“A luta do povo palestino é decisiva para a luta contra toda a opressão e exploração capitalista”. Entrevista especial com Bruno Gilga, a bordo da Flotilha Global Sumud

Dezenas de embarcações civis e pacíficas rumam em direção a Gaza levando comida para quem tem fome e esperança para quem nem sequer acredita na sobrevivência

Flotilha Sumud no porto | Foto: Esquerda Diário

03 Setembro 2025

A maior missão civil para Gaza começou sua jornada. Os primeiros barcos zarparam do porto Moll de Fusta, em Barcelona, em 1º setembro, com 50 barcos e mais de 500 voluntários a bordo e uma missão: romper com o cerco israelense à Faixa de Gaza. Até o dia 4 de setembro, outros embarques ocorrerão na Tunísia, Sicília e Grécia. A iniciativa, Flotilha Global Sumud, conta com ativistas de 44 países e uma frota de barcos que pretende abrir um canal humanitário definitivo e deixar uma mensagem: o que acontece em Gaza é genocídio.

O Mediterrâneo não é um ponto de partida casual desta viagem. O mar, palco de tragédias e cemitério de imigrantes, agora vira cenário de esperança. As embarcações, que vão percorrer as rotas que foram marcadas por guerras e por tráfico de pessoas, levam a inédita missão naval civil, que vai clamar por vida e dignidade ao povo palestino.

Se a Flotilha atingir seu objetivo, vai encontrar um cenário impossível de descrever com palavras, cuja desumanização ultrapassou todos os limites civilizatórios. Com mais de 90% da Faixa de Gaza destruída, o número de mortos ultrapassando 64 mil, e 2,3 milhões de palestinos forçados a se deslocar internamente, a Palestina vive uma catástrofe humanitária sem precedentes. Somente nesta terça-feira, 2 de setembro, o Ministério da Saúde em Gaza informou que 78 palestinos morreram, sendo a causa da morte de 13 pessoas a fome e a desnutrição. Entre as vítimas, três crianças. 

Um enclave devastado, que enfrenta fome, doenças e bombas. Por isso, o aumento da solidariedade ao povo palestino. Uma onda, conforme pontua Bruno Gilga, que decorre, por um lado, do “horror ilimitado da violência e da barbárie que o Estado ilegítimo de Israel está impondo contra o povo palestino. E, por outro, pela enorme resiliência do povo palestino, que há décadas resiste ao genocídio, e com a sua luta nos ensina sobre como enfrentar o imperialismo e a opressão capitalista”.

Bruno Gilga, que está com a primeira tripulação que partiu de Barcelona, é coordenador e porta-voz da delegação brasileira da Global Sumud Flotilha. Na entrevista a seguir, concedida por WhatsApp ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, o ativista explica que esta é uma missão humanitária, não violenta, de solidariedade ao povo palestino. “O objetivo é romper o circuito ilegal e imposto pela entidade sionista, o Estado ilegítimo de Israel, sobre a Palestina e, em particular, a Faixa de Gaza, levando ajuda humanitária”, complementa.

Junto com a comida e os alimentos, assinala o entrevistado, levam também uma mensagem: “os povos oprimidos do mundo e a classe trabalhadora internacional não são coniventes com os governos ou os apoiam, no caso dos países imperialistas. Mas, estão juntos com o povo palestino, querendo fortalecer a sua luta contra o genocídio e por uma Palestina livre”.

Bruno Gilga na bordo da Flotilha (Foto: Esquerda Diário)

Bruno Gilga é coordenador e porta-voz da delegação brasileira da Global Sumud Flotilha. É trabalhador da USP, ativista do Sindicato de Trabalhadores da USP (SINTUSP) e da CSP-Conlutas. Também dirige o Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT), seção brasileira da Fração Trotskista pela reconstrução da Quarta Internacional (FT-QI).

Confira a entrevista.

IHU – Sei que o tema é bastante conhecido por quem está engajado no tema da Palestina, mas considerando um público mais amplo, eu gostaria que o senhor começasse explicando o que é a Flotilha Global Sumud. Qual sua finalidade e quantas embarcações devem fazer parte? Já há uma estimativa do número de participantes?

Bruno Gilga – A Global Sumud Flotilha é uma missão humanitária, não violenta, de solidariedade ao povo palestino. Uma missão marítima, maior do que todas as anteriores somadas. É organizada por delegações de mais de 44 países e envolve milhares de ativistas, sendo grande parte deles embarcados e parte em equipe de terra. São dezenas de embarcações.

O objetivo é romper o circuito ilegal e imposto pela entidade sionista, o Estado ilegítimo de Israel, sobre a Palestina e, em particular, a Faixa de Gaza, levando ajuda humanitária e uma mensagem: os povos oprimidos do mundo e a classe trabalhadora internacional não são coniventes com os governos ou os apoiam, no caso dos países imperialistas. Mas estão juntos com o povo palestino, querendo fortalecer a sua luta contra o genocídio e por uma Palestina livre.

IHU – De qual porto será sua partida e em qual data? Os outros brasileiros que estão na iniciativa viajam com você?

Bruno Gilga – Eu parti do porto de Barcelona junto com a maior parte da delegação brasileira no dia 31 [de agosto]. Fizemos um teste marítimo, voltamos ao porto e saímos novamente no dia 1º [de setembro]. Alguns dos ativistas da delegação brasileira partem da Itália no dia 4 [de setembro]. Estamos viajando espalhados por vários barcos. Eu viajo em um barco com mais dois brasileiros e dezenas de ativistas de vários países. Os barcos juntam ativistas de diversas nacionalidades.

IHU – Existe uma estratégia para romper o bloqueio naval de Israel? Quais os riscos implicados nesta ação?

Bruno Gilga – O que se exige, não só dos governos do Mediterrâneo, mas de todos os governos do mundo, em particular das dezenas de países que têm delegações representadas nessa missão, é que rompam com sua conivência e exijam passagem livre para os barcos da Flotilha. Além disso, exigimos o rompimento de relações com entidades sionistas para abandonar a sua cumplicidade com o genocídio em curso, frente às violações cada vez maiores dos direitos humanos por parte do Estado ilegítimo de Israel.

IHU – Há um ponto que os organizadores buscam deixar claro: trata-se de uma ação pacífica e não violenta. O que se espera do ponto de vista da defesa dos países mediterrâneos em salvaguardar a segurança das embarcações que partem em direção a Gaza?

Bruno Gilga – Essa é uma missão humanitária não violenta. Portanto, ela tem garantias da Lei Internacional e das decisões da Corte Internacional de Justiça para poder navegar e não pode ser parada.

Sabemos que a entidade sionista, ainda assim, passando por cima da Lei Internacional, parou missões anteriores. Mas essa é a maior missão humanitária marítima da história em apoio ao povo palestino. Então a pressão política é ainda maior.

Se o Estado ilegítimo de Israel, ainda assim, tentar parar essa missão passando por cima das leis, o que podemos dizer e o que tem acontecido até agora, é que a cada vez que fizeram isso, a próxima onda foi muito maior.

Sobre os riscos, a verdade é que o maior risco seria não fazer nada e viver em um mundo, onde um genocídio de tamanha brutalidade, pode seguir adiante com a conivência de todas as instituições e aceitar [a limpeza étnica]. Isso atingiria a todos nós.

A luta do povo palestino é decisiva para a luta contra toda a opressão e exploração capitalista, contra todo o imperialismo em todo o mundo.

IHU – Pode-se dizer que esta é a maior missão humanitária coletiva, reunindo ativistas de todas as partes do globo, em favor da população civil gazense que vem sendo massacrada no próprio território? Por quê?

Bruno Gilga – Porque nunca houve uma missão nessa escala, nessas dimensões. Ela é maior do que todas as anteriores somadas.

E isso expressa o crescimento do fenômeno de solidariedade internacional ao povo palestino. Um crescimento que é movido, em parte, pelo horror ilimitado da violência e da barbárie que o Estado ilegítimo de Israel está impondo contra o povo palestino. E, por outro, pela enorme resiliência: Sumud, no árabe do povo palestino, que há décadas resiste ao genocídio, e com a sua luta nos ensina sobre como enfrentar o imperialismo e a opressão capitalista.

IHU – "Sumud" em Árabe, quer dizer "perseverança", "resiliência", "resistência firme". Por que a escolha desse nome e qual a importância desta missão no atual contexto?

Bruno Gilga – A escolha desse nome é justamente porque a resiliência palestina, Sumud, ensina a todos os povos do mundo a lutar contra toda a forma de opressão e exploração. Por isso mesmo, já estava presente no nome do Comboio Sumud, que atravessou os países do norte da África tentando chegar à fronteira com a Faixa de Gaza, em junho, e da Sumud Nusantara, a iniciativa do sudeste asiático, em particular da Malásia. Essas são duas das quatro organizações que formaram a atual coalizão junto com o Movimento Global à Gaza, que organizou a Marcha Global à Gaza através do Egito, também em junho, e a Flotilha da Liberdade, responsável pela organização de muitas iniciativas humanitárias por mar desde o início do bloqueio ilegal de Israel sobre a Faixa de Gaza, há 17 anos.

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