06 Dezembro 2022
O projeto de lei suprapartidário para garantir a proteção nacional aos direitos do casamento entre pessoas do mesmo sexo está chegando à mesa do presidente Joe Biden, em grande parte graças às declarações de apoio de líderes religiosos que se opõem ao casamento homossexual, mas estão satisfeitos com as proteções à liberdade religiosa do projeto.
A reportagem é de Brian Fraga, publicada por National Catholic Reporter, 05-12-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
No entanto, os bispos católicos do país continuam a soar um alarme familiar de que o reconhecimento legal do casamento homossexual – que tem sido a lei do país desde a sentença da Suprema Corte dos EUA no caso em Obergefell vs. Hodges em 2015 – coloca as organizações católicas em risco de discriminação do governo.
“O projeto de lei é um mau negócio para muitos estadunidenses corajosos de fé e sem fé que continuam a acreditar e defender a verdade sobre o casamento em praça pública hoje”, disse o cardeal Timothy Dolan, arcebispo de Nova York e presidente do Comitê dos Bispos dos EUA para a Liberdade Religiosa, em uma declaração de 17 de novembro.
Doze senadores Republicanos se juntaram a Democratas na aprovação do projeto de lei, conhecido como Lei do Respeito ao Casamento, em 29 de novembro. Ele ainda precisa ser aprovado na Câmara dos Deputados, esperado para os próximos dias, antes que Biden possa sancioná-lo.
O projeto de lei exige que os estados reconheçam qualquer casamento legalmente contraído em outro estado entre dois indivíduos, independentemente de seu “sexo, raça, etnia ou origem nacional”.
Os defensores LGBTQIA+ têm pressionado pelo projeto de lei desde junho, quando a sentença da Suprema Corte no caso Dobbs vs. Organização de Saúde da Mulher da cidade de Jackson a derrubou a histórica decisão de Roe vs. Wade e o direito nacional ao aborto.
Embora a opinião da maioria no caso Dobbs tenha dito que a decisão não deveria “lançar dúvidas sobre precedentes que não dizem respeito ao aborto”, o juiz Clarence Thomas indicou em uma opinião concordante que achava que a anulação de Roe poderia levar à anulação de outros casos históricos, incluindo Obergefell, que contam com uma estrutura legal semelhante.
“Saber que ouvimos os juízes sinalizarem sua intenção de revisar e potencialmente reverter as proteções para os estadunidenses LGBTQIA+ é o que tornou essa legislação tão incrivelmente importante”, disse Ross Murray, vice-presidente do GLAAD Media Institute, ao NCR.
Ao fornecer reconhecimento legal para casais homossexuais, a Lei de Respeito ao Casamento também protegeria grupos religiosos que se opõem ao casamento homossexual de fornecer “quaisquer serviços, instalações ou bens para a celebração ou celebração de um casamento”. O projeto de lei impediria que Igrejas e organizações religiosas sem fins lucrativos que se recusam a reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo tenham seu status de isenção de impostos alterado ou retirado.
Murray, que também é diácono da Igreja Evangélica Luterana na América, disse que as consultas entre líderes religiosos e legisladores para incluir uma emenda à liberdade religiosa na Lei de Respeito ao Casamento foram “especialmente importantes em nosso processo político”.
“Essa consulta garante que os grupos religiosos saibam e entendam por que a liberdade religiosa ainda será mantida, mesmo com este projeto de lei entrando em vigor”, disse Murray.
Essas proteções à liberdade religiosa receberam o endosso da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, uma reviravolta em relação à sua contribuição anterior de 22 milhões de dólares em 2008 para impedir a legalização do casamento homossexual na Califórnia e seu apoio anterior à era Clinton. A Lei de Defesa do Casamento, que impedia o governo federal de reconhecer casamentos entre pessoas do mesmo sexo e agora seria revogada pela Lei de Respeito ao Casamento.
Nos últimos anos, a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias apoiou medidas antidiscriminatórias para proteger as pessoas LGBTQIA+ no Arizona e na Flórida.
“Acreditamos que esta abordagem é o caminho a seguir. Ao trabalharmos juntos para preservar os princípios e práticas de liberdade religiosa junto com os direitos dos indivíduos LGBTQIA+, muito pode ser feito para curar relacionamentos e promover maior compreensão”, posicionou-se a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias em uma declaração de 15 de novembro.
Outros grupos religiosos que não reconhecem o casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas cujos líderes agradeceram aos legisladores por levarem a sério suas preocupações com a liberdade religiosa, incluem a Igreja Adventista do Sétimo Dia, a Associação Nacional de Evangélicos e a União Ortodoxa de Sinagogas Ortodoxas.
“Obrigado pela parceria na legislação que reflete o compromisso bipartidário com a liberdade religiosa e a diversidade”, disse Melissa Reid, diretora de assuntos governamentais da Divisão Norte-Americana da Igreja Adventista do Sétimo Dia, em comunicado.
No entanto, os bispos católicos do país tiveram uma visão menos otimista. Em uma declaração conjunta de 23 de novembro, Dolan e dom Robert Barron, bispos de Winona-Rochester, Minnesota, presidente do Comitê dos Bispos sobre Leigos, Casamento, Vida Familiar e Juventude, instaram o Congresso a “reverter o curso do projeto prejudicial”.
“A rejeição da Lei do Respeito ao Casamento às verdades atemporais sobre o casamento é evidente em sua face e em seu propósito. Também trairia o compromisso de nosso país com o direito fundamental da liberdade religiosa”, escreveram Dolan e Barron.
