05 Setembro 2019
"As grandes empresas sempre mentem para empurrar goela abaixo seus grandes projetos devastadores socioambientalmente. Fazem propaganda enganosa, omitem informações e escondem reais impactos que certamente acontecerão. Muitas vezes, quando o povo acorda os danos já se tornaram irreversíveis", escreve Gilvander Moreira, frei e padre da Ordem dos Carmelitas.
Frei Gilvander é doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB, CEBs e Movimentos Sociais Populares; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG.
As grandes empresas sempre mentem para empurrar goela abaixo seus grandes projetos devastadores socioambientalmente. Fazem propaganda enganosa, omitem informações e escondem reais impactos que certamente acontecerão. Muitas vezes, quando o povo acorda os danos já se tornaram irreversíveis. Eis um exemplo: a construção da barragem e da hidrelétrica de Itapebi, no rio Jequitinhonha, no município de Salto da Divisa, na região do Baixo Jequitinhonha, MG. A empresa Neoenergia pisoteou em uma série de direitos humanos fundamentais de centenas de famílias camponesas que não foram apenas atingidas pela barragem, mas massacradas. A Neoenergia, por exemplo, forneceu apenas 21 barcos para 42 pescadores, o que era insuficiente para atender a todos eles. Alterou o estilo de pescar, pois com barco a motor tornou necessário um ajudante, combustível etc. Segundo os pescadores, após a construção da barragem, os peixes que eles costumavam pescar tornaram-se escassos, por diversos fatores: má qualidade da água, presença de peixes predadores inseridos na barragem pela empresa e ausência de uma “escada de peixe” para a piracema. “A comunidade diz que antes do empreendimento tinha fronteira [Cachoeira do Tombo], agora não tem, e o peixe não fica no lago” (Fala retirada da Ata de reunião no Fórum da Comarca de Jacinto entre representantes da Itapebi Geração de Energia S/A, realizada em 13/4/2010).
Como fruto da luta do Grupo de Apoio e Defesa dos Direitos Humanos de Salto da Divisa (GADDH), um dos principais símbolos da identidade de Salto da Divisa, a Cachoeira Tombo da Fumaça foi tombada como patrimônio paisagístico e turístico do estado de Minas Gerais, pela Lei nº 13.370/1999, mas, contra a vontade dos integrantes do GADDH, foi destombada, três anos após, pela Lei nº 14.324/2002 e, assim, submergida na área inundada pela barragem. Tomba-se e/ou destomba-se algo como patrimônio histórico de acordo com os interesses políticos e econômicos do momento de quem está no poder político atrelado aos interesses do poder econômico. Hilariante é que representantes do consórcio da barragem e hidrelétrica de Itapebi haviam afirmado que os patrimônios naturais de Salto da Divisa e, especificamente, a Cachoeira Tombo da Fumaça, não seriam afetados pela instalação da barragem e da hidrelétrica. Segundo Morel Queiroz da Costa Ribeiro, após a constatação pela empresa de que o volume de água indicado inicialmente não seria suficiente para movimentar as turbinas, contrariando declaração realizada em audiência pública, segundo o representante da Associação dos Pescadores, em que foi destacado que “os ‘tombamentos’ municipal e estadual e suas respectivas revogações revelam, claramente, o esforço que se empreendeu no sentido de se removerem todos os obstáculos ao investimento em um empreendimento cujos impactos socioambientais nunca foram, de fato, precisamente avaliados” (RIBEIRO, 2008, p. 75).
A construção da barragem de Itapebi liquidou também com as atividades de extração de pedra e areia, realizadas às margens do rio Jequitinhonha por trabalhadores da construção civil. Com a formação do lago artificial, os locais antes explorados para a retirada de areia ficaram submersos. De acordo com Jorge Alexandre dos Santos, então presidente da Associação dos pescadores de Salto da Divisa, a empresa Itapebi, durante a construção da barragem, extraiu areia e pedra da região, e não pagou aos extratores ou à comunidade. A construção da barragem afetou também a categoria dos pedreiros, uma vez que a extinção das atividades de extração de pedra e areia acarretou um aumento no custo da construção civil e, consequentemente, a redução na oferta de emprego para os pedreiros.
A análise do processo de licenciamento ambiental revela uma série de irregularidades consumadas. Dentre as omissões técnicas constatadas, cabe ressaltar os impactos gerados à Cachoeira do Tombo da Fumaça. Segundo Ribeiro (2008), “os Estudos de Impacto Ambiental – EIA/RIMA – da UHE Itapebi afirmavam, ainda, expressamente, que a formação do reservatório não significaria a submersão do patrimônio natural representado pela Cachoeira do Tombo da Fumaça, que sofreria pequena interferência, com preservação de suas principais quedas” (RIBEIRO, 2008, p. 67).
Inicialmente, a empresa anuncia o projeto sempre atenuando e reduzindo os impactos socioambientais. Depois se apresentam aditivos ao projeto, aditivos já planejados, mas apresentados aos poucos para diminuir a resistência e a rejeição das populações atingidas. Isso também Ribeiro (2008) demonstra na sua dissertação. Diz Ribeiro: “Entretanto, após a concessão da Licença Prévia pelo IBAMA, e a partir de demandas oriundas do Conselho de Defesa do Meio Ambiente – CODEMA -, de Salto da Divisa, verificou-se que a formação do reservatório na cota 110 metros traria, na verdade, implicações muito maiores do que aquelas apresentadas pelo empreendedor e seu consultor ambiental” (RIBEIRO, 2008, p. 68).
Socioambientalmente a situação se tornou caótica. Os peixes da bacia do rio Jequitinhonha estão praticamente extintos, tais como: curimba, camarão pitu, piabão, tico-prego, piau e longador. Com a construção da barragem e o alagamento da Cachoeira Tombo da Fumaça, a maioria das espécies de peixes ficou a jusante (na parte de baixo) do rio Jequitinhonha e não consegue atravessar a barragem e os pescadores, que estão à montante (na parte de cima), não conseguem pescá-los. Para tentar consertar o estrago, a empresa lançou no lago artificial uma espécie de peixe conhecida como pintado, peixe que se alimenta das espécies nativas, e, assim, concorre com os pescadores na busca de alimento. “Constatamos também processos de cooptação de lideranças pelo prefeito que na época comandava a prefeitura de Salto da Divisa e também pela empresa da barragem de Itapebi, pois “havia integrante do GADDH que estava direto na prefeitura e na empresa” e que, inclusive, sugeriu o nome do prefeito para participar de audiência com o IBAMA, em Brasília, audiência que era para discutir a renovação da Licença de Operação da hidrelétrica. O advogado da Associação dos atingidos também parecia, em determinado momento, estar mais do lado da empresa e da prefeitura do que do lado dos atingidos. Tinha ficado acertado na audiência do dia 02 de julho de 2014 que quem iria participar da Audiência com o IBAMA seriam lideranças que estavam na audiência. O prefeito não estava e foi convidado por uma liderança do GADDH. Prova disso é que o prefeito deu emprego para dois integrantes do GADDH”, denunciou à época a Irmã Geraldinha.
Dia 02 de julho de 2014, houve audiência Pública em Salto da Divisa para ouvir os clamores e as reivindicações dos atingidos/massacrados pela Barragem de Itapebi. Dia 20 de março de 2016, em reunião na sala da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em Almenara, MG, representantes das associações dos atingidos da hidrelétrica de Itapebi apresentaram as seguintes reivindicações, na presença de militantes das Brigadas Populares, de advogadas do Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular, de agentes de pastoral da CPT e do deputado Estadual Dr. Jean Freire (PT): a) Reconhecimento dos 150 pescadores que perderam o trabalho por causa da barragem com ressarcimento pelo tempo sem trabalho; b) Limpeza, repovoamento do rio Jequitinhonha na área da barragem; c) Construção de escadaria para que os peixes possam subir na piracema; d) Reconhecimento e indenização pelo tempo parado das 86 lavadeiras que perderam a fonte de renda e o trabalho que exerciam no rio Jequitinhonha; e) Reconhecimento e indenização aos 48 extratores de pedras também atingidos pela construção da barragem; f) Compensação aos 174 pedreiros atingidos e projeto para continuidade da profissão; g) Reconhecimento dos garimpeiros artesanais e balseiros como categorias atingidas; h) Nova moradia ou indenização para construção de cerca 360 casas que estão em área de risco iminente, dentro da faixa de 100 metros à beira do lago da barragem; e i) Reforma de cerca de 200 casas que foram danificadas pelo impacto da barragem.
Nenhuma dessas justas reivindicações foi atendida efetivamente, exceto migalhas.
Referência:
RIBEIRO, Morel Queiroz da Costa. O Licenciamento ambiental de aproveitamentos hidroelétricos: o espaço da adequação. (Dissertação de Mestrado em Geografia). Belo Horizonte: IGC/UFMG, 2008. Disponível aqui.
Obs.: Abaixo, vídeos que versam sobre o assunto apresentado, acima.
1 - Atingidos pela barragem de Itapebi em Salto da Divisa, MG: Irmã Geraldinha. 12/08/14
2 - Promotor do MP/MG, de Jacinto, MG: compromisso com os atingidos pela Barragem de Itapebi. 08/06/16
3 - Pescadores de Salto da Divisa, MG, exigem seus direitos pisados por empresas e barragem. 08/06 /16
4 - Vazanteiros de Salto da Divisa, MG, lutam pelos seus direitos pisados pela barragem. 08/06/16
5 - Pedreiros de Salto da Divisa, MG, lutam pelos seus direitos pisados pela barragem. 08/06/16
6 - Em Salto da Divisa, MG, casas desabando pela barragem de Itapebi e extratores pisados. 08/06/16
7 - Lavadeiras de Salto da Divisa, MG, exigem seus direitos pisados pela Itapebi com barragem. 08/06/16
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Grande empresa mente para impor projeto destruidor de direitos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU