10 Agosto 2022
Levantamento indica que representantes de grandes multinacionais têm sido recebidos com frequência pela cúpula do Ministério da Agricultura. Pelo menos 16 encontros sequer constaram da agenda oficial.
A reportagem é de Edison Veiga, publicada por DW Brasil, 09-08-2022.
Entre janeiro de 2019 e junho de 2022, grandes empresas multinacionais do setor do agronegócio se reuniram pelo menos 278 vezes com membros do alto escalão do governo federal, principalmente no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), onde houve 160 reuniões do tipo. Esse acesso constante, facilitado no governo Jair Bolsonaro, tem funcionado como lobby para medidas como flexibilização de regras para agrotóxicos e facilitação de teste para novas substâncias químicas em campo.
Segundo levantamento realizado pelo observatório De Olho nos Ruralistas, a empresa Syngenta é a campeã de reuniões com a cúpula governamental: foram 81 encontros no período. Em seguida vem a JBS, com 75, e a Bayer, com 60. No caso desta, contudo, uma informação chama a atenção: 16 das reuniões ocorridas com o Mapa sequer constaram da agenda oficial da pasta, só tendo sido reveladas mediante registros obtidos via Lei de Acesso à Informação.
Coordenador do levantamento, o pesquisador Bruno Stankevicius Bassi ressalta que mesmo o lobby, por si só, não sendo ilegal, é notável a falta de isonomia no tratamento conferido pelo ministério aos diversos setores interessados em debater o tema. "Apesar de não ser regulamentado no Brasil, o lobby não é ilegal. Ele é um recurso comum às democracias representativas", comenta.
"O problema está na disparidade de poder que existe entre a influência do agronegócio e de atores sociais impactados pelos projetos de lei da bancada ruralista, como povos indígenas, quilombolas e camponeses”, argumenta Bassi. "Enquanto o agronegócio conta com uma estrutura institucionalizada e com recursos fixos providos por dezenas de entidades de de classe, […] os movimentos sociais não possuem o mesmo acesso ou recursos.”
Ele exemplifica com números do próprio relatório: enquanto os representantes das empresas foram recebidos 160 vezes por oficiais do Mapa – sendo que 16 reuniões contaram com a participação da própria ministra Tereza Cristina –, os movimentos sociais só foram recebidos pelo governo duas vezes. "Não há como comparar essas duas forças”, frisa Bassi.
O levantamento mostra também que o governo Bolsonaro tem uma média de encontros do tipo superior a gestões anteriores. Na gestão Temer, houve 1,12 reunião por mês de executivos do agronegócio com o ministério. De 2019 para cá, essa média saltou para 3,81 encontros por mês – mais do que o triplo.
A DW Brasil questionou o governo Bolsonaro sobre o relatório produzido pela De Olho nos Ruralistas e, especificamente, perguntou por que não há peso igual, na agenda do Mapa, para outros setores envolvidos no mundo agrícola, além de por que pelo menos 16 encontros com a Bayer não constavam de agenda oficial.
Em nota, o ministério limitou-se a responder que "realiza periodicamente reuniões técnicas com representantes de entidades públicas e privadas do setor produtivo agropecuário para colher subsídios e informações relevantes para a formulação de políticas públicas para o desenvolvimento do setor”.
"A administração pública não pode ser confundida com interesses privados de empresas e grupos econômicos”, comenta o ambientalista Marcio Astrini, secretário do Observatório do Clima. "O agravo é quando o conhecimento, a ciência, o interesse coletivo e a impessoalidade correm riscos frente a interesses comerciais ou pessoais. É o que estamos assistindo na proposta que retira as avaliações ambiental e de saúde pública do registro de novos agrotóxicos."
A referência é ao projeto que ficou conhecido popularmente como PL do Veneno, atualmente aguardando apreciação pelo Senado. Astrini ressalta que a aprovação de algo do tipo "interessa apenas a quem produz estes tóxicos, em detrimento da saúde da população” é "a própria subversão do papel do Estado”.
Para o ambientalista, o número de encontros extra-oficiais de representantes de multinacionais do agronegócio com o governo deve ser "muito maior do que o declarado”: "As agendas oficiais podem dar um parâmetro, mas certamente há diversas outras agendas informais, jantares, encontros com políticos em suas cidades ou bases eleitorais que dificilmente constariam dos registros, mas que têm por finalidade o mesmo lobby."
A reportagem procurou as três empresas que lideram o ranking do levantamento e as questionou sobre os motivos que levaram a tal frequência de encontro. Em nota, a Syngenta afirmou que "investe em pesquisa e desenvolvimento” e "busca trazer para o mercado inovações”, visando cumprir as "expectativas da sociedade” em "projetos que busquem a segurança alimentar, produzindo mais alimentos, sem exigir aumento de área plantada”.
"Nesse processo, a empresa sempre teve um diálogo constante com autoridades, governos, órgãos reguladores, meios de comunicação e sociedade”, argumenta empresa. "Ao longo das reuniões das quais participamos, provemos informações sobre temas conectados com a defesa dos interesses de agricultores e da agricultura brasileira”.
Por sua vez, a JBS afirmou que "entende que é importante contribuir para o debate pelo desenvolvimento do setor”. "Como parte desse diálogo, [a empresa] se reúne também com autoridades públicas sempre conforme as legislações em vigor”.
Também em nota, a Bayer argumentou que mantém "diálogos transparentes com autoridades públicas”, "assim como também participa ativamente de debates na sociedade e acompanha de perto o desenvolvimento de políticas públicas.”
Sobre as reuniões ocorridas fora de agenda, a empresa afirmou que "todas as audiências dos profissionais de assuntos públicos da Bayer […] são formalmente solicitadas aos órgãos com quem a empresa mantém interações”. Em outras palavras: se não houve menção na agenda oficial do Mapa, a Bayer não assume qualquer culpa pelo fato.
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Relatório denuncia lobby do agronegócio no governo Bolsonaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU