08 Janeiro 2024
"Francamente, não dá mais: parece que a única grande questão para a vida da Igreja católica seja as mulheres e, sobretudo, o seu acesso ao sacerdócio!" Marinella Perroni não mede palavras. Segundo a teóloga, muitas vezes em torno do tema do sacerdócio feminino se desenvolve um estardalhaço, principalmente midiático, que pretende interferir nos longos e delicados processos que incidem hoje sobre a Igreja Católica. “Isso não significa, no entanto, que o tema não esteja na agenda. Mas as mulheres estão cansadas de serem consideradas uma "questão" para a Igreja. E acima de tudo, para desviar a atenção da verdadeira grande questão".
A entrevista é de Laura Bellomi, publicada por Famiglia Cristiana, 30-10-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Marinella Perroni, qual é a questão que desafia a Igreja hoje?
A reforma que agora vem sendo invocada de muitas partes do mundo é aquela que o Concílio Vaticano II havia delineado, pedindo que o assunto fosse abordado teologicamente e de maneira global, e sobre o qual grandes teólogos do pós-concílio iniciaram um repensamento muito sério: uma reforma abrangente do sistema ministerial católico romano. É pedido pelos tempos, é pedido pelo ecumenismo, é pedido pelo confronto inter-religioso. A última grande reforma da Igreja Latina remonta a Gregório VII (século XI), dado que aquela do século XVI proposta por Lutero foi rejeitada por Roma. Talvez depois de séculos e séculos, a Igreja não deveria ter problemas em se repensar: na Idade Média foi necessário fazer isso visto que o mundo havia mudado muito e o cisma do Oriente também havia mudado a própria igreja. Por que não fazê-lo agora que o mundo novamente mudou muito?.
No livro-entrevista Non sei solo. Sfide, risposte, speranze, de Francesca Ambrogetti e Sergio Rubin, Bergoglio reitera que a questão do sacerdócio para as mulheres é teológica e que as mulheres não podem ter acesso ao sacerdócio porque o ministério petrino não cabe a elas. O sacerdócio feminino é, portanto, uma questão teológica?
O Papa tem toda a razão: é uma questão teológica e deve ser abordada teologicamente. Diz respeito, de fato, à configuração eclesiológica que a própria Igreja decide dar-se nas várias épocas. Sempre funcionou assim. E é verdade que às mulheres não cabe o sacerdócio, mas porque na realidade não cabe a ninguém. Qualquer ministério eclesiástico nasceu porque as primeiras igrejas, que iam se inserindo nos territórios do Império Romano, precisavam estabelecer seu próprio ordenamento. A isso se deve à exclusão progressiva das mulheres que originalmente desempenhavam papéis relevantes nas comunidades dos crentes em Jesus. As igrejas nascentes, porém, não podiam pretender uma legitimação social se não concordassem em estruturar-se de acordo com as regras do patriarcado dominante.
O que significa abordar a questão do ponto de vista teológico?
Significa muitas coisas. Contudo, quero dizer que para o Magistério deveria significar sair finalmente da obsessão que dominou nas intervenções dos últimos pontífices, não excluído Francisco, aquela do duplo princípio, mariano e petrino, como fórmula mágica de configuração ministerial da igreja. Que a igreja precise viver a dupla dimensão, aquela institucional e aquela profética, ninguém nunca o questionou. Que, no entanto, isso possa ser simplificado com a atribuição de autoridade a Pedro e da misericórdia e do cuidado a Maria, já comporta um deslize perigoso. E que depois se chegue ao ponto de dizer que a autoridade compete aos homens, porque Pedro representa o universal masculino, enquanto o sentimento e o cuidado são reservados às mulheres, visto que Maria representa o universal feminino, vai contra toda aquisição da antropologia e da sociologia contemporâneas. É uma fórmula conveniente apenas para defender o status quo patriarcal, isto é, a coincidência entre poder, sacerdócio e masculinidade. O masculino comanda porque é o único a ter acesso ao sagrado. Eu me pergunto: qual é o sentido de falar de ministério ordenado em termos de sacralidade?
Teologia e Magistério estão, portanto, em contraste…
A discussão está aberta. Com os teólogos, mas sobretudo com as teólogas. O problema não é tanto, evidentemente, a fórmula em si, mas a pretensão de fazer dela a estrutura ministerial de acordo com uma visão ‘de gênero’ absolutamente inadequada.
Pode explicar por que a sacralidade do sacerdócio deveria ser superada?
É mais simples do que parece. Por ter sido uma aquisição que se tornou necessária num momento preciso da história da igreja nascente. Sabemos que aconteceu muito cedo porque as igrejas que estavam se enraizando nas cidades do Império tomaram emprestado do Judaísmo, mas especialmente do paganismo, a sua primeira estruturação ministerial. Ambas as religiões conheciam a estrutura central do sacerdócio. Na linguagem de Jesus ou naquela apostólica, no entanto, a terminologia sacerdotal não existe e em todo o Novo Testamento fala-se de sacerdócio apenas na Carta aos Hebreus precisamente para explicar a diferença entre o cristianismo nascente e o sacerdócio do Templo de Jerusalém.
É também uma questão de poder?
Certo! Toda instituição exige o exercício do poder e seria simplesmente desonesto pensar o contrário. A Igreja católico-romana decidiu, ao longo dos séculos, dar a si mesma uma forma ‘monárquica’, centralista e de vértice. Contudo, se hoje busca formas, ainda que secundárias, de sinodalidade além de colegialidade, é porque os tempos mudam e ‘governar’ um bilhão e duzentos milhões de pessoas espalhadas por todas as culturas do mundo não é simples.
Para as mulheres, o acesso negado ao sacerdócio é uma privação?
Se pensarmos segundo a lógica dos direitos, fica claro que se trata de uma privação. Mas, repito, antes mesmo que no plano dos direitos, a questão deve ser enfrentada no plano teológico: de acordo com o ensinamento de Jesus e à primeira missão cristã, especialmente aquela paulina, as igrejas nascentes tiveram lideranças femininas e masculinas, algumas mulheres fundaram comunidades, foram apóstolas, profetizavam durante a liturgia, tinham responsabilidades para com os missionários. Existiram motivações com base nas quais a Igreja, estruturando-se nos moldes do Império, sentiu a necessidade de um sistema garantido pela masculinidade dos seus responsáveis. Como fez tal passagem, no entanto, não se entende por que não poderia fazer outra hoje e avançar em direção a um ordenamento mais consoante com regras de justiça válidas para a atualidade.
Você vê alguma possibilidade de mudança no horizonte?
Nesse interim, as mulheres são cada vez mais ativas na vida da Igreja, atestam o poder de uma realidade vivida, antes mesmo que legitimada. No fundo, os processos de legitimação sempre partem da vivência e, portanto, há esperança!.
Que avaliação faz então da abertura do Papa aos ministérios instituídos do leitorado e do acolitato às mulheres, em 2021 com motu proprio?
Muitos o consideraram um agradinho, até mesmo meio inútil visto que nas igrejas locais há tempo as mulheres já exercem esses dois ministérios. No entanto, eu tive uma opinião positiva, na lógica dos pequenos passos. Afinal, o Papa demonstrou que com um "canetaço" um pontífice pode cancelar do direito canônico a proibição de acesso a dois ministérios com base no sexo. E não é pouco. E, além disso, são dois ministérios que agora devem ser considerados "instituídos", ou seja, que têm seu próprio reconhecimento oficial. Enfim, são dois ministérios que podem ser exercidos por homens e mulheres. Não existe, justamente, um leitorado masculino e um feminino. Há esperança de que mais cedo ou mais tarde se entenda que não deve haver um diaconato feminino ou um presbiterado feminino. Não é disso que se trata. Os vários ministérios são aqueles de que a igreja necessita e deveriam ser exercidos por homens e por mulheres.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“Espaço para as mulheres? Que o magistério escute a teologia”. Entrevista com Marinella Perroni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU