03 Abril 2018
Em certo ponto, Alberto Maggi interrompe a conversa: “São quase 7 horas da noite, é hora da missa”, diz ele apressadamente. Penso na singularidade desse homem que a Igreja muitas vezes definiu como herético. Onde está a fronteira entre obediência e pensamento próprio ou alheio?
A reportagem é de Antonio Gnoli, publicada por La Repubblica, 01-04-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Observo-o enquanto ele se dirige para o espaço onde celebrará a função. Estou no convento de Montefano, não muito longe de Macerata. Alberto é um frade da ordem dos Servos de Maria. Como foi David Maria Turoldo. Estava intrigado com a sua atuação, com a capacidade de unir estudo (ele é um excelente biblista) e acolhida (nada fácil, certamente, mas que ele vive como se fosse um dom).
Ele é autor de diversos livros, alguns de grande popularidade, como aquele que conta os meses passados entre a vida e a morte, no hospital de Ancona (Chi non muore si rivede, Ed. Garzanti). Alberto é um homem simples, direto, sem aqueles enfeites doutrinários que muitas vezes cavam o fosso entre a Igreja e o fiel. Fico impressionado com o desenho de uma figura humana, pouco aparente, em uma parede da sala de jantar: “É de Dario Fo. ‘Este é você, ele me disse, enquanto liberta as palavras’”.
As palavras são importantes para um pregador?
São importantes se as palavras forem seguidas pelos fatos, caso contrário não valem nada. Tento falar com simplicidade, apagando a auréola de mistério, a insensatez, a banalidade que às vezes acompanham a celebração da missa.
O que lhe dá a certeza de estar no caminho certo?
O fato de ter recebido algo do coração das pessoas, dos muitos que me escrevem e com quem falo; e de ter tornado este convento um belo microcosmo: lugar de oração, certamente. E de acolhida aos marginalizados. Mas também um centro de estudos bíblicos aberto a todos: ateus e agnósticos, católicos e crentes de outras religiões.
Por que você é impopular com as hierarquias da Igreja?
Elas me acusam de heresia. Os meus livros e o meu ensino são considerados deletérios para as pessoas. A Igreja considera escandaloso dar a comunhão aos divorciados e aos homossexuais. Mas a eucaristia não é um prêmio para quem merece, mas sim um dom.
Qual a diferença?
A mesma que existe entre a superfície e a profundidade do mar. O caminho mais fácil é se limitar a observar as ondulações da água.
Existe uma doutrina a ser respeitada.
A força persuasiva da doutrina não depende da verdade que emana, mas sim dos efeitos que produz. Aqui, nesta faixa de terra, muitas pessoas renasceram.
Que educação você teve?
Não tive uma educação religiosa. Quando disse aos meus pais: “Quero ser frade”, minha mãe pensou que eu estava com a cabeça fora do lugar. Meu pai, mais pragmaticamente, me entregou um envelope com dinheiro e acrescentou: “Não quero mais te ver!”. Eles estavam abalados. Eu os entendo: eu tinha um bom lugar na prefeitura, na secretaria do prefeito, estava noivo há quatro anos. O que seria a minha vida?, eles pensaram.
Como a decisão nasceu em você?
Através da leitura dos Evangelhos. Eu estava fascinado com as histórias que aprendia. Depois, em 1966, em uma noite de janeiro em Pádua, olhando para o céu estrelado, fiquei como que fulgurado com a beleza daquele manto. Estava sozinho. O frio, pungente. O leve tremor. Pensei que, se ali, naquela remota noite estrelada, houvesse alguém maior do que nós, merecia ser servido.
Não foi uma sugestão?
Poderia ter sido, mas a força e a determinação sucessivas dissolveram todo possível equívoco. O extraordinário foi que a conversão não nascia de tormentos e dúvidas. Não houve nenhuma crise existencial. Eu já era um homem feliz. Eu sei, é tudo muito pouco manzoniano!
Com efeito, as conversões quase sempre são algo de dramático.
De dramático, houve apenas o abandono da casa paterna. Mas não acredite que o que veio depois foi fácil. Na primeira vez, eu não fui admitido no noviciado. O prior determinou que eu não estava apto para a vida religiosa. Tentei de novo e, finalmente, fiz os três anos necessários para fazer os votos. Eu passei aquele período em Roma, na faculdade de teologia da Gregoriana. Houve um episódio que, já na época, me colocou em contraste com a Igreja.
O que aconteceu?
Um documento de Paulo VI sobre a ética sexual havia sido publicado. Eu descobri que ele havia sido inteiramente copiado de um livro reacionário de moral escrito por um cardeal, no qual os homossexuais eram condenados ao fogo eterno do inferno, e a masturbação dos adolescentes, tratada inculcando neles a devoção à Imaculada Conceição. Espalhei a informação de que era um plágio. Foi um escândalo. Fui convocado pelo padre provincial, submetido a uma espécie de processo canônico. Eles me afastaram, mandando-me para um lugar remoto: o convento de Montefano.
Que lugar você encontrou?
Desolador. Inativo há já algum tempo, encontrei no convento apenas um velho frade. Os anos passados na Gregoriana haviam reforçado em mim o desejo de estudar, e, em Montefano, não havia livros, não havia nada. Apenas aquele velho frade marginalizado. Eu passava o tempo dedicando-me à horta e às galinhas. Depois, um dia, vieram alguns jovens, passaram alguns dias comigo. Quiseram que eu lhes lesse e comentasse algumas passagens do Evangelho. Eu tentei, mostrando toda a minha inadequação. Foi então que pedi a permissão para poder continuar estudando.
Foi-lhe concedida?
Na Gregoriana, eu conheci um grande biblista: Juan Mateos, jesuíta espanhol, que vivia em um convento de Granada. Lá, passei dois anos muito bonitos e intensos. No fim deles, o Pe. Mateos me perguntou se eu queria entrar na ordem dele. Eu respondi que a vocação era de me tornar frade.
Por que você escolheu os Servos de Maria?
Porque é a única ordem que não tem um fundador. Na realidade, tem sete, mas o número deve ser entendido em sentido simbólico.
O que muda?
Sempre pensei que a figura do fundador ofuscava a de Jesus. Na nossa ordem, não há regras escritas. Há um “ditado” que se refere a Santo Agostinho e ao sentido da comunidade. Mas não pense que são tudo rosas e flores. Um frade me disse que, na nossa ordem, alguns trabalham para o Santo Ofício, e outros dão trabalho ao Santo Ofício. Não é por acaso que o superior-geral dos Servos de Maria me disse, em um momento de grande tensão, que eu era a vergonha da ordem!
Você nunca foi amado pelas autoridades.
Nunca tive uma boa relação com o poder. De Montefano, fui enviado para Bolonha, onde, por falar em excelentes inquisidores, estava o cardeal Biffi. Homem de grande doutrina e de ortodoxia pura. Não lhe agradaram os meus comportamentos. O ar se tornou rapidamente irrespirável. Meu sonho, na época, era passar um período na École Biblique de Jerusalém. Um lugar célebre pelos seus estudos. A ordem se recusou a me pagar a taxa. Alguns amigos me providenciaram. Passei dois anos na École, fundada pelos padres dominicanos e liderada por um homem extraordinário: Marie-Émile Boismard.
Você tem uma história rica em conflitos. Você mencionava à sua idiossincrasia em relação à submissão. O que não funciona no poder?
É uma palavra que quase sempre cai do alto, delineia hierarquias e tarefas das quais você frequentemente é um instrumento inconsciente. Quando alguém lê os Evangelhos, entende imediatamente que o poder domina através do medo, depois mediante a recompensa, por fim, com a persuasão. Se o poder o convence de que o servir é a escolha ideal, você não tem mais esperança. Eu não sou contra a obediência. Sou contra o poder que pretende não fazer você pensar com a sua cabeça.
Digamos que você é contra a idolatria do poder.
A idolatria é o último passo da persuasão. Há exemplos no campo da publicidade.
Você pensa em algo em particular?
Houve um período da minha vida, antes que eu me engajasse na prefeitura de Ancona, em que eu trabalhava em uma fábrica de gravatas. Eu tinha a tarefa de preparar pacotes de gravatas normais, luxo e extra-luxo. A gravata era sempre a mesma, mudava apenas o pacote e, naturalmente, o preço. Você entende o poder da persuasão?
No fundo, nas suas homilias, você também precisa persuadir. Ou não?
O meu sonho, por um longo tempo, foi o de me assemelhar ao Cura d’Ars. Eu havia lido o livro que Georges Bernanos lhe dedicara e me fascinava poder ser um confessor e um guia espiritual como ele foi: João Maria Vianney, um homem do apostolado extraordinário. Depois, aprofundando os Evangelhos, entendi que os motivos para me tornar padre desapareciam. Entendi que eu não havia sido chamado para estar acima, mas abaixo. Compreendi que mesmo o fato de me colocar como guia espiritual é uma forma de poder, de persuasão. E descobri que eu poderia compreender melhor as coisas que não estavam claras para mim apenas partindo da misericórdia. Esse é o sentido que eu busquei e encontrei na relação com os outros e com os marginalizados.
Houve algum momento em que essa relação entrou em crise?
Nunca, todas as vezes que me pareceu que eu não conseguiria, até mesmo quando fui dado quase por morto, encontrei as forças para prosseguir.
Você contou a experiência da doença em um de seus livros. O que você tinha de especial para escrever sobre isso?
Nada, eu escrevi e me comuniquei com muitas pessoas porque era um modo de não enlouquecer e de me sentir vivo ainda. Aconteceu de repente. Um infarto na manhã de 9 de abril de seis anos atrás. Segunda-feira do Anjo. No dia anterior, eu havia celebrado a Páscoa com muitas pessoas. Eu estava feliz, sereno. Foi como uma punhalada. E eu me lembro pouco daquele momento. A ambulância para o hospital de Ancona. As agulhas no corpo. A dor muito forte. O medo de não conseguir. Depois, tudo isso se tornou um livro.
Você teve medo?
Não, apenas a experiência de morrer pareceu se aproximar de tudo aquilo que eu havia realizado com alegria e abnegação. Eu escrevi quatro linhas em um pedaço de papel sob a forma de instruções para o funeral. Depois, a cirurgia na aorta. As semanas passadas na terapia intensiva e os meses na convalescença. Foi um período duro. Tinha o corpo enfraquecido e a ideia de ser um conjunto de órgãos que um grupo de médicos examinava com obstinação científica. E eu me perguntava: eles veem o corpo. Mas sabem ver a pessoa que está por baixo?
Que resposta você deu a si mesmo?
Eu não tenho uma resposta. Mas, para romper aquela sensação de anonimato que vigora em um hospital, é muito importante a maneira como você se relaciona com os outros: com aqueles que cuidam de você, não só os médicos, principalmente os enfermeiros. Entrei em abril e saí em julho. Passei os três anos seguintes reunindo as poucas forças que me restavam. Esta também foi uma experiência fundamental.
Como você imagina o além?
Nos Evangelhos, não existe o além, porque o além é aqui embaixo. Quando eu não estiver mais, vou continuar estando aqui, talvez de uma forma diferente, com a bagagem das coisas que fiz e que levarei comigo. A Igreja tornou assustador o momento da morte. Mas os Evangelhos ensinam que não se deve contrapor a vida à morte. Mas sim ver tanto o nascimento quanto a morte como dois aspectos importantes da vida eterna, momentos do mesmo dom.
Como você faz para gerir um convento que eu vejo cheio de coisas bonitas, ícones, quadros e também o centro de estudos, com a biblioteca? É tudo muito desafiador. De onde vem o dinheiro?
Eu gosto da franqueza com que você faz a pergunta. O dinheiro vem do nosso trabalho. Dos livros que eu publico, do ensino, da associação dos amigos bíblicos. Nem um centavo provém da Igreja. Ser economicamente independente é garantia de liberdade. Quanto aos ícones, eu gosto deles. Eu também os pintei no passado. Depois, parei, porque roubavam o meu tempo.
Antes de você, na ordem dos Servos de Maria, esteve David Maria Turoldo. Que recordações você tem dele?
Um homem extraordinário que, no início, me impressionava. Ele expressou grande participação no meu trabalho. E foi uma surpresa. Ele queria que eu ocupasse o seu lugar em Milão para continuar o seu trabalho. Ele estava indo embora. Eu disse: David, eu não posso, porque me tornaria o guardião da tua memória. Admirando-te demais, acabaria te parodiando. É preciso servir o outro com o coração.
Não é uma frase abusada?
Cada frase, cada palavra se expõe à repetição ou à magia da persuasão. Porém, com Jesus, começa uma era nova, a da fé, na qual não são os homens que estão a serviço de Deus, mas sim Deus que se põe a serviço dos homens. Não é mais um Deus que reivindica, mas sim um Deus que dá. É uma mudança radical de perspectiva que a política e a sociedade civil deveriam aprender a reconhecer e a praticar com um pouco mais de frequência.
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O poder da conversão. Entrevista com Alberto Maggi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU