22 Mai 2021
Nossa relação com os animais na França permanece um ponto cego na reflexão da Igreja, no entanto, totalmente engajada na questão ecológica. Sob o impulso da Laudato Si’, no entanto, alguns começaram a trabalhar.
A reportagem é de Félicité de Maupeou, publicada por La Vie, 29-04-2021. A tradução é de André Langer.
“Ao silenciar sobre a causa animal, a Igreja deixou passar um movimento que agora se desenvolve fora dela”, lamenta Jean Gaillard, 85 anos, há mais de 50 anos engajado na Associação Cristã de Proteção Animal Notre-Dame da Piedade, que viu muitos ativistas decepcionados se afastarem da instituição. Com efeito, enquanto a filosofia, o direito ou a política enfrentam a reflexão sobre a questão animal, o assunto parece deixar a Igreja indiferente.
“Nós nos concentramos no desenvolvimento de uma teologia da redenção, interessada na salvação e no progresso humano”, explica Jean-Pierre Vuillemin, bispo auxiliar de Metz. Mas a entrada da ecologia no debate, com a encíclica Laudato Si’, muda a situação.
“A ecologia nos convida a um olhar mais amplo sobre o homem pensado no centro da Criação, e o Papa Francisco nos convida a desenvolver uma teologia da Criação, interrogando em particular a nossa relação com os animais”, prossegue o bispo apicultor que recentemente liderou um grupo de trabalho sobre o assunto na Conferência Episcopal Francesa (CEF).
Também estão previstos colóquios sobre o tema no Centre Sèvres, em Paris, e na Faculdade Católica de Lyon. “Uma revolução”, segundo o historiador Éric Baratay, autor de L’Église et l’animal (A Igreja e os animais), Editora Cerf, tanto o clero francês é um dos mais relutantes em se engajar neste campo, “ao contrário dos alemães, dos suíços ou dos ingleses, mais influenciados pelo pensamento protestante, mais avançados na reflexão”.
Esse distanciamento dos animais nem sempre ocorreu. Na Idade Média, “os animais, dotados de uma forma de inocência, podem servir de modelo de santidade”, diz Éric Baratay. No início do século XVII, o livro Introduction à la vie dévote (Introdução à vida devota), de Francisco de Sales (“best-seller” da época), ainda se referia amplamente aos animais como exemplos a seguir.
Mas depois a ênfase passou a estar na ruptura entre os seres humanos e o resto dos seres vivos. “Sob a influência de Descartes, o clero francês insiste no que distingue o homem dos animais, especialmente para se opor aos livres pensadores que questionam essa distinção”, explica Éric Baratay.
Os animais não estão mais presentes nas imagens piedosas e nas igrejas, de onde as estátuas de animais foram retiradas. “A história de São Roque salvo por um cachorro é reescrita para substituir o cachorro por um menino!”
O século XIX viu-os reaparecer nos sermões e nos vitrais. “Para representar o Espírito Santo, a pomba, durante muito tempo substituída por línguas de fogo, reaparece”, e Francisco de Assis é reabilitado.
O século XX trouxe mais uma vez as representações de animais para as igrejas e, a partir da década de 1990, “os movimentos escoteiros, antes muito franciscanos, abandonam as lições de proteção da flora e da fauna”, observa o historiador.
Hoje, apesar da inflexão da Laudato Si’, entre alguns cristãos, “existe esse medo de que o interesse pelos animais se dê à custa dos humanos. É um assunto apaixonante que suscita resistências”, nota Éric Charmetant, jesuíta, doutor em filosofia.
“Esta questão abala os nossos estilos de vida e nossos modos de pensar, a ponto de provocar um endurecimento ideológico, dificultando o diálogo”, nota também Jean-Pierre Vuillemin. Seu grupo de trabalho publicará antes do verão uma ferramenta de discernimento para participar da reflexão, enquanto “vários bispos se veem desafiados por esta questão”.
O assunto suscita profundas interrogações espirituais, especialmente sobre “a arte de ‘dominar à maneira de Deus’, controlando nossa ganância sobre todo o mundo vivo, e nos questionando sobre nossa responsabilidade para com ele”, disse Vuillemin, ao mesmo tempo em que se nota que este trabalho provoca “um pouco de diversão”, visto que o assunto ainda é “pouco levado a sério”.
Deve ser dito que “se a Revelação afirma elementos claros sobre os seres humanos, diz pouco sobre os animais, reconhece Éric Charmetant. Mas é possível avançar porque a Revelação continua”. Assim, entre os exegetas, o tema conhece um renascimento.
“Até agora, a interpretação bíblica enfatizou a diferença entre humanos e animais”, disse Pierre de Martin de Viviés, sacerdote, autor de Ce que dit la Bible sur les animaux (O que a Bíblia diz sobre os animais), Editora Nouvelle Cité.
“Mas as descobertas sobre a continuidade dos seres vivos criam uma mudança de paradigma. Sem cair na confusão, a teologia, que não se destina a estar fora da realidade, deve prosseguir. Vamos reler os textos com uma perspectiva menos antropocêntrica”.
Na Bíblia existem leis protetoras. Assim, o shabat também se aplica aos animais (Êxodo 23, 12), enquanto o livro do Deuteronômio prevê não arar “com um boi e um asno na mesma junta” (22, 10): “um meio para que o animal forte, o boi, não esgote o animal fraco, o asno”, acrescenta Pierre de Martin de Viviés.
Quanto ao vegetarianismo, “se o mundo mítico do Gênesis não tem presa nem predador, o Dilúvio é uma cesura, após a qual o cardápio de carnes é tolerado. Mas não pretende ser definitivo porque, na perspectiva da nova Criação descrita por Isaías (11, 6-8), ‘o lobo será hóspede do cordeiro, a pantera se deitará ao lado do cabrito; o bezerro e o leãozinho pastarão juntos, e um menino os guiará. (…) O bebê brincará no buraco da cobra venenosa’. Nesta restauração do paraíso, os humanos e os animais vivem juntos. O ser humano ainda domina (‘um menino os guiará’), mas não como um guerreiro armado”.
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A Igreja está aos poucos abandonando seu desinteresse pela causa animal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU