18 Julho 2018
De acordo com Loris Zanatta, professor de História da América Latina na Universidade de Bolonha, a Igreja da Nicarágua tentou há muito tempo uma mediação e, fracassada, passou para a oposição. “Estamos diante de uma sociedade muito pouco secularizada, e essas críticas podem tirar legitimidade do governo.”
A reportagem é de Francesco Olivo, publicada em La Stampa, 17-07-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Estamos diante do desvio autoritário da revolução sandinista?
Creio que não. As pulsões autocráticas estavam todas presentes desde o começo. Antes, é o resultado de um percurso que começa de longe. Na Nicarágua, existem todos os elementos típicos do populismo latino-americano.
Quem são os sandinistas?
Um grupo muito dividido em correntes que Fidel Castro soube unir.
São os últimos dias de Daniel Ortega?
É difícil de prever. Por um lado, parece que está acontecendo aquilo que aconteceu com Somoza, que, na sua época, tinha desfrutado de uma certa popularidade e depois entrou em colapso. Mas é preciso considerar que é difícil derrubar um regime que tem nas mãos todos os poderes do Estado. Basta ver o que está acontecendo na Venezuela.
Que personagem é Daniel Ortega?
De baixa estatura intelectual, certamente não é Fidel Castro. Mas soube criar alianças transversais e acumular poder. Com o seu mestre Fidel, que havia lido Malaparte, ele aprendeu que, antes, toma-se o poder fingindo-se moderado, conquista-se a polícia, a mídia, a economia. Nesse ponto, faz-se a revolução e se impõe uma única ideologia.
Houve anos de relativo bem-estar.
Mérito do boom do preço das matérias-primas e do apoio da Venezuela. Nessa fase, Ortega soube tecer uma rede de alianças com pessoas distantes do seu movimento, como os empresários e a Igreja.
A Igreja hoje está na liderança da oposição.
Esse choque violento poderia custar caro a Ortega. A Igreja tentou há muito tempo uma mediação e, fracassada, passou para a oposição. Estamos diante de uma sociedade muito pouco secularizada, e essas críticas podem tirar legitimidade do governo.
Posicionar-se contra a Igreja significa fazer inimizade com o papa?
Não necessariamente. Se buscarmos declarações de Bergoglio dos últimos anos contra Ortega e Maduro, encontraremos pouca coisa. Ele foi muito mais duro contra o governo argentino, que leva em frente um programa conservador, mas plenamente legítimo, tendo ganhado as eleições políticas normais. Não digo que Francisco goste desses governos, mas tem o temor de que possam ser substituídos por governos liberais dos quais ele desconfia. Se se abrisse a hipótese de um sandinismo sem Ortega, então ele poderia aceitar a sua destituição. Naquele ponto, também haveria consequências para Maduro.
Ortega acusa os Estados Unidos, mas Washington ainda tem um papel decisivo?
Com Trump, estamos na montanha-russa permanente. Talvez amanhã ele anuncie uma intervenção militar, como fez no ano passado com a Venezuela, para depois não fazer nada. Aos Estados Unidos interessa a estabilidade, para evitar crises migratórias. Se Trump, por outro lado, fosse um xerife, ele faria um favor a Ortega.
Nota de IHU On-Line:
Carlos Mejía Godoy lee su “Carta abierta a Daniel Ortega”
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Nicarágua: ''Com a Igreja na oposição, o poder de Ortega pode vacilar''. Entrevista com Loris Zanatta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU