais que “aumento do PIB” é igual a “aumento da felicidade”, são o fruto dessa desmercantilização. Um período, no Ocidente, de paz, de democracia e de relativa harmonia, apesar da permanência do duplo movimento.
Mas essa desmercantilização é – obviamente – parcial: nada sobre a natureza e nada sobre o conteúdo do trabalho. O regime de crescimento dito “fordista” que caracterizou os Trinta Gloriosos foi um período de predação e de destruição acelerada da natureza. Todas as populações do mundo sofrem com o acúmulo de riqueza no Ocidente. Estes são os nossos “Trinta Anos Gloriosos”, mas trinta anos de inferno para quatro quintos da humanidade... Não muito gloriosos, na verdade.
E estamos pagando o preço climático e ecológico hoje. E se as formas de emprego são desmercantilizadas (através dos contratos por tempo indeterminado, da proteção social, das regras salariais coletivas que fazem do salário algo mais do que um preço competitivo), o trabalho não é completamente desmercantilizado, pois permanece homogeneizado e tratado como uma quantidade dentro do quadro do taylorismo — um regime particularmente duro de colocar as pessoas para trabalhar.
O estopim da crise do fordismo foi o fim do sistema de câmbio fixo, com o fim dos acordos de Bretton Woods, que permitiram às finanças retomar o controle, num regime enfraquecido, aliás, por outros acontecimentos. Os trabalhadores (e estudantes) do Maio de 68 acabaram rejeitando o taylorismo e não queriam mais “perder sua vida para ganhá-la”, os países produtores de petróleo exigiam o que lhes era devido e na esteira da descolonização nasceram movimentos “terceiro-mundistas” que denunciavam essa lógica de acumulação ocidental e o Clube de Roma sinalizava que era preciso desacelerar (a partir de 1972).
Se as finanças estão retomando o controle com tanta facilidade, é também porque as forças sociais do “duplo movimento” também estão contribuindo para denunciar a manutenção de uma relação mercantil com o trabalho e o meio ambiente nesse período. A base social deste compromisso temporário está, portanto, prestes a entrar em colapso.
Polanyi não conheceu o impulso neoliberal dos anos 1980 e a remercantilização que o caracterizou, nem a fortiori a multiplicação das crises que vimos desde 2010, que foi acompanhada por uma ascensão muito preocupante da extrema-direita. Como os conceitos que ele forjou podem nos ajudar a entender essa nova fase?
Vivemos em tempos polanyianos. A onda neoliberal e a instauração de uma nova fase do capitalismo a partir da década de 1980 nos levaram novamente à beira do colapso. O neoliberalismo baseia-se nas ideias de Hayek, opositor de Polanyi na década de 1920, e resultará em uma reação violenta em termos de direito do trabalho — é a famosa flexibilização, que é outro termo para mercantilização —, uma penetração extremamente profunda da lógica liberal de condução da economia pelos mercados financeiros (a famosa “notação” das políticas econômicas por agências privadas que zelam pelos interesses dos acionistas é o sinal máximo) e, finalmente, a extensão de uma lógica mercantil dos “seres vivos” (mercado do direito de poluir, compensação de carbono, política de patentes aplicada às sementes, etc.).
O mercado assume completamente as três mercadorias fictícias. Diz-se que Laurence Parisot, então presidente do Medef, teria dito: “A vida, a saúde e o amor são precários, por que com o trabalho teria que ser diferente?”. A lógica da remercantilização não poderia ser melhor resumida. O atual colapso da biodiversidade, da qualidade dos laços sociais e dos nossos regimes políticos é o efeito direto dessa remercantilização, do terrível enfraquecimento do duplo movimento.
O movimento sindical na França é ignorado pelo poder do Estado e considerado um arcaísmo lamentável, como demonstra a forma como, por exemplo, a recente “reforma” da previdência foi realizada. Tem-se a sensação de que a lógica mercantil da concorrência está se desenvolvendo descontroladamente, em todos os lugares, e especialmente em setores onde antes não estava presente, como, por exemplo, no serviço público.
Não é de se surpreender que isso alimente movimentos totalitários de extrema-direita, principalmente na Europa e nos Estados Unidos. Para nós, esta é uma chave de leitura essencial e completamente esquecida. A oferta política tende a ser simplificada entre uma escolha pelo liberalismo – econômico e político – ou pela extrema-direita. Isso é completamente prejudicial; o segundo turno das eleições na França só oferece uma escolha entre a extrema-direita ou políticas que a alimentam politicamente.
Que soluções o pensamento de Polanyi nos sugere? Que desenvolvimentos vocês acham que deveriam ser integrados à análise, especialmente no que diz respeito à crise ecológica, que Polanyi não previu, ao estado estacionário em que o capitalismo parece ter se estabelecido, o que não acontecia antes, ou à necessidade de uma intervenção do Estado com vistas a dar maior importância à autonomia dos atores?
Polanyi não nos fornece soluções prontas para aplicação imediata, mas nos mostra um caminho, uma maneira de escapar da influência da lógica competitiva. Pensar com Polanyi hoje é, de fato, compreender que o cerne da questão é defender a democracia contra o estabelecimento de um princípio de competição generalizada que destrói a sociedade e alimenta o totalitarismo. Não podemos deixar o discurso da proteção para a extrema-direita. A proteção contra a lógica concorrencial, e não contra os “estrangeiros”.
Essa defesa da democracia não pode mais se deter na fronteira das empresas consideradas zonas não cidadãs, onde impera o poder não compartilhado dos acionistas. Nem pode contentar-se em ser uma espécie de delegação geral e sistemática a um Estado central onisciente que “falaria” em nome do povo. Na Europa, o Estado apoia totalmente as lógicas concorrenciais mercantis e integrou muito pouco a necessidade de desmercantilizar nossa relação com os seres vivos. A transição ecológica será, portanto, democrática ou não será.
As soluções estão aí, ao nosso alcance. As antigas formas de economia não desapareceram. Metade da riqueza do Ocidente é socializada, o setor da Economia Social e Solidária (ESS) é pujante, a esfera doméstica é um espaço que aparece aos atores como uma esfera desejável, a ser preservada. As antigas formas econômicas de redistribuição, reciprocidade e economia doméstica ainda existem. Mas nós as invisibilizamos, as consideramos nocivas, queremos reduzi-las diminuindo impostos, cortando ajudas ao terceiro setor e aumentando a jornada de trabalho em detrimento do tempo doméstico. Pelo contrário, devemos nos inspirar nelas para pensar num desenvolvimento humano que não mais envolva acumulação produtiva e expansão mercantil.
Precisamos contabilizar a nossa riqueza de forma diferente: o PIB não é mais um indicador positivamente correlacionado com o bem-estar, e o desempenho financeiro de uma empresa não diz quase nada sobre seu desempenho concreto em nível social e ambiental (muitas vezes é até o oposto). Novas formas de contabilidade estão disponíveis, e o Estado poderia utilizá-las quando alega adotar uma política de oferta...
Existem novas formas de produção mais eficientes social e ambientalmente, e o Estado poderia promovê-las. Há um consenso crescente na Europa para retomar o controle da arma monetária e usá-la política e coletivamente. Mas essa vontade de desmercantilizar o dinheiro está sendo realizada (especialmente pelo BCE) na surdina, de maneira discreta, vergonhosa e sem fazer disso uma questão política, enquanto o oposto seria totalmente possível.
O Estado deve reconhecer a virtude das iniciativas e experiências locais e abandonar uma postura de cima para baixo. O imaginário das políticas públicas e daqueles que as lideram, política e administrativamente, ainda é amplamente dominado por dois dogmas: o mercado diz “a” verdade, e mais mercado significa mais democracia. Ler Polanyi é um maravilhoso antídoto para a relativa estupidez à qual esses dois dogmas levam, bloqueando nosso imaginário coletivo.
Com Polanyi, devemos mais uma vez saborear o prazer da deliberação democrática, restabelecer as instituições sociais de controle da economia e chegar a um acordo sobre o que realmente temos necessidade. Colocar a economia de volta no seu lugar, o de um instrumento, e conseguir nos reexaminar sobre as finalidades. Neste sentido, acabar com o “economicismo” para melhor reconstruir a economia.