14 Mai 2025
José "Pepe" Mujica, que faleceu aos 89 anos, começou a vida como agricultor, tornou-se guerrilheiro e passou anos na prisão antes de se tornar presidente do Uruguai.
A reportagem é de Nicolas Martin, publicada por DW, 13-05-2025.
O ex-presidente do Uruguai José "Pepe" Mujica morreu aos 89 anos. Ele estava em estágio terminal de um câncer de esôfago e recebia cuidados paliativos. Sua morte foi informada nesta terça-feira (13/05) pelo atual líder do país sul-americano, Yamandu Orsi. "Obrigado por tudo que nos deu e por seu profundo amor por seu povo", escreveu ele na postagem.
No auge da carreira como presidente do Uruguai, Mujica recebia um salário de 12,5 mil dólares. Desse valor, escolhera receber apenas um décimo. O restante doava, pois afirma que 1.250 dólares eram "mais do que suficiente" para viver, dividindo seu tempo entre o gabinete do Executivo e o trabalho no campo. Apesar de ter alcançado o posto mais desejado por muitos políticos, Mujica creditava à agricultura a verdadeira liberdade. Sempre a bordo de um fusca azul-claro, o qual ele se recusou a vender mesmo por um milhão de dólares, o líder político carregava na carona a austeridade como símbolo de vida.
Fazendeiro da região oeste da capital uruguaia Montevidéu, Mujica jamais imaginou alcançar tamanha popularidade – e isso provavelmente nunca foi seu objetivo. Contrariando o previsto, tornou-se um dos mais emblemáticos líderes latino-americanos deste século, um personagem que ultrapassou a efemeridade de cinco anos de mandato como presidente e permanece como figura carismática e adorada nas redes sociais até a sua morte.
Presidente do Uruguai entre os anos de 2010 e 2015, Mujica se definiu como um "zoon politikon", um animal político, em entrevista que deu à DW pouco antes do fim do seu governo. "Estou na política desde os 14 anos de idade. E se eu não perder a cabeça, continuarei na política até que me carreguem para fora", afirmou à época, sabendo que a parte mais tumultuada da sua vida já havia ficado para trás.
Em maio de 2024, Mujica foi diagnosticado com um tumor maligno no esôfago e iniciou um tratamento com radioterapia que, por opção, foi realizado no Uruguai para ficar próximo da esposa, da fazenda e de seus colegas políticos. Tudo começou com um desconforto no trato digestivo. Na época prestes a completar 89 anos, Mujica também convivia com uma doença imunológica e insuficiência renal. "Enquanto aguentar o tranco, estarei aqui. Quero agradecer e transmitir aos jovens deste país que a vida é bela e difícil. E que se houver raiva, que a transformem em esperança. Lutem pelo amor", recomendou Mujica à época.
No início de julho de 2024, a médica pessoal de Mujica, Raquel Pannone, afirmou que um tratamento como o que o ex-presidente fez não permitia que ele estivesse em perfeitas condições de um dia para o outro. Mujica chegou a enfrentar uma infecção respiratória nesse período. Em janeiro, ele revelou que o câncer havia se espalhado por seu corpo e que ele não iria mais se submeter a tratamentos.
Mujica nasceu em Montevidéu, em 1935, em uma família de agricultores de origem basca e italiana. Aos cinco anos, perdeu o pai e, desde cedo, trabalhou com a irmã na fazenda de flores da família. Apesar da origem humilde, conseguiu ir à escola e estudou direito, mas não concluiu a formação superior. O período da universidade, porém, o aproximou do movimento estudantil.
Em pouco tempo, Mujica e outros fundaram o grupo de guerrilha urbana conhecido como Tupamaros. Naquela época, início da década de 60, havia desemprego em massa no Uruguai. Mujica sonhava com "uma sociedade sem classes sociais". Para isso, ele e os companheiros de grupo roubavam bancos, sequestravam políticos e colocavam bombas.
Mujica, no entanto, sempre afirmou que nunca havia matado ninguém. "Éramos ingênuos, mas nunca perdemos de vista o objetivo", disse Mujica certa vez em uma entrevista à DW.
Seus objetivos o levaram à prisão. Mujica chegou a ser detido quatro vezes, entre as décadas de 70 e 80, mas conseguiu escapar duas vezes, uma delas entrando em um túnel que dava para uma casa próxima ao presídio. Ele foi condenado pelo assassinato de um policial após um tiroteio com a polícia, em 1971. Ao todo, passou 14 anos preso, a maior parte desse período em uma solitária. Na prisão, foi torturado. Mais tarde, Mujica descreveu essa fase da vida como "rotina para aqueles que decidem mudar o mundo", comentando: "Durante esses anos na prisão, tive muito tempo para me conhecer".
De 1973 a 1985, o Uruguai foi governado por uma ditadura militar. Com a queda do regime ditatorial, foi aprovada uma lei de anistia sob a qual Mujica e outros presos políticos foram libertados. Ele e sua futura esposa, Lucía Topolansky, uma colega tupamara libertada na mesma época, se mudaram para uma pequena fazenda onde vendiam tomates e crisântemos e se dedicavam à atividade política.
Os Tupamaros evoluíram para o partido político de esquerda Movimento de Participação Popular (MPP) e, dez anos após sua libertação, Mujica foi eleito membro do Congresso. Em seu primeiro dia, foi ao parlamento de motocicleta, segundo uma história contada entre a população local. O porteiro, confundindo-o com um entregador, perguntou: "Você vai ficar muito tempo?". Mujica respondeu: "Espero que sim".
Suas esperanças se concretizaram. Em 2005, pela primeira vez em sua história, o Uruguai elegeu um presidente socialista: Tabaré Vázquez, líder da coalizão de esquerda Frente Ampla. Vázquez nomeou Mujica como ministro da Agricultura. Cinco anos depois, o próprio Mujica foi eleito presidente com 52% dos votos.
Mesmo no mais alto cargo do Estado, Mujica permaneceu fiel a si mesmo e frequentemente aparecia nas reuniões do gabinete vestindo um casaco, sandálias e uma calça velha. Nunca usava gravata, nem mesmo em ocasiões oficiais.
Tanto que quando usou um terno como convidado da Casa Branca, em 2014, a roupa estava mais curta do que o ideal. Apesar disso – ou talvez por causa disso – seu anfitrião, Barack Obama, o descreveu como uma pessoa de "credibilidade extraordinária". Para o renomado escritor uruguaio Eduardo Galeano, o compatriota "é um homem simples. As pessoas se reconhecem nele, e é por isso que ele inspira tanto entusiasmo e esperança".
Famoso por oferecer churrascos em sua casa, ele chegou a convidar para os encontros outros políticos latino-americanos, como o ex-presidente boliviano Evo Morales e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2023, Lula visitou a casa de Mujica em Montevidéu após ter vencido seu terceiro pleito. "Ele está muito mais maduro hoje em dia", brincou Mujica na ocasião. Os dois deram uma volta com o fusca, alternando a conversa entre português e espanhol.
Mujica chegou a visitar Lula na Superintendência da Polícia Federal, em 2018, quando o atual presidente estava preso. Na época, comentou que Lula estava de bom humor, alguns quilos a menos e lendo muitos livros. O uruguaio foi uma das lideranças mundiais a denunciar a detenção como prisão política. Em março de 2018, antes da prisão do petista, Mujica participou da caravana Lula pelo Brasil, na fronteira entre as cidades de Rivera, no Uruguai, e Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul.
Lula e Mujica se conheceram no Uruguai em 2005, durante a posse de Tabaré Vázquez. Em 2022, durante a campanha que reconduziu o petista ao seu terceiro mandato como presidente, Mujica esteve em São Paulo para o último ato eleitoral da campanha. Em 2012, Mujica visitou o Brasil e se encontrou com Dilma Rousseff para discutir cooperações bilaterais e integração regional.
Sobre a geopolítica mundial atual, Mujica chegou a comentar que Javier Milei só havia ganhado na Argentina por causa da inflação e criticou a Europa no conflito em andamento entre a Rússia e a Ucrânia. "A Europa teve que tentar abraçar o urso, trazê-lo para este lado", disse ele. Urso, no caso, era Vladimir Putin, a quem descreveu como uma estátua. "Ele não tem gestos."
Como presidente, Mujica, um ateu declarado, virou o país de cabeça para baixo. Ele legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o aborto, uma medida que estava bem à frente dos tempos predominantes na América Latina. Na lógica de Mujica, esse ato não era nem de esquerda nem liberal. "O mundo tem que aceitar certas coisas que são inalteráveis", disse ele.
Suas políticas socioeconômicas também foram um sucesso. Sob sua liderança, o desemprego, a pobreza e a mortalidade infantil diminuíram. Seu projeto mais controverso foi, provavelmente, a legalização da maconha para fins recreativos. Mujica acreditava que isso era algo que poderia ser testado em um país pequeno como o Uruguai. O experimento continua até hoje e outros países, como o Canadá, bem como muitos estados dos Estados Unidos, seguiram o exemplo.
Mas nem todos os seus planos foram adiante. Sua tão alardeada reforma educacional foi deixada de lado, assim como os grandes projetos de infraestrutura. Ele também teve que lidar com acusações de colegas da esquerda de que ele se aproximava das grandes corporações em questões relacionadas à agricultura e aos recursos naturais.
Devido ao seu estilo modesto, Mujica – ao contrário de tantos outros chefes de Estado latino-americanos – era geralmente considerado acima de qualquer suspeita de corrupção. Sua acessibilidade e pragmatismo provavelmente também foram a razão pela qual ele foi desculpado por muitos deslizes verbais, como quando chamou os funcionários da Fifa de "um bando de velhos filhos da puta", depois que sua seleção uruguaia foi eliminada da Copa do Mundo em 2014.
Após o fim de sua presidência em 2015, Mujica mediou as negociações de paz entre o governo colombiano e os guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), e continuou a contribuir para o debate político até pouco antes de sua morte.
Em 2020, ele renunciou ao cargo de senador. Em julho de 2024, Mujica recebeu do Partido Comunes de Colombia uma placa de reconhecimento por seu papel no acordo de paz firmado em 2016, que colocou fim a um dos conflitos mais longos da história ocidental. Em novembro de 2024, apoiou o candidato vitorioso na eleição presidencial uruguaia, Yamandú Orsi. Mesmo doente, chegou a participar de atos de campanha.
Mujica também comentava sobre questões políticas na DW, onde tinha uma videocoluna quinzenal intitulada Consciência Sul. Ele gostava de receber jornalistas no jardim ou no escritório de sua pequena casa.
José "Pepe" Mujica era um político atípico. Em comparação com outros chefes de Estado da região, sua modéstia parece quase surreal. Ao viver como viveu, deu o exemplo de uma nova cultura política.