13 Agosto 2018
Os tiros, os gritos, o sangue, os mortos. Cinquenta ao todo no bar homossexual que se transformou em um cemitério. Um dia depois do massacre de Orlando de dois anos atrás, poucos bispos dos EUA expressaram suas condolências, menos ainda foram aqueles que fizeram referência explícita para a comunidade LGBT (lésbica, gay, bissexual e transexual), atingida à morte pelo ISIS.
Aquele silêncio ensurdecedor tirou do padre James Martin, 57 anos, jesuíta, um dos mais apreciados de ‘América’, a revista da Companhia de Jesus, as últimas dúvidas sobre o fato de que, entre a igreja e a galáxia homossexual exista um abismo. Nós aqui e eles ali.
A entrevista é de Giovanni Panettiere, publicada por Quotidiano.net, 11-08-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Disso surgiu a urgência de encurtar as distâncias e incentivar o diálogo, de "Costruire un ponte” (Construir uma ponte, Marcianum press, 114 páginas, 15 euros), para usar o título do último livro de Padre Martin, traduzido há alguns meses para o italiano. Uma ponte de mão dupla (da hierarquia católica para os homossexuais: destes últimos para o papa, os bispos, os sacerdotes e os diáconos) que repousa sobre três pilares essenciais: respeito, compaixão e sensibilidade, exigidos tanto de uma parte como pela outra. No fundo, nada além do que o Catecismo exige dos fiéis em relação aos homossexuais, não obstante o juízo negativo da Igreja sobre a condição homossexual e, principalmente, sobre as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo (número 2358).
O livro do jesuíta - que não contesta a doutrina da Igreja sobre a homossexualidade, nem endossa o casamento homoafetivo - foi apreciado, entre outros, pelo prefeito do Dicastério do Vaticano para os Leigos, a Família e Vida, o Cardeal Kevin Farrell, e por alguns bispos norte-americanos como o redentorista Joseph Tobin, que no ano passado quis encontrar na catedral de Newark (a diocese do cardeal) alguns crentes homossexuais. Ao mesmo tempo, também surgiram críticas de setores eclesiais mais conservadores. A mais contundente foi do arcebispo da Filadélfia, Charles Chaput, que em julho passado, perto do lançamento da primeira edição do livro, criticou a abordagem de Martin à galáxia LGBT, considerada demasiado condescendente: "Jesus não veio para nos confirmar em nossos pecados e comportamento destrutivo, sejam quais forem, mas para nos redimir”.
Na Itália o prefácio de 'Construir uma ponte' ficou a cargo do Arcebispo de Bolonha, Matteo Zuppi. Quanto aos ensinamentos do Catecismo sobre gays e lésbicas, o prelado escreve: “Não foram seguidos por uma prática pastoral adequada que não se limite apenas à aplicação fria das indicações doutrinárias, mas torne estas últimas um itinerário de acompanhamento". É o que tenta traçar em seu livro Padre Martin, nomeado pelo papa Francisco consultor do Dicastério vaticano da comunicação.
O jesuíta estará entre os oradores do IX Encontro Mundial das famílias que este ano será realizado na Irlanda, de 21 a 26 de agosto, na presença do próprio Pontífice.
Pedimos a Martin para responder algumas perguntas sobre a intricada relação entre fé cristã e homossexualidade.
Construir uma ponte entre a Igreja e a comunidade LGBT: porque para o senhor essa é uma prioridade pastoral?
Homossexuais, bissexuais e trans são o grupo mais marginalizado na Igreja hoje. Muitos deles foram insultados ou excluídos por padres e outros agentes pastorais. Eu acredito que nós cristãos temos uma responsabilidade especial de fazer com que essas pessoas se sintam acolhidas. Elas são batizadas assim como o papa, seu bispo ou eu mesmo. Eles devem se sentir bem-vindos em sua comunidade eclesial".
Muitos católicos não pretendem acolher aqueles que vivem essa condição, porque pensam que a igreja está legitimando o pecado: é possível entendê-los?
O problema com essa maneira de pensar é que as pessoas LGBT são reduzidas a questões de moral sexual, quando suas vidas são muito mais complexas. Não são apenas seres sexuais.
O que responde para aqueles que rejeitam a homossexualidade em nome da Bíblia?
É importante não ignorar aquelas passagens específicas presentes no texto, mas devem ser enquadradas em seu contexto histórico, assim como é feito para os outros versículos. Por exemplo, muitos justificam as restrições contra a homossexualidade no ‘Levítico’ e, em seguida, ignoram as outras proibições e outras permissões do mesmo livro, como manter escravos ou comer carne de porco. Da mesma forma para as 'Epístolas de Paulo' devemos lembrar que a maneira de entender a homossexualidade no I século depois de Cristo é diferente daquela de hoje.
O Catecismo considera a homossexualidade "objetivamente desordenada". Pensa que esse princípio da fé fira os homossexuais?
Muitas pessoas LGBT, se não mais, me dizem que tais palavras são profundamente dolorosas para eles. Certa vez, a mãe de um homossexual me disse: ‘As pessoas percebem o que uma linguagem semelhante pode acarretar para um garoto de quatorze anos homossexual? Pode destruí-lo’. A Igreja não deveria ouvir aquela mãe?.b
Em seu livro, o senhor pede a gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros católicos para respeitar, ter compaixão e serem sensíveis com os bispos, padres e diáconos: não lhe parece que isso seja um compromisso enorme para qualquer um que tenha sofrido ou continue a sofrer formas de marginalização em sua própria experiência de vida cristã?
Sei que pode ser difícil para os crentes LGBT, porque até agora eles têm sido muito magoados pela Igreja-instituição. No entanto, para o diálogo, essa atitude é importante. Primeiro, porque essa é a maneira cristã de abordar outras pessoas; segundo, as pessoas estão mais abertas à conversa, se forem tratadas com respeito. Finalmente, é a forma mais prática para trabalhar com padres e bispos que, em minha experiência, tive oportunidade de constatar que respondem mais facilmente a quem dialoga com respeito do que com aqueles que apresentam protestos enraivecidos.
Vários crentes homossexuais dizem que, para eles, com o Papa Francisco, no final das contas, nada mudou ...
Eu não concordo totalmente. Foi ele quem disse ‘se uma pessoa é homossexual e procura o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?’. Além disso, durante sua viagem aos Estados Unidos, ele recebeu seu amigo Yayo Grassi e seu parceiro. Ele também se reuniu com Juan Carlos Cruz, um homossexual vítima de abusos no Chile, e reconheceu que Deus ‘o fez assim’. Não só isso, foi o primeiro papa a usar a palavra ‘gay’. Com ele, o tom e atitude da Igreja sobre o assunto mudaram.
Bergoglio é a mesmo que confirmou a recusa de acesso ao seminário para aqueles com "tendências homossexuais profundamente arraigadas". O que você pensa sobre isso?
Nos EUA, bispos e superiores religiosos interpretam essa proibição de maneira diferente. Há quem afirme que nenhum homossexual deveria ser ordenado sacerdote; há quem limite a proibição aos homossexuais para quem sua condição sexual é central; e, finalmente, há aqueles que não admitem no seminário apenas os homossexuais incapazes de permanecer celibatários. Eu conheço algumas centenas, se não milhares de padres homossexuais, bons e preparados, que vivem serenamente o celibato.
Em sua opinião como deveria se posicionar a Igreja em relação às famílias arco-íris, ou seja, para aqueles casais do mesmo sexo que têm filhos?
Como todas as famílias, os párocos também devem fazer com que se sintam bem-vindas à Igreja que, afinal, é o lar delas. Especialmente quando há crianças envolvidas, devemos ser acolhedores. Podemos ter problemas com o casamento homossexual, mas nunca devemos punir os pequenos ou mantê-los longe dos sacramentos. Se excluíssemos todas as famílias que não estão 'em ordem' aos olhos da Igreja, então deveríamos expulsar muitas outras, não apenas aquelas arco-íris. Jesus chama todos à sua mesa e nós somos chamados a fazer o mesmo.
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Xeque mate à homofobia na Igreja, o padre jesuíta Martin lança a ponte do respeito - Instituto Humanitas Unisinos - IHU