17 Abril 2018
Este é o segundo dos quatro artigos (1), do Padre Michele Giulio Masciarelli, em vista do Sínodo da Juventude, que também tratará do "discernimento vocacional". O primeiro desses artigos foi publicado no último dia 4 de março (Seminários, severas academias educacionais). O autor – fundamentado em sua experiência de quarenta anos de professor de pedagogia em escolas de ensino médio e de teologia em seminários e em faculdades teológicas - pretende fornecer algumas sugestões sobre a formação seminarística. Especialista em pedagogia, escreveu vários livros, entre eles Il grido di Benedetto: dall’emergenza educativa alla pedagogia del cuore. Todi (PG): Tau Editrice, 2009.
O artigo é de Michele Giulio Masciarelli, publicado por Settimana News, 03-04-2018. A tradução é de Ramiro Mincato.
O desconforto educacional é grave e seu diagnóstico não deve ser atenuado, nem manipulado. Dez anos atrás, o Papa Bento XVI chamou, em seu habitual raciocínio lógico, a não confundir causa e efeito. Escrevia: "É espontâneo [...] culpar as novas gerações, como se as crianças nascidas hoje fossem diferentes das que nasceram no passado. Fala-se também de uma ‘ruptura entre gerações’, que certamente existe e pesa, mas que é o efeito, e não a causa, da ausente transmissão de certezas e valores" .
O fosso entre as gerações (há muitos anos uma conhecida antropóloga falava de "gerações em conflito" ) é um resultado infeliz da falta da traditio lampadis, para usar o título de um livro de John Amos Comenio, de 1657.
Faltam "certeza e valores", afirmava o papa Bento, e não em menor medida. Nossa época nos faz assistir o colapso terrível do patrimônio dos valores, parece obscurecer a consciência dos valores absolutos e eternos, em favor de um perigoso subjetivismo, que permeia cada área da existência humana: cultural, social, política e até mesmo ética e religiosa.
Trata-se de uma crise poliédrica, impressionante pela vastidão e, acima de tudo, pela profundidade. Esta noite dos valores não deixa tranquilos nem indivíduos, nem sociedade, nem grupos, nem instituições. Mas como lidar com isso? Deve ser dito logo: para a via educationis.
Estamos diante de falhas históricas, de amplas crises culturais, que só podem ser enfrentadas com escolhas corajosas. "Na verdade, - escrevia o Papa Ratzinger - estão em questão não apenas as responsabilidades pessoais dos adultos ou dos jovens, que, no entanto, existem e não devem ser escondidas, mas também uma atmosfera generalizada, uma mentalidade e uma forma de cultura que levam a duvidar do valor da pessoa humana, do significado da verdade e do bem, e, em última análise, da bondade da vida".
A piedade eucarística não termina com a missa: é nutrida pela adoração, pelo exercício contemplativo e pelo prolongado silêncio diante do Santíssimo Sacramento. Este tipo de experiência eucarística, que ocorre ao longo do tempo, e precisa de esforço ascético e orante, sempre foi, na história da piedade, um estágio da formação espiritual, que diz respeito principalmente ao indivíduo. Mas há mais: a experiência de solitude qualificada inspira o cristão a desenvolver, mesmo no processo educativo, processos de interiorização. Sempre, mas especialmente no campo valores, a força motriz do processo educacional está dentro do educando.
O educador não pode pretender arrastá-lo como faz uma locomotiva, com poucos ou muitos vagões. Educar não é rebocar alguém para destinos escolhidos sem seu conhecimento. É, em vez disso, acender, desde fora, um fogo dentro da sua vida.
Por outro lado, qualquer tipo de educação, que é essencialmente sempre de natureza ética, começa com o indivíduo, o sujeito necessário da vida interior. Somente depois dessa experiência "monástica" (de viver, isto é, concentrado dentro do próprio coração), pode-se tentar uma escuta do maravilhoso fora de si.
O outro - como bem intuiu Edith Stein - deve ser encontrado dentro de si, o único espaço que pode acolhê-lo e recolhê-lo. Isto só ocorre se dentro de si houver a possibilidade de encontrar o mundo do outro (sua visão do mundo, sua interioridade, suas emoções); muitas vezes, a escuta profunda é possível quando se é capaz de ouvir o que os outros dizem, não através de palavras, mas por meio de códigos linguísticos diferentes, às vezes estranhos, sem precedentes e imprevisíveis. Mas o problema não é somente o de escutar os outros; é também de saber-se escutar a si mesmo, sem fugir.
Um homem, um cristão, que perde de vista a si mesmo, também não encontrará os outros. Pois bem, um dos aspectos da educação, inspirada pelo silêncio e solitude da Eucaristia, está em educar-se para estar consigo mesmo. Não pareça estranho: para abrir-se à abertura do outro é necessário educar-se para estar ao máximo concentrado sobre si mesmo. Mas, sobre este ponto, voltaremos, porque é um eixo importante na experiência da relação e do encontro com o outro.
Sabe-se inclusive por intuição: a piedade eucarística, colocar-se face a face com o Senhor humilde e glorificado da Eucaristia, produz o esplêndido "hábito" (habeo = possuo) de possuir-se espiritualmente, permitindo assim construir uma sólida unidade interior, longe daquele angustiado espírito, nascido da dissipação, da perda da companhia de nós mesmos, infeliz premissa de uma vida que acabará por colocar-se fora da égide moral: "você é bom quando você é um só consigo mesmo" (K. Gibran).
No exercício ascético, além do contato com Cristo, faz-se uma experiência do contato profunda consigo mesmo: é um forte treinamento espiritual, que conhece também a experiência de um severo e denudante contexto de penoso recolhimento, que te coloca no sufoco do misterioso diálogo com Deus, intuído como próximo e presente na fé, mas, contudo, ausente da percepção dos sentidos.
Também os dois níveis do educar, o agir e o pensar, passam principalmente pelo indivíduo e sua experiência interior, que lhes permite serem intensa e serenamente felizes consigo mesmos. O homem interiormente feliz é o mais preparado para viver e fazer as experiências mais extrovertidas, mas só será feliz quem consegue sustentar a companhia de si mesmo, vencendo a que se poderia chamar de prova de solitude: "Toda a infelicidade dos homens provém do fato de não conseguirem ficar tranquilos em seu quarto” .
A infelicidade é ruidosa (a esta a educação não busca, nem se dedica), enquanto a felicidade se abriga nos corações pensativos, e, para os cristãos, nos corações contemplativos. A primeira precisa da praça e do mercado, a segunda, do claustro, da família e da escola, quando são mantidos o silêncio, a escuta, o diálogo, a oração e, acima de tudo, a mansidão e o perdão, duas virtudes que gostam de ficar, crescer e expressar-se na sombra de um prudente silêncio, que exige "permanecer" dentro de nós: “porém, devemos saber que os infelizes são reconhecíveis, porque precisam dos outros, gostam de contar seus problemas, buscam soluções e conforto. As pessoas felizes, no entanto, não procuram nada, nem chamam a atenção dos outros sobre sua felicidade: o infelizes são interessantes, as pessoas felizes permanecem na sombras" .
No interior da experiência educativa nos seminários deve reconstruir-se um amplo e profundo espaço-tempo de silêncio, porque este é necessário para moldar os corações dos futuros pastores, refinando-os também humanamente: isso os faz intensos, pensativos, felizes. É um resultado formativo inegável. No colóquio consigo mesmos, além disso, passa toda a espiritualidade cristã, mas também por ele passa todo pensamento humano. Para Kant, o próprio pensar é um ato de singular cunhagem: "Pensar é falar consigo mesmo (os índios do Tahiti chamam o pensar de linguagem do ventre) e, portanto, também ouvir-se interiormente (por meio da imaginação reprodutiva)" .
O "mal da palavra" (V. Gasman) de que hoje sofremos e a vulgaridade (que se tornou a língua comum, “o esperanto” praticado por muitos) são o sintoma certo de um perigoso vazio interior existencial difuso e capilar. Deve ser feita, entretanto, uma interrupção drástica na contracultura do ruído e da confusão. Também a nós, Harpócrates, filho de Isis e Osíris, dirige seu aviso para apagar a voz, enquanto com o dedo sobre sua boca convida ao silêncio . Há continuidade da civilização em torno à cultura do silêncio, a única que pode permitir a cultura de escuta, primeira postura discipular, inaugurada por Maria em Nazaré.
Se em "Babel", todos nos salvamos calando, é sobretudo o futuro pastor que deve treinar-se à sabedoria do silêncio, necessário para pensar a fé e anunciar a Palavra eterna, que nasce do Silêncio eterno. O Silêncio cria um muro de defesa ao redor da alma, isolando o coração da pressão das paixões ensurdecedoras que o inquietam, e o podem turbar, até o ponto de empurrá-lo para as bordas do abismo do qual, então, muito dificilmente poderá retrair-se. É sábio dar ouvidos ao ensino sutil do silêncio, e dispor-se a aceitar seus imperativos categóricos e levíssimos: ele, o silêncio, é "o guardião da alma" , a quem se deve obedecer.
Capacitado ao silêncio, o futuro padre mantém-se longe do risco de lacerar a confidencialidade, o mais frágil dos véus que protegem nosso espírito: o silêncio, na verdade, é "a forma mais perfeita do pudor” . Para libertar-se e libertar da perseguição do ruído ambiental e interior, não é preciso viajar ao Oriente; devemos, em vez disso, nos empenhar a curar o Ocidente com a cultura do silêncio.
O silêncio eucarístico adverte que a solução para as inquietações não pode mais escolher o ativismo neurótico (na política, na educação, no cuidado pastoral das Igrejas), mas, caminhos de sabedoria, que comportam espaço aos outros, colocam os outros antes de nós, reconciliam-nos com estilos de simplicidade e leveza, experimentam a sensação de uma fórmula de vida contracorrente: "lentius, profundius, suavius".
Nota de IHU On-Line: O primeiro artigo pode ser lido aqui.
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