05 Dezembro 2024
Na sessão de outubro passado do Sínodo sobre a Sinodalidade, o Padre Timothy Radcliffe desempenhou o papel de assistente espiritual, pregando no retiro que precedeu os trabalhos e, depois, animando a oração junto com a Madre Ignazia Angelini, o Padre Matteo Ferrari (responsável pelas liturgias) e os monges de Camaldoli.
A entrevista é de Riccardo Maccioni, publicada por Avvenire, 03-12-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Foi a oportunidade para refletir sobre o que significa ser uma Igreja sinodal e missionária hoje. Muito significativa a esse respeito foi a segunda meditação realizada em 30 de setembro, durante o retiro espiritual. Naquele dia, comentando o Evangelho de João sobre a aparição de Jesus aos discípulos após a Ressurreição, o Padre Radcliffe disse: “Este Sínodo não é um lugar para negociar uma mudança estrutural, mas para escolher a vida, para a conversão e o perdão. O Senhor nos chama para sairmos dos lugares pequenos nos quais nos refugiamos e nos quais aprisionamos os outros”. E depois, na quinta-feira, 10 de outubro: “Muitos gostariam que este Sínodo desse uma resposta imediata - sim ou não - sobre vários tópicos! Mas não é assim que a Igreja penetra no profundo mistério do Amor Divino. Não devemos nos esquivar das perguntas incômodas, como os discípulos que dizem: “Que ela se cale!”. Em vez disso, vamos nos debruçar sobre elas no silêncio da oração e da escuta mútua. Escutemos, como alguém disse, não para responder, mas para aprender. Abramos nossa imaginação para novas maneiras de ser a casa de Deus, onde há espaço para todos. Caso contrário, como dizemos na Inglaterra, tudo o que faremos é reorganizar as espreguiçadeiras do convés do Titanic”.
Ouvir o Padre Timothy Radcliffe nunca é banal. Porque sempre nos presenteia com uma ideia, uma sugestão, uma imagem sobre a qual refletir, enriquecendo suas intervenções com aquela ironia saudável capaz de facilitar os assuntos mais complicados.
Setenta e nove anos de idade, Mestre Geral da Ordem Dominicana de 1992 a 2001, biblista e orador de renome mundial, o Papa Francisco o nomeará cardeal no próximo dia 7 de dezembro. “Em 6 de outubro, quando o Papa fez o anúncio [de sua nomeação como cardeal] - explica o padre Radcliffe - eu estava em São Clemente com os dominicanos irlandeses. Depois do almoço, fui tirar uma sesta - um dever sagrado - e notei que na meia hora anterior haviam chegado 43 e-mails. Que surpresa! O primeiro era de meu prior de Oxford para a comunidade.
Meus coirmãos tinham ficado sabendo antes de mim! Achei que tinha havido um engano! O sentimento mais forte que tive foi o de constatar a alegria de meus irmãos e irmãs dominicanos, porque a alegria cristã nunca é privada. Para tornar tudo ainda mais profundo, soube que meu amigo e irmão Jean-Paul Vesco, arcebispo de Argel, também estava prestes a ser nomeado cardeal. Posso dizer que vivi uma experiência de fraternidade compartilhada. É por isso que me senti tão desconfortável quando as pessoas concentraram sua atenção somente em mim. A felicidade está em se esquecer de si mesmos.
Eu queria dizer a todos: “'Eu sou sempre e simplesmente eu’. Nem santo nem demônio, apenas uma pessoa perdoada, como todos”.
A notícia chegou durante a segunda sessão do Sínodo sobre a Sinodalidade, ao qual o senhor, especialmente com suas meditações, deu um importante impulso. Qual foi o resultado mais importante da assembleia dos bispos?
Este Sínodo desafia toda cultura, mas cada uma de uma maneira diferente. Falando de nós, ocidentais, o desafio é o individualismo radical. Os seres humanos são relacionais. Não é como Descartes escreveu, “penso, logo existo”, mas como se costuma dizer na África, “existo porque existimos”. Somos chamados a florescer no amor mútuo, que é a Trindade. O Sínodo atesta que na Igreja todas as vocações estão a serviço da mutualidade. Só podemos ser nós mesmos se vivermos “com” e “para” os outros. Os sacerdotes frequentemente se queixam de solidão e isolamento, mas o sacerdócio ordenado está a serviço da amizade de braços abertos de Jesus. Portanto, o cristão não pode ser solitário. Muito menos se for um padre. Até mesmo o eremita tem seu lugar na comunidade.
Outra dimensão da identidade cristã central para este Sínodo e que estou começando a entender é a reciprocidade. Muitas das questões que surgiram giram em torno de como devemos viver em reciprocidade e igualdade, respeitando a diversidade. Por exemplo, a diferença entre homens e mulheres, entre ordenados e leigos, ou as relações entre culturas diferentes. Acredito que devemos passar de uma ideia de papéis fixos para uma ideia de relações recíprocas, nos quais descobrimos quem somos por meio do outro. As pessoas aprendem a ser mães ou pais, por exemplo, ao se relacionarem com seus filhos, e vice-versa. Mulheres e homens descobrem sua identidade não por meio de ideias predeterminadas de gênero, mas por meio de relações que se crescem ao longo da vida. É juntos que somos feitos à imagem e semelhança de Deus. O povo fiel nos ensinará a ser padres se tivermos a coragem de escutar.
Seu mais recente livro publicado na Itália é “Ascoltatelo! Per una spiritualità sinodale” (Libreria Editrice Vaticana, páginas 240), no qual destaca que o objetivo principal do Sínodo não é tanto produzir documentos, mas abrir horizontes de esperança. Como ajudar o ser humano de hoje a reencontrá-la?
Vivemos em uma época de crise: política, social, pessoal e ecológica, mas não devemos ter medo dela. Afinal de contas, toda Eucaristia é uma celebração da maior crise da história da Igreja, talvez da humanidade! O Amor Divino se encarnou e nós o matamos! Mas Jesus transforma esse momento de desespero no dom da esperança: “Tomem e comam. Este é o meu corpo entregue por vocês”. Sua vida está prestes a ser tirada à força, mas Ele a transforma em um dom de vida para os outros. Os seres humanos só amadurecem por meio de crises: desde a crise do nascimento até a crise da puberdade, da saída de casa, da doença e do fracasso e, por fim, da morte. Se fugirmos das crises, nunca cresceremos. Portanto, para mim, o grande sinal de esperança é a missa.
Quaisquer que sejam os desafios e sofrimentos que enfrentamos - até mesmo a traição do amor, como Jesus sofreu - podemos colocá-los sobre o altar no ofertório, confiando na bênção de Deus. A outra fonte inesgotável de esperança são os jovens. Teilhard de Chardin dizia: “O futuro pertence àqueles que dão à geração seguinte uma razão para ter esperança”. E aqui voltamos ao maravilhoso conceito de reciprocidade. Devemos dar esperança aos jovens, mas eles também dão esperança a nós. Uma oração de prefácio diz: “Vós renovais a Igreja em todos os tempos, suscitando homens e mulheres notáveis na santidade”. Esses santos já estão entre nós, talvez nos desafiem. Eles vão nos perturbar! Vamos os acolher!
Ainda sobre o tema da esperança, o senhor disse que, para alimentá-la, é preciso encontrar e ouvir aqueles que estão desesperados. Isso é realmente verdade?
Gostaria de dizer que foi em lugares de aparente desespero que encontrei pessoas que me deram esperança. Por exemplo, no Iraque, meus irmãos e irmãs dominicanos estão passando por um momento difícil, mas não estão desesperados. Estão alegres. Talvez as experiências de sofrimento destruam nosso otimismo superficial, nossas pequenas esperanças. Então, ou nos desesperamos ou abraçamos a esperança do Reino, a esperança pascoal. Passei uma das minhas primeiras noites em Bagdá em tempo de guerra. Fui a um restaurante muçulmano e, mesmo lá, senti alegria. Há as guerras, as mudanças climáticas, a marginalização cada vez mais evidente dos pobres.
Em comparação com a mensagem do Evangelho, o mundo parece estar indo em direção contrária, o que o crente deve fazer nessa situação?
Em primeiro lugar, rezar! Acreditamos ou não que Deus responde às orações? O cerne de nossa fé é que nenhuma oração fica sem resposta. O Evangelho diz isso e, portanto, devemos acreditar nisso. Em segundo lugar, fazemos coisas que podem parecer pouco importantes, considerando os grandes desafios que temos que enfrentar, mas devemos nos lembrar de que a graça de Deus opera por meio das pequenas ações. Os discípulos têm apenas poucos peixes e pães quando Jesus lhes pede para alimentar milhares de pessoas famintas no deserto. Parece não haver esperança. Mas o Senhor da colheita abençoa abundantemente o que eles oferecem, assim como Deus também abençoará as nossas pequenas ações. A pregação do Reino começou com Jesus que chamou alguns pescadores insignificantes.
O senhor é conhecido pelo senso de humor que permeia seus discursos. Os cristãos são frequentemente acusados de serem um povo triste. Por que temos dificuldade para testemunhar a alegria? Isso não é um contrassenso?
O senso de humor pode assumir muitas formas! O cristão não deve ser destrutivo, não deve zombar dos outros. Na tradição britânica, geralmente é brincalhão, lúdico. Há uma passagem em Provérbios 8 em que, de acordo com alguns estudiosos, a Sabedoria brincou como uma criança quando Deus criava o mundo. Jesus nos chama para sermos como crianças, brincalhões e alegres. Se levamos Deus a sério, não podemos levar a nós mesmos a sério demais!
Parece-me entender que o humor cristão também tem a ver com compartilhar...
Karl Rahner dizia que “a alegria é um sinal infalível da presença de Deus”. Mas não podemos simplesmente decidir ser alegres. A força de vontade não é suficiente. Mas podemos escolher estar abertos à alegria e à dor do mundo ou, em vez disso, fechar os olhos e os ouvidos. O mundo é feito de alegria e tristeza, mas se nos tornarmos egoístas e narcisistas, nos fecharemos e a vida se tornará entediante! Deus promete remover nossos corações de pedra e nos dar corações de carne (Ezequiel 36,26). A alegria e a dor são realidades inseparáveis. Não se pode ser realmente alegre sem se deixar tocar pela dor dos outros. Pensemos em São Francisco de Assis, que carregava os estigmas da cruz, mas mesmo assim ria muito. A decisão importante a ser tomada é se abrir aos outros, a seus dramas, suas lutas e seu heroísmo. Se compartilharmos suas dores e tristezas, se abrirá um espaço dentro de nós que será preenchido pela alegria de Deus.
Até mesmo os temas mais profundos podem ser tratados com humor, sem sacrificar a profundidade. Como em seu recente livro, escrito com Lukasz Popko, “Domande di Dio, domande a Dio. In dialogo con la Bibbia” (Libreria Editrice Vaticana, 256 páginas). Muitas vezes, até mesmo os padres sentem dificuldade para testemunhar a alegria de sua vocação. Nisso, se não me engano, o senhor se refere ao exemplo de São Domingos.
São Domingos era, como São Francisco, um homem de alegria e dor. Ele chorava à noite pelos pecadores, mas durante o dia se alegrava com seus irmãos pelo amor e pela misericórdia de Deus. O amor criativo de Deus triunfou no dia da Páscoa. É claro que passaremos por momentos de tristeza, mas a alegria nunca pode se extinguir completamente.
Ao ler suas reflexões, fiquei impressionado com a definição de estudo como um ato de esperança. Muitas vezes vemos o teólogo como uma figura distante. Em vez disso, o senhor o define como “um pedinte que sabe como receber os dons totalmente gratuitos do Senhor”.
Os homens foram definidos como “seres em busca de significado”. Acima de tudo, desejamos que nossas vidas tenham um sentido. Václav Havel, o dramaturgo que se tornou presidente da República Tcheca, disse que nossa esperança não é pensar que tudo ficará bem, mas que nossas vidas têm um significado. Nesse sentido, estudar representa muito mais do que adquirir qualificações para encontrar um emprego. Da física à biologia, da literatura à poesia, da história à psicologia, todo estudo é voltado para a compreensão de quem somos e por que existimos. Os cristãos acreditam que o sentido da vida é totalmente revelado no Verbo feito carne, Jesus, que triunfou sobre a morte e o ódio.
Mas nós entendemos Ele e o significado de nossas vidas com a ajuda daqueles que têm paixão por entender, sejam eles cientistas, cineastas ou amantes da natureza. Acredito que qualquer um que queira apaixonadamente entender está no caminho de Deus. No final, a nossa esperança é que, como dizia São Paulo, “então conhecerei como também sou conhecido” (1Cor 13,12). Pois veremos o Amor Divino na visão beatífica, que é o significado final de tudo.