08 Outubro 2020
"Eu gostaria muito que não se falasse mais de 'missa', porque essa palavra representa, em nossas cabeças, naquelas de nossos contemporâneos e, ao que parece, também nas de muitos celebrantes, algo pré-confeccionado, que não é da nossa conta, mas apenas dos padres! Preferiria que não disséssemos mais 'ir à missa' ... Por que não dizer em vez disso: 'temos um encontro', 'vamos ao encontro'? Vamos preparar a nossa festa do próximo domingo, vamos viver o 'nosso encontro dominical', vamos partilhar a alegria daquele casal que se casa, a dor daquela família em luto, a alegria daqueles jovens que querem celebrar a vida ... É apenas uma forma de brincar com as palavras? É uma simples questão de vocabulário? Ou não poderia ser uma mudança real de mentalidade e de atitude?", questiona Jean-Luc Lecatin, em artigo publicado por Garrigues et Sentiers, 30-09-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Onipresença (e oni-rigidez!) da missa no mundo católico ... Frequentar a missa todas as semanas era uma obrigação sob pena de pecado mortal. E ir à missa continua sendo um sinal característico do catolicismo. Muitas são as ocasiões para a missa, ainda que o desenvolvimento da missa seja praticamente inalterado, fixo, definido por códigos muito severos onde a improvisação e a espontaneidade da vida quase não têm espaço. Claro, é possível fazer alguns acréscimos, adaptações a diferentes situações, mas a moldura e as palavras permanecem sempre as mesmas do início ao fim. A "missa" é como um "passe-partout" da sociedade católica... nenhum acontecimento importante pode ser feito sem a missa que o acompanhe: nascimento, vida, amor, morte, vida privada e muitas vezes até vida pública. Vocês me dirão que tudo isso não é mais atual, já que se vai à missa cada vez menos! E é verdade! Pelo menos no Ocidente ... Mas quando se trata de um acontecimento importante da vida, apesar de tudo, se quer mesmo uma "missa" ... seja para um casamento ou um funeral, mas também por uma comemoração ou um aniversário...
Mas essa necessidade de “missa” não está fora de lugar? Não está terrivelmente longe da fé em Cristo? Não é vivida por quem a pede como uma festividade bem organizada, sem riscos, porque muito enquadrada no seu desenvolvimento praticamente fixo, um momento para dar solenidade, adaptável a uma situação específica graças ao acréscimo de algumas palavras escolhidas e, mais ainda, com uma pequena aura de mistério um pouco mágica? Mas algo assim não seria a caricatura de um encontro com estilo evangélico e de vida compartilhada? Embora possa admitir, é claro, que mesmo naquelas celebrações o Espírito possa passar... Nas "missas" realiza-se um rito muito organizado e intocável: começa-se com o convite a reconhecer que somos, por definição, pecadores e, portanto, maus, e que devemos pedir piedade; depois ouvimos duas ou três passagens bíblicas que querem nos dizer algo sobre Deus e Jesus: deveria ser o nosso alimento para a semana ou para a circunstância que se celebra naquele dia. Segue-se depois a escuta, sem possibilidade de resposta, do comentário de um padre (um dos momentos menos formatados, mas muitas vezes os que mais formatam, porque sem direito de resposta ou de modulação, eventualmente apenas criticado na saída!).
E tal comentário foi mais uma vez definido por um órgão vaticano como o único autorizado durante a Eucaristia: "Os fiéis leigos podem pregar em uma Igreja (...) mas em nenhum caso poderão proferir a homilia durante a Eucaristia"! Em seguida, o celebrante proclama a oração e retoma os gestos e as palavras de Jesus em sua última refeição. Depois, somos convidados a receber o pão, corpo de Jesus, ... mas somente se estivermos em conformidade com as leis! No final, presumivelmente fortificados por todo esse rito realizado segundo as normas e em conformidade com o direito canônico e as indicações vaticanas, somos enviados de volta ao mundo da vida cotidiana, aquele em que somos confrontados com tantos problemas e múltiplas formas de encarar a vida. Ite missa est, Ide, a missa vos foi dada.
Nesse rito da "missa", onde é que a assembleia exprime seus pedidos, para além da oração universal? Onde está o encontro, além do tímido gesto da troca da paz? Onde está a partilha, além do pão religiosamente distribuído? Onde se dá aquele momento revigorante, rico de vida e de comunicação, senão talvez no íntimo dos corações, que nos poderia fazer pensar num momento feliz vivido juntos e dar o impulso suficiente para recomeçar no vórtice da vida?
Eu gostaria muito que não se falasse mais de “missa", porque essa palavra representa, em nossas cabeças, naquelas de nossos contemporâneos e, ao que parece, também nas de muitos celebrantes, algo pré-confeccionado, que não é da nossa conta, mas apenas dos padres! Preferiria que não disséssemos mais "ir à missa" ... Por que não dizer em vez disso: "temos um encontro", "vamos ao encontro"? Vamos preparar a nossa festa do próximo domingo, vamos viver o “nosso encontro dominical”, vamos partilhar a alegria daquele casal que se casa, a dor daquela família em luto, a alegria daqueles jovens que querem celebrar a vida ... É apenas uma forma de brincar com as palavras? É uma simples questão de vocabulário? Ou não poderia ser uma mudança real de mentalidade e de atitude?
Cada vez que nos encontramos, há um encontro que podemos viver, nos unimos a pessoas em busca da vida, vimos para ouvir, para tentar compreender e reagir às palavras de Jesus, àquelas de mulheres e de homens de Deus que o precederam, àquelas de amigos que o escolheram como mestre de vida ... Juntos, vimos tentar compreender, nos inserir... Haverá tempos de silêncio, momentos de admiração, instantes de oração, partilharemos uma refeição e partiremos o pão e beberemos o vinho como Jesus fez outrora com os seus amigos... e juntos partilharemos, no tempo que nos será dado, alegrias, tristezas, preocupações, questionamentos, projetos e paixões, esperanças e desânimos... as nossas vidas, enfim! Penso que devemos reconsiderar e reinventar completamente esse tempo de encontro entre nós e com todos aqueles que gostariam de se unir a nós. Parece-me indispensável quebrar aquele rito, fixo por definição, a que chamamos “missa”. Devemos redescobrir continuamente a vida, imaginar a nossa maneira de estar juntos, de nos alimentarmos de Jesus e de sua palavra. Vamos assumir o risco de ousar viver um tempo real de vida, em torno daquele que é o coração da nossa fé, para que esta fé se torne viva no coração das nossas vidas.
Vamos sonhar! E se esse encontro, com um ritmo a ser definido, se transformasse numa verdadeira refeição partilhada, independentemente das circunstâncias? Um verdadeiro encontro de pessoas em carne e osso, com todo o peso da sua humanidade, um momento que nutre, revigora e é fonte de alegria...
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Não iremos mais “à missa”... iremos ao encontro... - Instituto Humanitas Unisinos - IHU