Por: Ana Paula Abranoski e Viviane Aparecida Ferreira de Lara Matos | 08 Agosto 2017
“Sonhos, lutas e resistências!”. Foi com esse desejo que, na última sexta-feira, dia 04 de agosto, adolescentes e jovens do Colégio Estadual Polivalente, do Bairro Boqueirão, na periferia de Curitiba, participaram da I Noite Cultural, oferecida pelo CEPAT, pelo ciclo de debates e vivências Juventude e Democracia. Olhar para o chão da escola, nesses últimos doze meses, encarando a complexidade da sociedade com as(os) adolescentes e jovens, ouvindo os seus relatos dos impactos do capital, das decisões políticas, da mídia e da cultura de massa, interferindo cotidianamente em suas vidas, traz a todos os envolvidos uma grande responsabilidade.
Tais adolescentes e jovens não estão no período noturno a partir de uma decisão consciente de visão de projeto futuro para suas vidas, mas foram empurrados para essa condição pelo fato de seus direitos sociais fundamentais não serem garantidos. O direito à educação, no período escolar regular, é o primeiro a ser impactado. Frente às necessidades básicas, tornam o trabalho, nem sempre garantido pelo Estado, sua prioridade para complementar a renda da família ou para a aquisição de bens de consumo e serviços, como o celular e a internet.
Isto sem falar de outras violações de direitos, como o direito à convivência familiar e à saúde. Sentem falta de atendimentos especializados na área da saúde que poderiam complementar o processo educacional, como a possibilidade de terem acesso à fonoaudiólogos, psicológicos, psiquiátricas, entre outros.
Apesar de todas as dificuldades, as(os) adolescentes, jovens e adultos que estão na escola se alimentam diariamente da pulsão interna, do desejo de estudar para promover em suas vidas uma mudança, para realizar seus sonhos e, nesse movimento, percebemos o quanto, dentro de suas adversidades, são resistentes e resilientes.
O ciclo de estudos e vivências, com a I Noite Cultural, demonstrou o quanto as(os) adolescentes e jovens possuem a vontade da mudança social e o quanto estão ligados à realidade do país e dos impactos sobre suas vidas. E a sintonia dos participantes foi como a relação do artista e seu violão. Adolescentes e jovens que nunca se cruzaram, fizeram de uma noite cultural uma atividade de encontro, vivência e de ação política, já que também contamos com a participação especial de adolescentes e jovens inseridos em outros espaços.
Podemos dizer que foi uma noite cultural emocionante e intensa, no sentido poético que essas palavras possam vislumbrar! As expressões da cultura, com a poesia, a música e a dança provocaram a possibilidade da transformação social, palavra que expressamos com certo cuidado nos dias endurecidos de hoje.
As vozes, as expressões e os violões fizeram revelar talentos, criatividade, sentimentos, sonhos, lutas e ações de resistência que as(os) adolescentes e jovens estão produzindo em seus quartos e guetos da periferia de Curitiba e da Região Metropolitana.
A arte e a cultura são como os fios que tecem uma rede. Em todas as apresentações houve esta sensação, como, por exemplo, a partir do rap cantado pelos jovens artistas dos grupos Êxtase e Stone, com a crítica ao egocentrismo do atual momento político do Brasil. Questão social é CPF na Nota, música de destaque no trabalho do grupo Stone, sintetiza a crítica ao Estado, que propõe ações pontuais de devolução de recursos financeiros para a população e que promove reformas que ferem diretamente os direitos trabalhistas e sociais da mesma.
Abaixo, listamos outras intervenções:
Murilo Skroch, 21 anos. “Sempre ouvi rap, desde pequeno. Mas, o rap começou a fazer parte de mim, após a morte de meu primo. Em 2010, comecei a cantar com um amigo, Matheus Andreoli, do grupo Êxtase, na brincadeira. O rap é uma arma que muda a trajetória das pessoas, através dele podemos mandar uma mensagem de vida.”
Lucas Lima, 21 anos, estudou no Conservatório de Música Popular de Curitiba, toca bateria desde os nove anos de idade na Igreja. Canta e toca música para encher de vida as pessoas.
Piero Palmonari, 18 anos. Toca violões e canta.
Ana Clara Nunes, estudante e ativista política, de 14 anos. Permaneceu 24 dias na ocupação de sua escola, em 2016, contra a Reforma do Ensino Médio, movimento conhecido como a Primavera Estudantil. “O governo Temer não nos ouviu, não abriu um debate, não foi democrático, ele fez o que o capital quis, mas valeu ter lutado porque se não podemos aprender a sermos críticos na escola, vamos aprender em outros lugares”, enfatiza.
Isis Cristina, estudante da UFPR, poeta e ativista política, 18 anos, traz em suas poesias a sua luta “Eu quero mudar. Eu quero mudanças nessa sociedade hipócrita, nessa sociedade preconceituosa e mesquinha. Eu quero mais ação e menos conversinhas.
Passamos da hora de mudar!”
Na apresentação do pop rock, Lumie Nunes, 16 anos, cantou Invisível, música de sua autoria e uma das mais aplaudidas da noite. A música reflete o drama das(os) adolescentes e jovens ao serem invisibilizados na sociedade.
Larissa Ferreira, 24 anos, Ricardo Moser Ferreira, 27 anos e Rodrigo Pankevicz, 32 anos, trouxeram músicas dos artistas brasileiros que carregam em si a paixão pela vida e pela mudança: É preciso saber viver, dos Titãs, Pescador de ilusões, de O Rappa, e Que país é esse, do Legião Urbana.
A dança apareceu como forma de comunicação e resistência, expressa nos comportamentos e atitudes com os quais adolescentes e jovens se posicionam diante de si mesmos e da sociedade.
Os dançarinos Gabriel Santana e Silvester Neto, jovens negros e da periferia, mostraram que através da música e da dança o corpo e seu visual são mediadores para se colocarem diante do mundo e que são atitudes políticas. Silvester Neto testemunhou ser ex-menino de rua, venceu as drogas e o preconceito de raça e de gênero através da dança.
Santana e Neto são dançarinos na Sociedade Operária Beneficiente 13 de Maio, clube social negro de 128 anos, o terceiro mais antigo do país em funcionamento. A experiência de Um Baile Bom é um movimento-festa-ato político de mobilização da comunidade negra de Curitiba e Região Metropolitana, por meio de um baile black.
Letícia Bandeira, 16 anos, João Vitor Campos dos Santos, 17 anos, e Matheus Arruda, 18 anos, expuseram suas fotografias, registradas durante os ciclos de debate que ocorrem no Colégio Estadual Polivalente. “A paixão por fotografar e registrar momentos da vida está presente em nós”, disse um deles.
Foi uma vivência intensa, de uma atividade que já parece que tinha saído de moda. Encontramos alguns jovens que possuem a coragem de se expor ao mundo via internet, mas que são tímidos na hora de se socializarem pessoalmente. Foi um momento para apresentarem sua arte e, ao mesmo tempo, acolher sua avaliação.
Ninguém de nós saiu da mesma forma que chegou. Alguns, inclusive, nem queriam ir embora. Se houvesse mais tempo, ficariam.
A noite foi de rica participação, de confraternização. Foi um momento para enxergamos as diferenças, sentindo parte da mesma humanidade. Essa atividade parece ter tocado a vida daqueles que frequentam o Colégio ou vieram de cada canto da cidade. Trabalhamos com as concepções culturais, sociais e políticas, e as juventudes deram o retorno: “é necessário e se faz urgente mover essa sociedade”. Quanto aos desafios do presente, diante dos caminhos para o futuro, nossa disposição é caminhar, acolher e proporcionar esta presença.
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A produção cultural de jovens e adolescentes como forma de resistência - Instituto Humanitas Unisinos - IHU