Em uma análise de três páginas que acompanhava sua declaração, os bispos sugeriram que a Lei do Respeito ao Casamento poderia resultar na revogação das isenções fiscais de organizações religiosas sem fins lucrativos e na força de agências religiosas de serviço social a colocar crianças adotivas com casais homossexuais ou colocar esses casais em moradias como se fossem pessoas casadas heterossexuais.
“Do ponto de vista da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos, cujos ministérios episcopais compreendem o maior provedor não-governamental de serviços sociais nos Estados Unidos, as disposições da Lei relacionadas à liberdade religiosa são insuficientes”, escreveram os bispos.
Ecoando as terríveis advertências de grupos socialmente conservadores como a Alliance Defending Freedom e a Heritage Foundation, a análise negativa dos bispos católicos da Lei do Respeito ao Casamento continua uma tendência de anos da conferência dos bispos de se opor a qualquer legislação federal que reconheça os direitos LGBTQIA+, como a Lei de Não-Discriminação no Emprego, a Lei de Violência Contra as Mulheres e a Lei Nacional de Designação de Linha Direta de Suicídio.
“Eles são absolutistas demais para seu próprio bem”, disse Douglas Laycock, professor de Direito da University of Virginia Law School, ao NCR por e-mail.
Laycock, que estudou a intersecção entre liberdade religiosa e direitos LGBTQIA+, escreveu em um ensaio para a Commonweal que os bispos se oporão a qualquer legislação que forneça qualquer proteção ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, porque tal legislação “rejeita o que é verdadeiro e protege o que é falso”, do ponto de vista dos bispos.
“O compromisso torna-se impossível nesta visão, e se o compromisso é impossível, então a proteção legislativa para a liberdade religiosa nessas questões também é impossível”, disse Laycock.
Laycock, junto com outros pesquisadores de Direito Constitucional, assinou uma carta, datada de 16 de novembro, para as senadoras Susan Collins, Republicana do Maine, e Tammy Baldwin, Democrata de Wisconsin, recomendando proteções à liberdade religiosa na Lei de Respeito ao Casamento.
Thomas Berg, professor de Direito da University of St. Thomas School of Law no Minnesota, que também assinou a carta em 16 de novembro, disse ao NCR que a análise dos bispos exagera sobre os riscos na Lei de Respeito ao Casamento, a qual ele diz proibir qualquer sanção governamental sobre organizações religiosas que se objetem ao casamento homossexual.
A análise dos bispos argumenta que o projeto de lei criará um novo interesse convincente para autorizar penalidades para organizações religiosas, mas Berg disse que isso seria improvável, já que uma conclusão que acompanha a Lei do Respeito ao Casamento sustenta que as crenças religiosas tradicionais sobre casamento e gênero são baseadas em premissas “decentes e honradas” e merecem “respeito”.
“Essa conclusão não é sem sentido”, disse Berg. “Se a lei for aprovada, os defensores da liberdade religiosa irão citá-lo corretamente para mostrar que o Congresso trata a visão tradicional homem/mulher do casamento como muito diferente das objeções ao casamento inter-racial – que não recebe tal declaração de respeito na lei”.
Robin Fretwell Wilson, professor de Direito da University of Illinois College of Law, que também assinou a carta de 16 de novembro, disse ao NCR que a finalidade do projeto sobre a oposição “decente e honrosa” ao casamento homossexual “parece ir ao encontro” às advertências dos bispos, de que será um novo “interesse imperioso do governo” para forçar os grupos religiosos a violar suas consciências.
“No fim, o que os bispos estão insistindo é na posição de que será mais segura para eles, isso é, se não houver reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo na lei estatutária. Acho que é por isso que se manifestam desse modo”, disse Wilson.
Os bispos vêm tentando reunir oposição ao projeto de lei há meses. Em julho, dom Salvatore Cordileone, arcebispo de San Francisco, dom William Lori, arcebispo de Baltimore – em suas funções anteriores como presidentes dos comitês dos bispos sobre leigos, casamento, vida familiar e juventude e atividades pró-vida, respectivamente – escreveram aos legisladores federais que a Lei de Respeito ao Casamento faria “o oposto do que seu nome indica, codificando uma demanda para os estados e o governo federal honrarem tudo o que pode ser considerado ‘casamento’ por qualquer outro estado”.
Em cartas, declarações públicas e artigos publicados, os bispos articularam a posição de que apenas o casamento tradicional entre um homem e uma mulher é digno de reconhecimento legal. Em um ensaio publicado em 15 de novembro no site da conferência dos bispos, Dolan escreveu que o status quo do casamento legalizado entre pessoas do mesmo sexo “não é aceitável” para “aqueles que continuam a acreditar e oferecer apoio ao modelo tradicional de casamento”.
A esse respeito, Francis DeBernardo, diretor-executivo do New Ways Ministry, uma organização sem fins lucrativos com sede em Maryland que defende os católicos LGBTQIA+, disse ao NCR que os bispos estão em desacordo com a maioria dos católicos leigos nos Estados Unidos que são a favor de permitir que gays e lésbicas casar.
“A conferência dos bispos precisa examinar suas prioridades”, disse DeBernardo. “Eles ainda estão tentando travar batalhas que há muito tempo já foram perdidas”.
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EUA. Bispos católicos são religiosos atípicos ao se oporem a projeto de lei para proteger o casamento homossexual - Instituto Humanitas Unisinos - IHU