07 Julho 2017
O Cardeal-Arcebispo Joseph Tobin, de Newark, Nova Jersey, relaciona a retórica atual anti-imigrantes à decisão de 1973 no caso Roe x Wade como um outro capítulo da “desumanização do coração americano”. Ele também explica a sua decisão recente em acolher uma peregrinação LGBTQ à Catedral de Newark ao dizer: “Não acho que toda a pessoa que se identifica como LGBTQ seja sexualmente ativa”.
A entrevista é de John L. Allen Jr. e Inés San Martín, publicada por Crux, 06-07-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Por vezes, o Cardeal Joseph Tobin, de Newark, Nova Jersey, é descrito como um dos mais destacados “bispos do Papa Francisco” nos EUA, e, de fato, ele é um entusiasta deste pontífice. Por exemplo, Tobin falou da “Convocação dos Líderes Católicos”, evento ocorrido entre 1º e 4 de julho, em Orlando, como a “primeira vez (…) que as lideranças católicas estão discutindo o Papa Francisco” focando-se em Evangelii Gaudium, documento papal de 2013 sobre “A Alegria do Evangelho”.
No entanto, se há suspeitas de que o seu apoio ao papa vem à custa da ortodoxia católica em temas como o ensino pró-vida da Igreja ou a sua moralidade sexual, Tobin demonstra que tal não ocorre.
Perguntado sobre o seu apoio declarado aos direitos dos imigrantes, por exemplo, ele rapidamente o relacionou às decisões de 1973 dos casos Roe x Wade e Doe x Bolton, que legalizavam o aborto, como um outro capítulo na “desumanização do coração americano”, que “afeta não somente a população imigrante, mas a todos nós”.
Em sua decisão recente de receber uma peregrinação LGBTQ à Catedral de Newark, Tobin deixou claro que a iniciativa não foi um prelúdio para desafiar a ética sexual tradicional.
“Não acho que toda a pessoa que se identifica como LGBTQ seja sexualmente ativa”, disse. “Se eles estão tentando viver uma vida casta, então certamente precisam do apoio da comunidade de fé, uma oportunidade para rezar e saber que são bem-vindos dentro do Corpo de Cristo”.
O que está em jogo é, segundo o religioso, que “eu prego o que a Igreja prega, e ensino o que a Igreja ensina, e creio nisso com uma grande serenidade”. Ao mesmo tempo, completou, “sinto ser minha função acolher as pessoas”.
Tobin foi entrevistado durante a Convocação dos Líderes Católicos em Orlando, evento que reuniu quase 3.500 bispos, clérigos, religiosos e leigos para debater formas de implementar Evangelii Gaudium no contexto americano contemporâneo.
Sobre outros assuntos, Tobin falou que
• reunir os católicos na Convocação foi uma boa ideia, em parte porque “as pessoas que levam a sério a fé, e que também querem fazer dela um estilo de vida, podem se sentir como as demais quando ouvem as mensagens vindas de outros setores da sociedade”;
• existem ameaças reais à liberdade religiosa nos EUA hoje, incluindo “a tentativa de reduzir o nosso culto e, então, particularizar o restante dele. Isto não é aceitável para muitos, mas especialmente para os cristãos que acreditam na importância do culto e em que se relaciona com a vida”;
• um “clima de medo” está se espalhando entre os imigrantes atualmente, incluindo “os pais que me dizem que, quando beijam os filhos ao levá-los para a escola, não têm certeza se estarão em casa quando voltarem, porque poderiam ser levados pelas autoridades”;
• o Papa Francisco não enfatiza a centralidade dos pobres por motivos políticos ou por sua origem latino-americana, mas porque este é o cerne da fé cristã. Tobin disse que certa vez estava ouvindo o rádio no carro e “quase errou o caminho”. Ele ouviu um companheiro bispo dizer que Francisco usa aquele tipo de retórica porque é latino-americano. “O quê? Não!”, disse Tobin. “Ele [o papa] lê o Evangelho, é por isso que fala daquele jeito”;
• disse que ainda está se acostumando com a grande atenção que os meios de comunicação lhe dedicam em Newark, incluindo um artigo recente no New York Times que traz uma foto sua erguendo pesos. “Às vezes eu me consolo com a sabedoria de Andy Warhol, que disse: ‘Todo mundo tem 15 minutos de fama na vida’, então eu acho que talvez já esteja em meus 14 minutos e 35 segundos, e a imprensa irá se cansar e seguir adiante para o próximo assunto”.
O que o senhor leva deste encontro em Orlando?
Acho que um encontro desse tipo é sempre útil para os participantes, porque nos dá o sentimento de solidariedade. As pessoas que levam a sério a fé, e que também querem fazer dela um estilo de vida, podem se sentir como as demais quando ouvem as mensagens vindas de outros setores da sociedade. Percebe-se que isto não ocorre aqui, e isso é bom. Penso que um momento crucial foi no dia que as delegações diocesanas se reuniram e decidiram [o que levar consigo e implementar em seus locais de origem].
Quantas pessoas o senhor trouxe?
Trouxe apenas dez aproximadamente, mas nós não viemos como delegação. Sabem como é, estou em Newark há apenas seis meses, e não tive muitas oportunidades para conhecer as pessoas na diocese, para fazer como os organizadores esperavam.
Ontem conversamos com um dos arcebispos, que definiu este evento como uma “Jornada Mundial da Juventude para adultos, mas sem o papa”, no sentido de que todas as JMJ contam com uma retórica sobre o que os participantes deveriam realizar, mas quando conversamos com eles, ouviremos que o que mais gostam é estar juntos com os católicos de outras partes do mundo e saber que não estão sozinhos.
A maioria dos bispos talvez não diria isso, mas não importa se a pauta deste no encontro episcopal é boa ou não, há o benefício de estar com os outros. Podemos nos conhecer melhor, e chorar no ombro uns dos outros.
Além disso, como vê a importância de um evento como este?
O que acho realmente uma novidade nesse encontro é que ele é a primeira vez, até onde sei, em escala nacional, que as lideranças católicas estão discutindo o Papa Francisco. Creio que é um evento notável. Ele pegou um documento publicado há quase quatro anos e o estudou.
Este documento é Evangelii Gaudium, a Alegria do Evangelho, publicado em 2013, descrito como a Magna Carta deste pontificado.
É um documento programático, e penso que os atos e publicações subsequentes bem como as palavras do Pontífice Romano vêm sendo coerentes com o que foi apresentado em A Alegria do Evangelho. Estou bem feliz com a forma como as pessoas estão se envolvendo a partir desta publicação.
Este evento está acontecendo no fim da Fortnight for Freedom [campanha dos bispos americanos pela liberdade religiosa]. Quando os bispos se reuniram recentemente e houve um debate sobre tornar ou não permanente a comissão ad hoc voltada à liberdade religiosa, o senhor argumentou contra a proposta. Pelo que se viu, o senhor não estava dizendo que não existem problemas em torno da liberdade religiosa neste país. O que estava querendo dizer era que essa não é a melhor forma de a Igreja se envolver nos embates em torno do assunto. Correto?
Sim, existem questões a serem trabalhadas em torno da liberdade religiosa. Uma delas é a tentativa de reduzir o nosso culto e, então, particularizar o restante dele. Isto não é aceitável para muitos, mas especialmente para os cristãos que acreditam na importância do culto e em que se relaciona com a vida.
Na verdade, a autenticidade do culto relaciona-se com a forma como se vive a vida, não?
Exatamente. As minhas dúvidas, no evento em Orlando, eram sobre se, a esta altura, tal preocupação [pela liberdade religiosa] precisava ser abordada em uma única comissão, especialmente se ela vai estar restringida ao nível nacional, quando se trata de uma questão muito mais importante para os cristãos em várias outras partes do mundo.
No Iraque e na Síria, eles não estão preocupados com cláusulas sobre métodos contraceptivos, mas sim em se manter vivos.
Exato. E também [estão preocupados] com a depravação sistêmica da propriedade. Se tivéssemos a oportunidade de conversar com Dom Sebastian Shaw, de Lahore, no Paquistão, iríamos ouvir que as leis sobre a blasfêmia são voltadas contra os católicos e cristãos não só para privá-los de suas vidas, o que frequentemente acontece, mas também para privá-los de seus empreendimentos que, depois de muito trabalho, conseguiram construir.
Já temos algumas comissões que podem lidar com este assunto. Mas, penso eu, a minha preocupação tem a ver também com o fato de que a força-tarefa ad hoc voltada à questão da imigração estava se dissolvendo. Ou seja, não se tratava apenas de um equívoco, mas a proposta mandava também uma mensagem negativa ao mundo e às pessoas.
Na questão da imigração, o senhor, juntamente com muitos outros bispos, vem se pronunciando de uma forma cada vez mais aberta. O senhor, por exemplo, defendeu a ideia de se acompanhar nas audiências os imigrantes que estão para ser deportados. O que nos diz sobre esta situação?
Com certeza o temor é real. Graças a Deus, não estamos vendo uma queda no número de pessoas que vêm até a Igreja. Por vezes eu realizo a missa em espanhol na catedral, e vemos aproximadamente 1.000 pessoas comparecendo todos os domingos. Mas os pais que me dizem que, quando beijam os filhos ao levá-los para a escola, não têm certeza se estarão em casa quando voltarem, porque poderiam ser levados pelas autoridades.
Acho que, além dos que estão no país sem documento, eu também me preocupo com esta desumanização do coração americano. O coração vem sendo desumanizado de tantas formas. Vejamos o que aconteceu na esteira das decisões dos casos Roe x Wade e Doe x Bolton em 1973. Penso que tivemos um efeito incrivelmente desumanizador sobre o coração americano, e na maneira como nos comunicamos. Penso também que esta atual desumanização dos indocumentados, com sua retórica, afeta não só a população imigrante, mas a todos nós.
Está falando sobre a “cultura do descarte”, para usar uma frase do Papa Francisco.
É uma boa maneira de resumir o que tenho dito.
Recentemente o senhor foi motivo de manchetes nos jornais por acolher uma peregrinação LGBTQ à vossa catedral. Por que considera importante este ano de acolhida?
A solicitação foi feita, creio eu, durante a Quaresma. Um padre, que trabalha com a população LGBTQ, membro de minha ordem religiosa [redentorista], disse: “Se uma peregrinação for à catedral, com pessoas não só da arquidiocese, mas também de Nova York e Connecticut, o senhor os receberia?” Respondi: “Sim, com certeza”.
Foi uma celebração adorável. Naquela manhã, eu tinha uma missa jovem no sul de Nova Jersey, então tive de me ausentar às pressas. Mas pude apertar a mão de muitos dos participantes, e dizer algumas palavras. Eles ficaram bastante comovidos. Acho que esse gesto está engendrando muitos questionamentos por parte de certas pessoas. Mas também acho que foi positivo para tantas outras.
A intenção era dar as boas-vindas. Eu justificaria isso com as palavras de Bento XVI, que costuma dizer: “Se, antes de tudo, proclamamos o Evangelho como um código moral, então destruímos o Evangelho, ele se torna em uma outra coisa”. Isso não quer dizer que as nossas escolhas morais não importam, mas que são uma resposta ao anúncio anterior da Boa Nova, do encontro.
Em segundo lugar, não acho que toda a pessoa que se identifica como LGBTQ seja sexualmente ativa. Se eles estão tentando viver uma vida casta, então certamente precisam do um apoio da comunidade de fé, uma oportunidade para rezar e saber que são bem-vindos dentro do Corpo de Cristo.
O que deixa algumas pessoas inquietas com iniciativas assim é que se poderia estar suavizando o código moral da instituição. Correto?
Se alguém me perguntar, digo que eu prego o que a Igreja prega, e ensino o que a Igreja ensina, e creio nisso com uma grande serenidade. Mas eu também sinto ser minha função acolher as pessoas. Quando recebi o báculo na Praça de São Pedro, em Roma, rezei uma oração que dizia: “Deveis ser atento aos corações do povo a vós confiado”. Sinto que essas pessoas foram confiadas a mim também.
Um dos objetivos da Convocação dos Líderes Católicos foi tomar Evangelii Gaudium como um ponto de partida e pensar quais as implicações pastorais que há nele. Se o senhor tivesse de escolher dois ou três aspectos de Evangelii Gaudium que considera fundamentalmente importantes para os EUA neste momento, quais seriam?
Acho que um primeiro aspecto é a experiência de Jesus Cristo. Penso que isso inquieta os católicos às vezes porque soa como tipicamente religioso e porque soa como um “Eu não faço experiências religiosas”. Porém isso é o central. É central para o próprio Francisco, que fala sobre a sua própria experiência da misericórdia divina, e é por isso que ele parecer incomodar.
O segundo ponto é que a experiência irá naturalmente ajudar as pessoas a quererem compartilhá-la, caso for autêntica. Como diz um amigo meu: “Se a minha vida espiritual é principalmente eu e Jesus, ela é principalmente eu”.
A terceira e última coisa que eu diria é: acho que a parte de Evangelii Gaudium, quando foi publicada e que causou problemas para alguns americanos, é o capítulo quatro, que analisa o efeito desta experiência de Jesus e a necessidade de levá-la aos outros na forma como nos estruturamos em sociedade. Em especial, o que fazemos para e pelos pobres, os quais, sustenta o Papa Francisco, têm um lugar privilegiado na economia da salvação.
Foi este o capítulo que deu início à narrativa de um “Francisco, o socialista”.
Certa vez, andando de carro quase me perdi no caminho. Era a Véspera de Natal em Indianápolis, o ano era 2013, um mês depois de o documento ter sido lançado, e já estava causando um desconforto em alguns. Ouvi um bispo no rádio dizer: “Bem, ele [o papa] é latino-americano. Ele precisa falar assim”.
E eu falei: “O quê? Não!. Ele lê o Evangelho, é por isso que fala daquele jeito”.
O senhor já ocupou muitos cargos na Igreja Católica. Foi o superior dos redentoristas, depois a autoridade número dois da Congregação para os Religiosos, em seguida atuou como arcebispo de Indianápolis, todos cargos de chefia muito importantes, valiosos. Mas nenhum recebeu tanta atenção por parte da imprensa quanto hoje. O senhor está no mercado midiático de Nova York e se tornou um cardeal. Como tem lidado com a proximidade da imprensa, sabendo que tudo o que diz ou faz será analisado de perto em busca de uma significação política oculta?
Preciso admitir que, quando estava de saída de Indianápolis, o meu assessor de imprensa disse que, aqui, eu teria uma relação diferente com a imprensa. Hoje percebo o que significa estar sob os olhares atentos dos meios de comunicação. Às vezes eu me consolo com a sabedoria de Andy Warhol, que dizia: ‘Todo mundo tem 15 minutos de fama na vida’, então eu acho que talvez já esteja em meus 14 minutos e 35 segundos, e a imprensa irá se cansar e seguir adiante para o próximo assunto.
Alguma vez pensou que uma foto sua erguendo pesos estaria estampada no New York Times?
Não, nunca! Eu tinha voltado para Indianápolis para um encontro dos bispos, e vi estampada na parede esta imagem. Nunca imaginei algo parecido. Honestamente, tenho muitos defeitos, mas estar no New York Times nunca foi um objetivo meu. Às vezes, a imprensa quer falar sobre um determinado assunto e eu tenho de dizer: “Não quero falar sobre isso”.
É por isso que escrevo as minhas homilias, daí quando as pessoas perguntam se eu disse alguma coisa [que ouviram na imprensa], aponto e digo: “Leia isto, é isto o que tentei dizer”.
Conseguiu construir um espaço de privacidade?
Sei que preciso de um tempo de silêncio. Eu costumava ler um filósofo espanhol chamado Ortega y Gasset, e ele verta vez falou sobre um costume que punha em prática em Madri. Ele almoçava às 14h, e tinha um hábito muito saudável chamado “siesta” [sestear], daí então fazia uma caminhada, geralmente indo até o zoológico. Isso na década de 1930, quando surgiam os primeiros escritos sérios em psicologia com base em Darwin. O filósofo se colocava em frente à jaula dos macacos, onde tinha uma crise existencial. Ficava a observar aqueles animais e se perguntava: “Qual a diferença?”
Ortega y Gasset relatou que, um dia, ocorreu-lhe que o macaco nunca conseguia ficar quieto. Tinha de ficar pulando e brigando, fazendo coisas típicas de sua espécie. Mas quando tentava ficar em silêncio, caía no sono. O silêncio é um requisito para a nossa humanidade. Caso contrário, nos tornamos algo mais. Tenho o meu momento de silêncio geralmente às 5 da manhã, porque aí posso rezar por uns instantes, e então fazer exercícios e então começar o dia.
Já achou um local para jogar hóquei?
Não. Estou esperando ser convidado para jogar no Rockefeller Center (…) Mas achei um ginásio, portanto estou ainda erguendo pesos. Mantenho um perfeito anonimato. Até agora, ninguém sabe e nem se importam com o que faço para viver, e isso é ótimo!
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Tobin: retórica antiaborto e anti-imigrantes “desumaniza” o coração americano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU