A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Evangelho de Lucas 12,32-40, que corresponde ao 19° Domingo do Tempo Comum, ciclo C do Ano Litúrgico. O comentário é elaborado por Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.
Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: "Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado do Pai dar a vós o Reino. Vendei vossos bens e dai esmola. Fazei bolsas que não se estraguem, um tesouro no céu que não se acabe; ali o ladrão não chega nem a traça corrói. Porque onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração. Que vossos rins estejam cingidos e as lâmpadas acesas. Sede como homens que estão esperando seu senhor voltar de uma festa de casamento, para lhe abrirem, imediatamente, a porta, logo que ele chegar e bater. Felizes os empregados que o senhor encontrar acordados quando chegar. Em verdade eu vos digo: Ele mesmo vai cingir-se, fazê-los sentar-se à mesa e, passando, os servirá. E caso ele chegue à meia-noite ou às três da madrugada, felizes serão, se assim os encontrar! Mas ficai certos: se o dono da casa soubesse a hora em que o ladrão iria chegar, não deixaria que arrombasse a sua casa. Vós também ficai preparados! Porque o Filho do Homem vai chegar na hora em que menos o esperardes".
No texto do evangelho deste domingo, Jesus nos diz em primeiro lugar: “"Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado do Pai dar a vós o Reino”. Lembremos que, quando Lucas redigiu seu evangelho, a comunidade cristã era pequena e perseguida pelo Império Romano. O estilo de vida e os princípios que moviam essa pequena comunidade contradiziam o modo de vida “natural”, habitual, aquele que já havia sido imposto pelos romanos. O anúncio de Jesus morto e ressuscitado, o discipulado e a formação de pequenas comunidades, a proclamação do Reino de Deus que já está entre nós, constituíam uma ameaça contínua e uma denúncia diante da escravidão estabelecida pelo Império. Aqueles que estavam com Jesus também tinham vivido isso porque sabiam das acusações que havia em torno de sua pessoa. O medo é a “sensação de alerta e angústia pela presença de um perigo ou mal, seja real ou imaginário” e, como consequência dessa realidade, o medo paralisa, convida a recuar, faz repensar as decisões tomadas com o objetivo de não as levar adiante.
“Não temais, pequeno rebanho, pois foi do agrado do Pai dar-vos o Reino”.
Neste domingo, as primeiras palavras de Jesus são um convite a não ter medo e a reconhecer a riqueza do Reino que o Pai nos deu “com agrado”. É um chamado a fixar o olhar no centro, no maravilhoso dom do Reino que o Pai nos entregou e do qual somos participantes. Bebendo dessa fonte de vida, assentados nesse tesouro “foi do agrado do Pai dar-vos o Reino”, o medo se dissipa, os temores se afastam e a liberdade se faz presente em nossa vida e nos impulsiona a continuar caminhando com desapego de tudo aquilo que não nos permite caminhar livres. Por isso Jesus continua dizendo:
Vendei vossos bens e dai esmola. Fazei bolsas que não se estraguem, um tesouro no céu que não se acabe; ali o ladrão não chega nem a traça corrói.
No domingo passado, meditamos sobre a ganância de acumular bens para si mesmo, como se isso garantisse a possibilidade de uma vida tranquila e serena. Jesus volta a colocar em primeiro lugar o Reino que o Pai generosamente entregou aos discípulos e, a partir daí, convida-os ao desapego, a não acumular bens, mas, pelo contrário, a vendê-los e dar esmolas. Ele exorta a fazer bolsas que não se deterioram, a colocar o olhar em um tesouro no céu que não se acabe! Para sentir e palpar a riqueza do Reino, para desfrutar de sua sabedoria e gozar de seu perfume, para acolhê-lo com nossas mãos e apreciá-lo com nosso coração, temos que nos desapegar, em primeiro lugar, daquilo a que estamos agarrados e que ocupa nossos sentidos. É necessário libertar nossas mãos para receber nelas a semente do Reino, deixar de ouvir os sons que nos distraem, nos atordoam e não nos deixam ouvir a voz que nos liberta, mudar o olhar que calcula bens e prevê um futuro incerto, para colocá-lo no tesouro que temos em nossas mãos, conhecê-lo, apreciá-lo, senti-lo e aprender a comunicá-lo. Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração.
Que vossos rins estejam cingidos e as lâmpadas acesas. Sede como homens que estão esperando seu senhor voltar de uma festa de casamento, para lhe abrirem, imediatamente, a porta, logo que ele chegar e bater.
Jesus insiste na vigilância, em viver atentos, despertos, em uma atitude de espera consciente... com estas palavras, ele nos convida a assumir nossa própria vida com as decisões e compromissos que isso traz. É mais fácil deixar-se levar pela corrente, ser arrastado pelas urgências que se apresentam, encher-se de conteúdos passageiros do mundo digital do que assumir a própria existência, discernir e escolher o caminho a seguir. Jesus previne contra uma vida passiva, onde não se toma as rédeas da vida para vivê-la com decisão e critérios próprios, com a novidade que isso acarreta, mas se escolhe respirar o ar que outros decidiram e saciar-nos – aparentemente – com os alimentos falsos que outros já prepararam e que nos adormecem, fazendo-nos parte de um grande grupo indefinido e despersonalizado.
Esta exortação de Jesus a viver atentos e vigilantes ressoa também hoje, em plena era digital. Aceitamos o convite do Papa Leão XIV aos participantes na Basílica de São Pedro para o primeiro Jubileu dos missionários católicos e influenciadores: “cultivar uma cultura de humanismo cristão, buscar a carne sofredora de Cristo mesmo nos rostos ocultos da internet e reparar as redes, não apenas as digitais, mas especialmente as relacionais e comunitárias. Construir redes de amor e partilha, redes que salvam, redes que nos ajudam a redescobrir a beleza de olhar nos olhos uns dos outros", foram as palavras do Pontífice, convidando os missionários digitais a oferecerem um testemunho concreto e humilde, partindo de si mesmos e da sua própria necessidade do Evangelho (cf. Não apenas “seguidores”: O Jubileu que reconhece a missão online)
Este domingo, Jesus nos convida a viver nossa vida cristã com responsabilidade e sentido, a tomá-la em nossas mãos e ser assim protagonistas ativos da sociedade que queremos construir, semeada pelos valores e pela riqueza do Reino que nos foi confiado.