26 Julho 2018
"Liberdade e segurança, portanto, são direitos aos quais o povo pobre ou miserável nem tem como gozar plenamente, por sua própria condição econômica. Ao colocar todo esse contingente de eleitoras/es em clausura generalizada de suspeita ou até de criminosa, Bolsonaro promete tudo o que quer ouvir aquela grande parte do eleitorado individualista, privatista, conservador, indiferente, sem a mínima consciência das necessidades alheias, dos direitos sociais, do tipo mais rasteiro e desumano" escreve Jacques Távora Alfonsin, procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.
Fazer a democracia dependente das eleições, exclusivamente, como as campanhas eleitorais e os partidos políticos costumam fazer, pode agradar muito ao eleitorado das classes sociais abonadas e ricas, mas isso não tem o mesmo efeito entre gente pobre. Aquelas fazem duras críticas ao Estado de direito, mas não esquecem de, por via das dúvidas, garantir a sua submissão aos seus interesses privados, dentro dele colocando gente de sua estrita confiança e vassalagem, a cada eleição, assim deturpando a própria democracia.
Os desafios para a identificação das/os candidatas/os a serviço desses interesses, são de muito difícil enfrentamento, pois as campanhas eleitorais, como o nosso passado todo lamentavelmente comprova, são feitas sob uma hábil publicidade enganosa, muito bem remunerada, geralmente detectável depois de a/o eleita/o ser empossada/o e só aí poder-se medir o estrago da sua traição às promessas que haviam feito antes das eleições.
Um dos direitos humanos sobre os quais as campanhas deste ano certamente vão dedicar atenção redobrada na captação de votos, vai ser o da segurança pública e privada, explorando ao máximo o medo que impera hoje em quase todo o eleitorado pela onda crescente de crimes violentos que o país vem sofrendo nos últimos anos.
O candidato Bolsonaro está baseando toda a sua a sua pretensão de exercer um poder como o de presidente da República, baseado nessa paranoia coletiva, prometendo assegurar repressão armada contra qualquer suspeita de ameaça que possa pesar sobre direitos de pessoas ou bens, com o cuidado de não perder os votos daqueles que exercem tais direitos de forma abusiva e antissocial, assim desvirtuando-os por completo.
Para ele, qualquer pessoa que ouse falar e agir em defesa de direitos sociais como os movimentos populares se obrigam a fazer, frente a histórica falta de garantias desses direitos, é terrorista. Alicia a polícia, as forças armadas, chama-as com veemência fanática para uma cruzada que, em vez de adversários políticos do seu desvario, trate as pessoas integrantes desses movimentos como inimigas.
Diante de uma ameaça deste vulto, convém ouvir-se mais uma vez o professor Fabio Konder Comparato, esse jurista que tantos serviços já prestou à nação, às garantias devidas aos direitos sociais das/os pobres. Em 1989, justamente no ano em que se relembrava os duzentos anos decorridos desde a revolução francesa e o Brasil um ano de Constituição democrática - pelo menos do ponto de vista formal, tem-se de ressalvar, diante do que aconteceu aqui em 2016 - Comparato publicou “Para viver a democracia”, pela editora Brasiliense. Sobre o direito a segurança, segundo este jurista, note-se até onde pode-se chegar sob um abuso de intenção e ação ao nível do que Bolsonaro está prometendo:
“Para as massas miseráveis do planeta, a ausência total de segurança econômica, consubstanciada na falta absoluta das mais elementares garantias contra a fome e a doença, torna impossível a experiência da liberdade.” {...} “Estabelecer um regime de segurança sem liberdade supõe organizar a coação na perfeição, isto é, não apenas dispensar a colaboração dos destinatários das normas de segurança, como também afastar a possibilidade de sua interferência, por mínima que seja, no funcionamento do sistema. Ora, isto equivale a colocar todos os membros da coletividade à mercê do titular do poder, ou seja, em estado de total insegurança.” (p. 182).
Em nota de pé de página, Fabio Comparato lembrou lição do professor Celso Lafer, análoga à sua, quando este demonstra que “em qualquer sociedade, a segurança absoluta de algum ou alguns dos seus componentes representa insegurança total para os demais”
Liberdade e segurança, portanto, são direitos aos quais o povo pobre ou miserável nem tem como gozar plenamente, por sua própria condição econômica. Ao colocar todo esse contingente de eleitoras/es em clausura generalizada de suspeita ou até de criminosa, Bolsonaro promete tudo o que quer ouvir aquela grande parte do eleitorado individualista, privatista, conservador, indiferente, sem a mínima consciência das necessidades alheias, dos direitos sociais, do tipo mais rasteiro e desumano.
Só de pensar que o povo corre o risco de um senhor como esse adquirir, pelo voto (!), o poder de servir de escudo aos privilégios que caracterizam e garantem a reprodução das piores causas de pobreza, impõe-se lembrar o que aconteceu com dois antecedentes seus no governo do país, que caíram de forma muito diferente, por exemplo, daquela que golpeou a presidenta Dilma. Tanto a pregação da “vassoura” de Jânio Quadros como a do “combate aos marajás” de Fernando Collor de Mello deram no que deram por terem depositado todo o seu projeto de governo no poder próprio, individual, como o único soberano. Bolsonaro está requentando, pois, e quer servir de novo esse café vencido e frio para a sociedade toda. É de se prever que, na desgraça de ser eleito, vai desencadear no país a mesma que os dois outros criaram. Seguramente vai tentar ressuscitar a lei de segurança nacional, ou tentar a votação de outra, mais rigorosa, autoritária, classista, para dar vazão ao ódio, nem que seja esse fratricida.
As futuras eleições podem evitar esse desastre se o eleitorado brasileiro ouvir o conselho antiquíssimo de um homem tão pobre como Jesus Cristo, que nem tinha onde reclinar a cabeça, como se lê na bíblia: “Pelos seus frutos os conhecereis. É possível alguém colher uvas de um espinheiro ou figos das ervas daninhas? Assim sendo, toda árvore boa produz bons frutos, mas a árvore ruim dá frutos ruins.” (Evangelho de São Mateus, 7, 16-17)
O voto das/os brasileiras/os nas próximas eleições não pode servir de semente para dar vida a uma árvore como aquela que Bolsonaro quer plantar.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Vem aí a campanha eleitoral: “Pelos seus frutos os conhecereis” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU