26 Setembro 2017
O arcebispo italiano Angelo De Donatis não é um nome que seja familiar para os católicos fora da Itália. Até mesmo dentro do Bel Paese, o católico médio teria dificuldade em identificar quem ele é ou o que ele faz. Mas, nos próximos meses e anos, isso deverá mudar.
A reportagem é de Robert Mickens, publicada por America, 22-09-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
De Donatis é um prelado de 63 anos que o Papa Francisco nomeou em maio passado como seu vigário-geral – ou seja, o líder delegado – da diocese de Roma.
Após a sua nomeação para esse posto-chave, muitos escritores descreveram o novo vigário do papa como um “padre do povo” e, como ele já era um dos auxiliares de Roma há dois anos, como um “bispo próximo dos seus padres”.
Na realidade, em grande parte do seu ministério ordenado, De Donatis foi pároco e um diretor espiritual muito procurado. Antes da sua ordenação episcopal em 2015, ele era responsável pela educação permanente do clero de Roma.
E também há um pequeno detalhe: o Papa Francisco pessoalmente o escolheu para ministrar o retiro anual de Quaresma da Cúria Romana em 2013.
Há uma razão muito boa para o papa ter catapultado De Donatis a esses importantes papéis.
Ele tem uma visão pastoral e um estilo de liderança que é quase idêntico ao do atual papa. E ele sabe como pregar!
Isso ficou claro na semana passada, quando o arcebispo ofereceu uma reflexão sobre as Escrituras provocadora e, eu diria, profética, como conclusão de uma oficina de três meses de duração, conhecida como a convenção pastoral diocesana anual (ele também anunciou algumas iniciativas e metas pastorais específicas para o próximo ano, inspiradas no texto bíblico).
O foco da fala do arcebispo De Donatis foi a juventude. Não apenas no sentido genérico, mas especificamente os jovens de Roma.
O texto sobre o qual ele pregou foi o dos Atos dos Apóstolos (20, 7-12).
No primeiro dia da semana, estávamos reunidos para a fração do pão. Paulo, que devia partir no dia seguinte, dirigia a palavra aos fiéis, e prolongou o discurso até meia-noite. Havia muitas lâmpadas na sala superior, onde estávamos reunidos. Um jovem, chamado Êutico, que estava sentado na beira de uma janela, acabou adormecendo durante o prolongado discurso de Paulo; vencido finalmente pelo sono, caiu do terceiro andar para baixo. Quando o levantaram, estava morto. Então Paulo desceu, inclinou-se sobre o jovem e, abraçando-o, disse: «Não se preocupem, porque ele está vivo.» Depois subiu novamente, partiu o pão e comeu. Ficou conversando com eles até de madrugada, e depois partiu. Quanto ao jovem, o levaram vivo, e sentiram-se muito confortados. [trad. Bíblia Pastoral]
Em poucas palavras – e eu temo que isso não faz justiça à sua reflexão longa e cuidadosamente meditada – o arcebispo usou essa passagem dos Atos como um espelho do que realmente está acontecendo hoje na Igreja e, especificamente, na diocese do papa.
De Donatis basicamente disse que, neste período “riquíssimo e exigente” após o Concílio Vaticano II, em que os católicos “redescobriram com alegria a centralidade do encontro com o Ressuscitado, da escuta da Palavra de Deus, a beleza de celebrar juntos partindo o pão eucarístico na fé e na caridade fraterna, justamente o componente juvenil das nossas comunidades lentamente se deslocou para a janela”.
Ele sugeriu que os jovens ficaram alheios e adormeceram.
“Talvez, como Paulo, falamos demais sobre coisas que têm pouco a ver com a vida do jovem Êutico... Talvez faltou-nos a empatia e não nos demos conta daquilo que Êutico sentia, de como o seu dia, talvez vivido em solidão, foi pesado e cansativo”, continuou o arcebispo.
“Talvez não tenhamos sido bons em nos dar conta de que até mesmo Êutico tinha algo a dizer, das perguntas a serem feitas, que o teriam ajudado a entrar no Mistério ‘à sua maneira’, a personalizar o anúncio que ele escutava”, disse ele.
O arcebispo De Donatis se perguntou se, como Êutico, muitos dos nossos jovens católicos, de modo figurado, também não caíram e morreram.
“É com tristeza enorme que vemos tantos jovens das nossas cidades – justamente porque, nos seus percursos de crescimento, o Evangelho já está praticamente ausente – achatarem-se na mediocridade, perderem a capacidade de sonhar, fechar-se no individualismo”, lamentou o arcebispo.
“Por isso, o gesto de Paulo é exatamente aquele que nós, comunidade cristã, somos chamados a atualizar: deixar todas as outras ocupações, descer ao andar térreo, lá onde se encontra o jovem Êutico sem vida, lançar-nos sobre ele para abraça-lo e restituir-lhe a vida do Espírito”, disse.
O vigário do papa sugeriu que a maneira de fazer isso é entrar no mundo real dos jovens de hoje e caminhar com eles através das suas dúvidas e dos seus desapontamentos, da sua recusa a aceitar modos excessivamente formais e rígidos de fazer as coisas. Ele disse que devemos tentar discernir “quais frestas e caminhos o Espírito Santo está abrindo na interioridade dos nossos jovens”.
Depois, ele citou as invocações do Papa Francisco na Evangelii gaudium por uma “conversão pastoral e missionária que não pode deixar as coisas como estão” (EG, 25).
O arcebispo De Donatis disse que o perigo real não é que o proverbial Êutico tenha adormecido, mas sim que a nossa comunidade católica tenha adormecido!
É quase certo que o Papa Francisco fará do seu vigário-geral um delegado da próxima sessão do Sínodo dos Bispos em outubro de 2018, quando o tema é “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”.
E, senão antes, esse será o momento em que mais pessoas começarão a reconhecer o nome “Angelo De Donatis”.
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Os jovens ''Êutico'' de hoje e o desafio ''paulino'' da Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU