19 Fevereiro 2015
"Penso que a Europa saberá defender-se, mas o torvelinho e as mensagens que o ISIS lança criarão dificuldades por décadas: sempre se encontram indivíduos prontos a fazer-se explodir ou a realizar atentados de modo imprevisto. É uma situação muito mais grave do que em anos passados. Até agora o Ocidente só tem procurado conter este perigo do ISIS, mantendo-o fechado no Oriente Médio, mas com os ataques de Paris e de Copenhague o problema se difundiu agora na Europa e no Ocidente. O Ocidente resguarda os seus interesses econômicos e políticos, enquanto o Oriente Médio sufoca na falta de democracia por causa de regimes que o próprio Ocidente sustenta", escreve Samir Khalil Samir, egípcio, jesuíta, islamólogo de renome internacional, professor do Pontifício Instituto Oriental de Roma, publicada por Asia News, 16-02-2015. A tradução é de Benno Dischinger.
Eis o artigo.
O estado islâmico ameaça de modo direto a Itália e a Europa. O maior risco é a força de imitação que pode impelir os “lobos solitários” a golpear. O jihadismo dá um objetivo a jovens muçulmanos europeus em crise de identidade e de valores. O uso despropositado e novo da palavra “cruzada”. Uma operação militar para reduzir a força nociva e leta dos islamitas. Com o ataque terrorista a Copenhagen faz dois dias, é evidente que exista uma escalação do terrorismo islâmico sempre mais viva na Europa. Mais precisamente, no vídeo da decapitação dos 21 egípcios copas, um dos cheios de orgulho de estar “ao sul de Roma”. Em suma, estes terroristas estão agora para ocupar a Europa. No seu fanatismo violento e sanguinário, sua tentativa de “invasão” é apresentada com fortes acentos confessionais, como uma “anti-cruzada”.
Todos os países europeus estão preocupados ao ver que o terrorismo se aproxima. Por enquanto se trata de um terrorismo espontâneo, de indivíduos, mas é claro que a provocar estes objetivos de violência é a força de imitação que o terrorismo organizado gera nos jovens europeus. Esta nova era de terrorismo fascina jovens em dificuldade. O suposto killer dinamarquês era alguém que já tinha estado em prisão; também os dois autores de atentado franceses de Charlie Hebdo e do negócio kosher o eram. O terrorismo organizado oferece um objetivo a jovens muçulmanos europeus em crise de identidade e de valores. Todos estes jovens autores de atentados nasceram na Europa, filhos de imigrantes islâmicos.
Um conflito confessionalizado
Todo o mundo está em crise, mas para os muçulmanos ela tem a ver com a religião. Por isso, para eles a crise apresenta uma fisionomia confessional.
Certamente há acentos confessionais também na Europa: muita direita europeia agita suas ameaças contra os cristãos para coletar consenso; nos Estados Unidos há assassinatos de muçulmanos justificados como guerra confessional: o premiê israelense Benjamin Netanyahu continua citando as violências que sofrem os cristãos no Oriente Médio para justificar o isolacionismo de Israel na região. E agora – a um mês das eleições israelenses – impele os hebreus na Europa a emigrar para Israel, a fim de ter mais segurança! Fiquei muito contente que o grande rabino da Dinamarca tenha clareado a situação e tenha criticado Netanyahu por esta oferta.
De fato cada Estado está se aproveitando da crise terrorista em função dos próprios interesses: os Estados Unidos procuram retomar certa liderança sem fazer muito; Israel procura justificar o seu ser “indispensável “ à salvação dos hebreus; a Europa está em afã por suas necessidades energéticas. Mas, este empenho do Ocidente contra o terrorismo tem enormes falhas. Por exemplo, os desafios e as violências de Boko Haram na Nigéria, ou os massacres contra as minorias cristãs e yazidi no Iraque, não recebem a mesma atenção.
Minha impressão é que já se tenha formado um movimento terrorista em nome do Islã. No início este era focado somente no conflito sunita contra os xiitas e em parte continua assim em nível local (v. Líbano, Paquistão, Iraque...); agora se ampliou para um conflito de islamitas contra o Ocidente, onde o Ocidente é definido sempre como “cruzado”, para o qual a luta é entre islamitas e cristãos. A palavra “cruzado” na boca dos muçulmanos emergiu mais ou menos nos últimos vinte anos. Nos livros de história, também aqueles sobre as cruzadas, a palavra que se usava para indicar os combatentes pelo Santo Sepulcro eram “firing, francos”. Agora ao invés, para definir um ocidental ou qualquer cristão se usa a palavra “salibi”, de invenção recente. Esta palavra teve grande sucesso na propaganda islamita e na adesão de novos recrutas. É destes dias a notícia que Ansar-al-islam entrou no ISIS com mais de mil homens.
O ISIS aparece como um grupo vencedor, eficaz e por isso os vários grupetos esperam nele entrar para ter mais glória, mas também mais dinheiro e financiamentos. Isto do financiamento do ISIS e das armas que lhes são fornecidas é realmente um problema que ninguém enfrenta. Nestes dias eles ameaçaram os seus inimigos com Scud: estes não são joguinhos, mas se originam de enormes vendas e cessões. Agora o ISIS está assumindo uma nova dimensão: a aproximação à Europa. Isto advém tanto com os pequenos loucos locais, os assim ditos “lobos solitários”. Os seus atentados fazem poucos mortos em confronto com as centenas e milhares assassinados pelo ISIS no Oriente Médio, mas causam forte impressão e clamor porque ocorrem na Europa.
Líbia, o posto avançado do Estado islâmico
O ISIS escolheu agora a Líbia como seu posto avançado. Aos seus olhos a Líbia apresenta muitas vantagens: é um País esfacelado, onde nada funciona e as milícias têm por isso a liberdade de fazer tudo o que querem; é um País que tem o petróleo, pelo que, se o ISIS ocupa poços e refinarias, poderia ter fundos sem fim para continuar sua luta. Se os jihadistas conquistam toda a Líbia, não necessitarão mais do subsídio da Arábia Saudita e do Qatar: serão autônomos do ponto de vista financeiro. Também o ataque contra o Kurdistão tem o mesmo objetivo: ocupar os poços de petróleo do Norte do Iraque para garantir-se uma fonte de entradas. O Si também mira estas zonas a fim de continuar o avanço para a Europa.
Citar a Itália, como eles o fizeram dizendo que “estamos no sul de Roma”, é um passo estratégico: a Itália é a nação europeia mais próxima da Líbia (sem contar a ilha de Malta). Para conquistar a Itália eles citam um estranho dito de Maomé, que não se entende de onde tenha sido tirado. Estamos por isso passando de um evento islã-islã a um projeto mais amplo, visando a Europa, embora sem esquecer a ocupação do Oriente Médio e o califado.
Penso que a Europa saberá defender-se, mas o torvelinho e as mensagens que o ISIS lança criarão dificuldades por décadas: sempre se encontram indivíduos prontos a fazer-se explodir ou a realizar atentados de modo imprevisto. É uma situação muito mais grave do que em anos passados. Até agora o Ocidente só tem procurado conter este perigo do ISIS, mantendo-o fechado no Oriente Médio, mas com os ataques de Paris e de Copenhague o problema se difundiu agora na Europa e no Ocidente. O Ocidente resguarda os seus interesses econômicos e políticos, enquanto o Oriente Médio sufoca na falta de democracia por causa de regimes que o próprio Ocidente sustenta.
A saída da guerra é então a única possível? Neste momento eu temo que seja um passo inevitável. É de esperar que não exploda uma verdadeira e própria guerra, mas que haja uma operação militar que reduza a força nociva desses terroristas. É evidente que esses terroristas são pessoas adestradas, capazes, eficientes. Os seus vídeos também são perfeitos do ponto de vista técnico, espetacular com os seus ritos. Esta propaganda gera terror em todos e difunde o sentido de que atualmente o humanismo é um valor perdido. A verdadeira e única solução está, todavia, no pensar o Islã em função do mundo hodierno.
Repensar a sharia em função da cultura do homem moderno e da Carta universal do Homem, sem cair no libertinismo e no secularismo ocidentais. Esta é a revolução cultural e religiosa que muitos muçulmanos desejam e tentam fazer, mas não são apoiados por religiosos que decidem interpretações do Corão e da Sharia. Recentemente, aos 28 de dezembro passado, o presidente Egípcio, o general Al-Sisi, solicitou aos imãs da Universidade islâmica mais famosa do mundo, Al-Azhar, de promover “uma revolução religiosa”.
Esta revolução, esta reforma é indispensável. Estou convencido que os imãs muçulmanos não estão em condições de realizá-la neste momento. Mas, penso que nós cristãos podemos (e devemos) ajudá-los a realiza-la, revendo ao mesmo tempo também as nossas próprias posições no Ocidente, para reencontrar os valores comuns à humanidade e o respeito das crenças de todos os povos, também se diversas das nossas.
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Ataque à Europa: o terrorismo islâmico abre uma nova era - Instituto Humanitas Unisinos - IHU