20 Dezembro 2018
Para muitos de nós, 10 de dezembro traz à mente, infelizmente, o 50º aniversário da morte de Thomas Merton. O dia também marca sua chegada em 1941 no mosteiro trapista de Nossa Senhora de Gethsemani no Condado de Nelson, Kentucky, onde nos próximos 27 anos sua produção literária, incluindo o autobiográfico “The Seven Storey Mountain” (A montanha de sete andares, em tradução livre) que vendeu mais de 600 mil cópias no primeiro ano, e clássicos espirituais como “The Sign of Jonas: Bread in the Wilderness” (O signo de Jonas: pão no deserto, em tradução livre), lhe garantiram fama e seguidores como um mestre espiritual.
O relato é de Colman McCarthy, diretor do Center for Teaching Peace em Washington, publicado por National Catholic Reporter, 17-12-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen. Colman McCarthy foi irmão trapista leigo por cinco anos no The Holy Spirit, Conyers, Geórgia.
"McCarthy é outro que está completamente pendurado na divisão ação-contemplação, e que pensa que a maneira de resolver é colocar todo o peso sobre o 'ativo'. Totalmente estúpido" - Thomas Merton (Foto: Reprodução NCR)
Apesar dos rigores da vida monástica trapista, Merton realmente levou duas vidas: uma pública e uma pessoal. Uma conduzida para escrever a uma audiência massiva, outra que o levou a escrever para um único leitor, e tudo isso enquanto escrevia sete volumes de um diário iniciado em 2 de maio de 1939, na cidade de Nova York, e finalizado em 8 de dezembro de 1968, na Tailândia.
As correspondências de Merton podem ser encontradas em cinco volumes grossos: The Hidden Ground of Love, The Road to Joy, The School of Charity, The Courage for Truth and Witness to Freedom (O terreno oculto do amor; O caminho para a alegria; A escola de caridade; A coragem para a verdade; e Testemunha da liberdade, em tradução livre).
"O trabalho de escrever", explicou em seu diário no dia 14 de abril de 1966, "pode ser, para mim, o trabalho simples de ser: pela reflexão criativa e consciência para ajudar a própria vida a viver em mim. Escrever é amar: é inquirir e elogiar, confessar e apelar. Este testemunho de amor permanece necessário. Não para tranquilizar o que eu sou ('eu escrevo, portanto, eu sou'), mas simplesmente para pagar a minha dívida com a vida, com o mundo, com outros homens. Falar com um coração aberto e dizer o que me parece ter sentido".
Eu pude vislumbrar o "coração aberto" de Merton quando eu estava escrevendo um artigo para o National Catholic Reporter que seria publicado em 13 de dezembro de 1967, a ser intitulado "Renewal Crisis Hits Trappists" (Crise de Renovação Atinge Trapistas, em tradução livre). Eu escrevi a ele pedindo seus pensamentos sobre como ele, sua ordem e o monasticismo em todo o mundo estavam indo.
Sua longa resposta de quatro partes em 15 de agosto de 1967, começou: "Obrigado pela sua carta. Parece interessante. Eu contribuo de bom grado com as ideias que posso, e aqui estão elas. Use o que você preferir ou puder. Enviarei alguns artigos mais recentes que não estão impressos, e você pode falar sobre eles também, se quiser."
O termo "vida contemplativa", ele acreditava, "está sendo usado defensivamente como uma desculpa para manter os monges no mosteiro, para mantê-los fora de contato com os problemas e as necessidades do mundo; em suma, para mantê-los fora do diálogo com o mundo. Isto é desastroso. Tal uso do termo trará descrédito completo sobre o valor real da contemplação. Numa tentativa desajeitada de proteger a vida monástica, este negativismo só a esterilizará e garantirá a sua morte."
Tanto pelo seu registro no diário ou pelo contato por cartas com simpatizantes, era bem sabido que durante anos Merton foi contido pelo Superior do mosteiro, um abade chamado James Fox, que mantinha firmemente a ideia de que os monges trapistas enclausurados voluntariamente deixavam o mundo para sempre, para se autoaprisionarem numa comuna de detentos de Deus. Merton escreveu que ele tinha recentemente recebido um convite muito interessante para ir ao Japão visitar os mestres Zen de lá, mas que sua permissão para ir foi categoricamente recusada. "Meus superiores, num estado quase de choque catatônico, disseram: 'mas isso seria absolutamente contrário à vida contemplativa'. Nem preciso comentar.”
Cinco meses depois de Merton escrever sobre sua tentativa frustrada, o Superior James Fox se aposentou e foi substituído por um novo abade que abriu os portões do mosteiro. Liberado, Merton logo estaria em seu caminho para o Oriente numa viagem que terminou tragicamente.
Algum tempo depois que meu artigo foi publicado, Merton fez algumas críticas a ele: "Não leve a sério esse artigo publicado no National Catholic Reporter", escreveu ele para a Ir. Elaine Bane em 21 de dezembro de 1967. "Esse Colman McCarthy é muito tendencioso. Eu não acho que metade dessas pessoas realmente saiba o que estão falando. Ele é outro que está completamente pendurado na divisão ação-contemplação, e que pensa que a maneira de resolver é colocar todo o peso sobre o 'ativo'. Totalmente estúpido. "
Dois dias depois, e ainda irado, ele escreveu para a madre A.: "O artigo de Colman McCarthy era extremamente tendencioso, pensei, e fiquei distorcido pela maneira como ele me citou. Na verdade, eu concordo com ele em certa medida sobre o fracasso das ordens contemplativas. Eu não acho que elas são realmente contemplativas. ... Mas não acho que Colman McCarthy saiba alguma coisa sobre este assunto. Ele sabe que a vida oficial do trapista não está funcionando, e isso é correto. Mas ele não tem ideia do que uma vida contemplativa real pode possivelmente ser. E sua noção sobre vida apostólica também parece muito rudimentar.
Se Merton, o monge, inicialmente havia deixado o mundo para trás, os acontecimentos da década de 1960 - movimento antiguerra, direitos civis -, trouxeram o mundo para ele. Entre seus visitantes no mosteiro estavam Daniel Berrigan, Jacques Maritain, John Howard Griffin, Jim Forest e Joan Baez. Da cantora folk e pacifista, Joan Baez, então com 26 anos, Merton escreveu em seu diário: "é uma menina muito pura e honesta, permanece longe das drogas. Sua pureza de coração é impressionante. Uma pessoa preciosa, autêntica e totalmente humana. A coisa que eu mais sinto nela, por alguma razão, é uma espécie de mistura de fragilidade e indestrutibilidade.
Conexões mais profundas de Merton com a vida secular vieram em março 1966, após uma cirurgia nas costas em um hospital de Louisville, quando uma enfermeira estudante foi encarregada de lhe dar um banho na cama. Eles se apaixonaram, com força. Merton tinha 51 anos, Margie Smith, com cabelos pretos fluindo e olhos cinzentos, era uma enfermeira estudante décadas mais nova.
Durante meses na primavera e no verão, depois de repetidas ligações secretas, almoços e jantares furtivos, bebendo champanhe em Louisville, as anotações do diário de Merton e as cartas trariam os registros de sua felicidade: "Estamos nos movendo lentamente em direção a um completo amadurecimento físico do amor, uma preparação para o lazer de todo o nosso ser, como o amadurecimento das maçãs ao sol". E: "há algo profundo em nós, minha querida, que nos diz para nos rendermos completamente. Não apenas se render quando o vestido cai e os corpos se tocam sem nada no meio, mas a rendição muito mais emocionante quando o nosso próprio ser se rende à nudez do amor e de uma união onde não há véu de ilusão entre nós. Querida, estou esperando muito tempo por isso. Você vê? Você precisa de mim também?".
Merton nunca se casou com Margie Smith. Ela se tornou esposa de um médico e mãe de três crianças.
Quando eu estava no Kentucky algum tempo atrás, tirei um tempo para visitar o mosteiro Gethsemani perto de Bardstown e o local do túmulo de Merton no cemitério da comunidade. Estava marcado por uma cruz branca.
Mais tarde, na loja de presentes, eu comprei alguns pães trapistas e geleia, em memória do meu amigo, Tom.
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Quando Thomas Merton me chamou de "totalmente estúpido" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU