10 Janeiro 2018
De 1968, ele certamente deve ter apreciado o slogan mais célebre daquela temporada de sonhos, que apareceu pela primeira vez nos muros da Universidade de Nanterre durante as revoltas estudantis. “Make Love Not War.” Mas, daqueles “formidáveis anos” – os direitos autorais desta vez são de Mario Capanna –, não restam muitas coisas, a se julgar pela leitura bastante crítica feita que o Papa Bergoglio fez na manhã dessa segunda-feira, diante de quase 180 embaixadores.
A reportagem é de Franca Giansoldati, publicada no jornal Il Messaggero, 09-01-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No discurso para as saudações de início do ano, ele falou de muitos assuntos, de política, de migrantes, das viagens feitas em 2017, do risco nuclear. Mas é aquela ampla passagem sobre o 50º aniversário de 1968 que chamou a atenção geral.
O movimento global de contestação, para Francisco, continua sendo uma leitura complexa e decepcionante, feita de luzes e sombras, especialmente se for analisada a grande questão dos direitos humanos. Culpa das utopias e do sonho inicial, que cederam espaço às colonizações ideológicas, obstáculo de direitos fundamentais. Por exemplo, o direito à vida e o direito à família.
Na cultura de hoje, explicou Francisco, “a interpretação de alguns direitos foi se modificando progressivamente, de modo a incluir uma multiplicidade de novos direitos, não raramente em contraposição entre eles. E isso nem sempre favoreceu a promoção de relações amigáveis entre as nações”.
Por causa das sublevações de 1968, “afirmaram-se noções controversas dos direitos humanos que contrastam com a cultura de muitos países, que não se sentem respeitados nas próprias tradições socioculturais, mas sim negligenciados diante das necessidades reais que devem enfrentar”.
A referência implícita é à grande chantagem dos Estados Unidos, denunciada em diversas ocasiões pelos episcopados africanos e pelo Terceiro Mundo: ajudas em troca de projetos para o controle de natalidade.
O papa, naturalmente, ressaltou que o reconhecimento dos direitos é em si mesmo positivo, na medida em que “tais direitos derivam o seu pressuposto da natureza que objetivamente une o gênero humano. Eles foram enunciados para remover os muros de separação que dividem a família humana e favorecer aquilo que a doutrina social da Igreja chama de desenvolvimento humano integral, pois diz respeito à promoção de cada homem e de todo o homem, até abranger a humanidade inteira”.
Mas, logo depois, ele acrescentou que “uma visão redutiva da pessoa humana, em vez disso, abre caminho para a difusão da injustiça, da desigualdade social e da corrupção”.
O papa não explicita isso aos embaixadores, mas pensa na legalização de práticas abortivas, no enfraquecimento da família tradicional, em uma pesquisa científica que tende a não se dar nenhum limite ético.
“Pode haver, portanto, o risco, de certa forma paradoxal, de que, em nome dos próprios direitos humanos, venham se instaurar modernas formas de colonização ideológica dos mais fortes e dos mais ricos em detrimento dos mais pobres e dos mais fracos. Ao mesmo tempo, é bom ter em mente que as tradições dos povos individuais não podem ser invocadas como um pretexto para ignorar o devido respeito pelos direitos fundamentais enunciados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos”. Em suma, uma bela rejeição de 1968.
Naqueles anos, Jorge Mario Bergoglio estava completando o longo percurso de estudos necessário para se tornar jesuíta. O padre José Luis, missionário da Sagrada Família, contou em um livro (Ero Bergoglio sono Francesco [Era Bergoglio, sou Francisco], de Christian Martini Grimaldi, Ed. Marsilio), que o conheceu como estudante da faculdade de filosofia e teologia entre 1967 e 1968.
“Ele era inteligente e tinha fama de ser uma pessoa equilibrada (...). Alguns anos depois, quando ele foi eleito provincial, nem todos os jesuítas concordaram, muitos não eram a favor, havia quem dissesse que ele tinha uma linha muito rigorosa. Sobre a doutrina, por exemplo.”
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Papa Francisco rejeita 1968: ''Reduziu os direitos'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU