17 Dezembro 2018
Björn Höcke é um dos líderes mais radicais do partido alemão de direita Alternative fur Deutschland (Afd). Tal partido nasceu em 2013 como movimento de crítica ao euro, e com o tempo se radicalizou e se tornou a primeira força populista do país. Em 2017, tornou-se a primeira força de oposição no Bundestag, com 12,6% dos votos e está presente em todos os parlamentos regionais. Seu crescimento foi acompanhado pelas críticas de todos os outros grupos políticos, que o acusam de ter assumido perigosas contiguidades ideológicas com o nacional-socialismo. Höcke, em particular, atraiu sobre si críticas mais profundas por causa de sua tentativa de reavaliar os paradigmas com os quais os alemães interpretam sua própria história e seu passado.
Björn Höcke reproduzindo a saudação nazista durante comício (Foto: Reprodução | Twitter)
Desde 2015, quando ele foi eleito líder da Afd na Land da Turíngia, ele proferiu uma série de declarações, para muitos, preocupantes. A mais clamorosa remonta a 2017, quando, em discurso público, ele alvejou os monumentos que o governo federal havia construído no coração de Berlim em memória ao Holocausto e não para esquecer os crimes nazistas. A Alemanha, segundo ele, teria "plantado" um monumento à sua própria vergonha no coração da capital, algo aos seus olhos errado.
A entrevista é de Luca Steinmann, jornalista italiano que escreve para Espresso, para o Huffington Post e Gli Occhi della Guerra/Il Giornale, publicada por Huffington Post, 05-12 -2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Sr. Höcke, sua companheira de Partido Alice Weidel atacou fortemente o Governo italiano, Matteo Salvini e as medidas econômicas que estão em via de serem aprovadas. O que pensa a respeito?
Salvini é um exemplo para mim e acho que o ataque contra ele e o governo italiano foi um erro. Considero que seja necessária uma reforma estrutural de todo o sistema capitalista. Do ponto de vista econômico, nenhum crescimento nessa direção é de fato sustentável. Já são décadas que o crescimento da produtividade na Alemanha não corresponde à justa redistribuição da riqueza, mas sim às reduções salariais e previdenciárias e ao trágico desenvolvimento da pobreza entre os idosos. Nesse ritmo, em 2035, 50% dos aposentados na Alemanha receberão uma pensão de menos de mil euros brutos por mês. É por isso que entendo a Itália quando critica a política econômica alemã. Nossos políticos se vangloriam diante do mundo do crescimento constante das exportações, como se fosse um sucesso econômico, quando na verdade as riquezas estão atingindo uma pequena parte das pessoas e empobrecendo a maioria, especialmente a classe média, que é a que dá historicamente estabilidade para a democracia e sem a qual todo o sistema democrático está sob ameaça. Devemos reconhecer que as políticas neoliberais são prejudiciais para a maioria das pessoas. Fico feliz que os italianos defendam sua soberania do ditame europeu.
O senhor se inspira, portanto, no governo populista italiano?
Eu me inspiro no populismo de Salvini, que vejo como populista em termos positivos, uma pessoa carismática que para mim, pessoalmente, é um exemplo. Em 2019 voltarei a ser candidato às eleições na Turíngia e terei em mente a maneira como Salvini faz sua campanha eleitoral, procurando estar no meio das pessoas e ouvindo seus problemas. Salvini entendeu que os países mediterrâneos são a fronteira da Europa. São a fronteira com um continente, o africano, que tem um crescimento mensal de dois milhões de pessoas e 700 milhões de homens prontos para migrar para a Europa. Se isso acontecer, será uma catástrofe jamais enfrentada antes do ponto de vista social, econômico, cultural e de segurança que não trairia nenhum benefício sequer para os países africanos. De fato, os países europeus seriam levados ao colapso econômico e a segurança interna diminuiria. Menos segurança significa menos coesão social e, portanto, menos capital social e, consequentemente, menos produtividade econômica, como bem explica o sociólogo Robert Putnam. Em tal situação, diminuiria inevitavelmente a capacidade europeia de salvar os países em desenvolvimento. Os países mediterrânicos têm, portanto, a tarefa de proteger a Europa como se fosse uma fortaleza. Desse ponto de vista, a Itália tornou-se um modelo a seguir para toda a Europa. Mostra como naqueles lugares onde a situação se torna mais emergencial, são necessárias soluções sistêmicas e não pequenas mudanças diplomáticas e administrativas. Quando a classe política não governa as emergências, emergem novos atores protagonistas como Salvini.
O senhor, como Salvini, ataca regularmente a imprensa, que muitas vezes o retrata com cores sombrias e o associa à ideologia nacional-socialista. O que acha do nacional-socialismo?
A derrota da ditadura nacional-socialista foi um fato positivo. Pessoalmente, sempre tive dificuldade em reconhecer a autoridade, o que, inclusive, me criou problemas durante o serviço militar e penso que sou, por princípio, irreconciliável com a ditadura. Sou amigo da democracia e é precisamente para defendê-la que há alguns anos decidi entrar na política. Na medida em que a democracia alemã se desenvolveu ao longo das décadas, na verdade, deixou de ser realmente tal. Não sou só eu quem afirma isso, mas também o jurista Hans-Herbert von Arnem e o ex-presidente Richard von Weizsäcker. A democracia alemã de hoje é impulsionada por um aparato composto pelos grandes partidos do sistema - CDU, SPD, FDP e Verdes - todos concordantes em executar as ordens que vêm de estruturas supranacionais para ceder cada vez mais fatias de nossa soberania ao monstro burocrático de Bruxelas e para apoiar a política fatal das fronteiras abertas. Em cada âmbito estratégico, que diz respeito ao futuro do nosso país e do nosso povo, todos os velhos partidos falam a mesma língua. Essa é uma das principais razões pelas quais a Afd nasceu e cresce tão rápido. De fato, entre os partidos do sistema, não há voz alternativa.
O sistema de que o senhor fala nasceu durante ou após a desnazificação promovida pelos aliados desde 1945. Não há alguma correlação?
Não acredito que o problema que temos com a democracia seja um produto da desnazificação. Os alemães aprenderam a lição, eles sabem que o nacional-socialismo foi um beco sem saída que nunca deve ser repetido. A República Federal da Alemanha nasceu com fortes bases democráticas, filhas da desnazificação, por isso não vejo o problema na relação entre esse processo e os partidos, mas sim na relação que esses partidos desenvolveram com a mídia. Na Alemanha, muitos grandes partidos, principalmente o SPD, são acionistas e sócios majoritários dos jornais, capazes de canalizar na mídia suas diretrizes políticas e, assim, indiretamente minando a liberdade de imprensa e de pensamento. Com o tempo, mídia e partidos encontraram um modus vivendi para a conformação da democracia consensual de hoje: ou seja, um sistema democrático que funciona eficazmente com base no parlamentarismo, mas que promove um corredor de pensamento muito estreito que se restringe cada vez mais. Aqueles que não se enquadram nas linhas de pensamento ditadas pelo sistema são representados pela mídia como antidemocráticos. Quem critica a UE automaticamente é um inimigo da Europa, quem critica a maioria é um inimigo da democracia. É uma tática política a que a mídia se presta, que visa ridicularizar aos olhos das pessoas quem exerce uma função crítica. Essa é uma verdadeira manipulação da opinião pública que leva a orientar as opiniões e evita um debate público transparente.
O senhor criticou o status quo afirmando que "nós, alemães, somos o único povo que plantou no coração de sua capital um monumento à própria vergonha", referindo-se à topografia do terror. Você sente ter alguma responsabilidade pelos judeus e por Israel?
Eu nunca questionei isso. Acredito que para definir nossa identidade seja um erro não tomar como referência os aspectos positivos de nossa história. É muito importante desenvolver um patriotismo que crie um sentimento de pertencimento na ausência do qual nenhuma sociedade civil livre pode existir. Isso não envolve a remoção dos anos sombrios de nossa história, porque é precisamente a consciência do que aconteceu naquela escuridão que nos permite reconhecer a luz. Os aspectos positivos e negativos são complementares e, portanto, ambos devem ser lembrados.
Como garantir que o desenvolvimento de patriotismos e soberanismos não se tornem a porta de entrada dos nacionalismos tópicos do séc. XX?
Nós, europeus, fizemos progressos incríveis na metabolização da nossa história. As catástrofes da Grande Guerra e da Segunda Guerra Mundial foram acontecimentos tão dramáticos na história de todos os povos da Europa que influenciaram fortemente a sua mentalidade, algo que sobrevive através das gerações. Comparado a então, agora vivemos em uma nova fase. Com o fim da Guerra Fria, desapareceu a estabilidade garantida pelos dois blocos, dentro da qual havia uma clara dicotomia que permitia distinguir o aliado do inimigo. Depois de 1989, temos assistido a um fenômeno semelhante ao que aconteceu no início do pós-guerra com a Revolução Conservadora, ou seja, a tentativa heterogênea e metabolizar o que acabara de acontecer e indicar qual sistema político seria o mais adequado para o futuro.
Francis Fukuyama previu o fim da história sustentando a irreversível evolução para a globalização sob a liderança ocidental, liberal e norte-americana. Samuel Huntington, por outro lado, previu o surgimento de diferentes civilizações que existem há milênios, mas que haviam permanecido ocultas nos equilíbrios anteriores. Isso significaria que ainda não estamos em uma pós-democracia, mas em um mundo em que as diferentes mentalidades emergentes levam a novas guerras e a uma nova heterogeneidade, na qual as diferentes culturas se desenvolvem de maneira autônoma.
Os globalistas querem realizar um único desenvolvimento homogêneo em todo o mundo, isto é, um único mundo globalizado com um único governo centralizado no qual as nações são relegadas a unidades administrativas locais. Eles pensam que a globalização é a porta de entrada para a paz perpétua de que Kant falava, ao custo de sacrificar a beleza da diversidade entre as diferentes culturas.
A história desde sempre foi feita pelo enriquecimento que diferentes culturas adquirem, contaminando-se reciprocamente; o fim da história, por outro lado, é um mundo cinzento com uma única dimensão condenado a fracassar. Para saber isso, basta olhar para os registros policiais sobre o crescimento alarmante dos níveis de criminalidade da Europa ocidental ou assistir às cenas da véspera do Ano Novo em Colônia.
Biologicamente, o ser humano não tem apenas componentes positivos dentro dele, mas também negativos como o status da agressão. Mesmo que não houvesse mais guerras entre os Estados, quando estes não mais existissem, os conflitos se deslocariam para dentro das nossas cidades e envolveriam diferentes grupos étnicos, religiosos ou políticos. O projeto dos globalistas é uma distopia irreversível que é alimentada pela imigração maciça para a Europa dos países árabes e africanos.
A imigração serve como uma arma para desestabilizar e enfraquecer os estados e destruir a coesão interna. Segundo os tecnocratas das Nações Unidas, os europeus seriam substituídos por jovens homens do terceiro mundo. No entanto, eles não se importam com a compatibilidade cultural entre os autóctones e milhões de jovens com uma propensão à agressão diferente em relação à nossa. O pacto sobre a imigração de Marrakesh faz parte da estratégia das Nações Unidas para aumentar o número de migrantes. A política deveria desenvolver projetos voltados para a estabilidade e isso não vai nessa direção.
Em nome da estabilidade, o senhor considera necessário abrir negociações com a Síria de Assad?
Claro. A Síria foi um país relativamente estável em que várias religiões coexistiram de forma relativamente pacífica e harmoniosa. Embora certamente não fosse uma democracia, garantia um sistema sanitário e de instrução muito superior aos padrões regionais. Hoje o Ocidente é responsável por ter combatido naquele país uma terrível guerra por encomenda que trouxe apenas instabilidade.
Que tipo de relações, em sua opinião, deveria ter a Europa com a Rússia e os Estados Unidos para garantir essa estabilidade?
Devemos nos perguntar: quem queremos nos tornar? Queremos um futuro europeu independente? Queremos viver com o american way of life? Ou queremos ser russificados? Esta última opção eu não considero nem desejável nem plausível, nem verossímil nem possível. Considero que a política externa norte-americana tenha sido configurada de maneira errada e considero o imperialismo norte-americano reprovável e estranho à cultura europeia. Como europeu, não me identifico com a ideologia do consumo. Naturalmente, o bem-estar econômico é necessário, mas não é o coração da existência. Este, ao contrário, é composto pela nossa cultura e pela possibilidade de transmiti-la aos nossos filhos, preservando assim as tradições, a filosofia, a música e a vida comunitária.
Acredito que os norte-americanos não têm justificativa para exportar seu modo de vida americano e, menos ainda, através dos meios militares com os quais geraram milhões de mortes desde 1945 até hoje. Naturalmente, não estou me referindo ao povo estadunidense, que é, por sua vez, vítima do próprio regime. Se a Europa quer determinar seu próprio modo de viver de forma autônoma, deve libertar-se da influência norte-americana. O que os EUA, é claro, não aceitarão de bom grado. Mas nós, europeus, devemos cuidar dos nossos próprios interesses, não daqueles dos russos ou dos norte-americanos. As sanções dos EUA contra a Rússia deveriam ser abolidas não para proteger os russos, mas para limitar o enorme dano que estão criando para a nossa economia, enquanto a norte-americana tira proveito. Eu também considero que a orientação da política externa da Rússia e as ideias desenvolvidas por Putin sejam compatíveis com um futuro livre para a Europa, muito mais do que o globalismo. É interessante observar o embate em curso nos próprios Estados Unidos entre globalistas e nacionalistas. A vitória eleitoral de Trump expressa o descontentamento do povo norte-americano pela globalização e o pedido de retorno ao interesse nacional, que infelizmente ele ainda expressa de forma imperialista.
O senhor mencionou Samuel Huntington, que acreditava que o choque de civilizações será entre o Ocidente e o Islã. Qual a sua opinião sobre essa religião?
A beleza da Europa baseia-se nas diferenças entre as suas próprias culturas, por isso é nossa tarefa defender-nos e não permitir que as elites globalistas usem os povos da África e a religião islâmica como instrumento para dissolver essa variedade. O Islã é algo totalmente estranho para mim. Eu fui criado como protestante e vejo no cristianismo a religião em que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, com quem se pode criar uma relação através da oração.
No Islã, por outro lado, a relação entre Deus e o fiel assume um enorme distanciamento e submissão, mas nunca me permitiria questionar a fé alheia, que acredito seja algo profundamente íntimo e pessoal. Do ponto de vista político, no entanto, não há exemplo no mundo em que um Estado fundado em preceitos religiosos islâmicos tenha alcançado os direitos democráticos dos padrões europeus.
As chances que uma Europa dominada pelo Islã se traduza em um estado de direito são nulas, então precisamos de menos islamismo na Europa. Estou bem ciente de que essa religião não é monolítica, por exemplo, estou pessoalmente interessado no Sufismo e em sua forma de transmitir a sabedoria dos antigos através de rituais. O problema é a instrumentalização que é feita disso e que, juntamente com a imigração em massa, cria uma desintegração social. Não podemos tolerar sociedades paralelas, nem a charia nem o islamismo político que, neste momento, são uma ameaça ao nosso direito de ter uma pátria. A pátria não se perde apenas através das deportações da própria terra, como aconteceu com minha família. A pátria é perdida também se tornando uma minoria no próprio país.
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Björn Hocke: ‘Matteo Salvini é um exemplo para mim, eu me inspiro no seu populismo’. O político da extrema direita alemã fala abertamente de capitalismo, União Europeia, Alemanha, nazismo e Islã - Instituto Humanitas Unisinos - IHU