10 Dezembro 2018
É possível para as minorias não-muçulmanas viver em países de maioria muçulmana? A Igreja escolheu continuar a estar lá, mas sua vida é marcada por grandes dificuldades. Ontem, em Oran, com a solene beatificação de dezenove cristãos mortos na Argélia entre 1994 e 1996, foi colocada a ênfase na escolha de continuar presente no ambiente muçulmano, mesmo colocando em risco a vida.
O artigo é de Andrea Riccardi, historiador italiano, fundador da Comunidade de Santo Egídio e ex-ministro italiano, publicado por Corriere della Serra, 09-12-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na Argélia, no final do domínio francês em 1962, havia 900.000 católicos, a maioria franceses.
Quase todos partiram depois da independência, muitas vezes sob forte pressão. Era a terrível alternativa expressa pelo slogan: "La valise ou le cercueil" ("a mala ou o caixão"). A Igreja Católica, liderada pelo cardeal Duval (francês, que se tornou cidadão argelino), optou por permanecer em condição de minoria e precária. A situação tornou-se difícil nos anos 1990 com o avanço do islamismo.
Naquele período, dezenove religiosos foram mortos. Entre eles, Pierre Claverie (nascido de família francesa na Argélia há cinco gerações), bispo de Oran desde 1981, convencido da necessidade de dialogar: ele foi morto por uma bomba quando regressava para a sua casa com um motorista muçulmano. O fato é considerado emblemático de como cristãos e muçulmanos foram atingidos juntos naqueles anos.
As pequenas comunidades cristãs, que permaneceram na Argélia, foram atacadas no início do confronto sangrento - cerca de 200.000 mortos - com o islamismo radical e o terrorismo. Os religiosos viviam entre o povo. Na distorcida visão islâmica, representavam o inimigo: o cristianismo e a França. Nesse clima, algumas freiras foram assassinadas na rua. Quatro Padres Brancos, que viviam em Cabília, foram mortos, talvez como retaliação islâmica contra a intervenção da gendarmaria francesa para libertar um avião sequestrado por terroristas. A mensagem era clara: os cristãos não podiam mais ficar em terra muçulmana. O governo francês convidou seus cidadãos a deixar a Argélia.
Quase todos os 900.000 católicos deixaram o país norte-africano no final do domínio francês. Entre os que permaneceram, estava os trapistas do mosteiro de Notre Dame de l'Atlas e, perto da cidade de Medea, toda muçulmana. Os monges, liderados pelo frei Christian de Chergé, tinha estabelecido relações de amizade e diálogo no ambiente muçulmano e eram estimados pela população que, entre outras coisas, usava a assistência de um deles, um médico, o frei Luc. O filme de sucesso na França, "Homens e Deuses", narrou suas dificuldades diante das ameaças, que terminaram com a decisão de não deixar a Argélia. Para o frei Christian o islamismo era uma caricatura do Islã - ele escreveu isso no testamento - enquanto era necessário apoiar os argelinos na resistência ao extremismo.
Localização do Mosteiro de Notre-Dame de l'Atlas, em Tibhirine, na Argélia, antes do ataque os monges (1996)
A história do sequestro dos sete monges de Notre Dame é complexa, se não obscura. O extremismo islâmico havia se transformado no GIA (Grupo Islâmico Armado). Pessoas pertencentes a esse movimento sequestraram os freis na noite entre 26 e 27 de abril de 1996 e os mataram em 21 de maio do mesmo ano. A tentativa dos terroristas de conseguir a troca com alguns prisioneiros na França acabou se entrelaçando com outras operações que jamais foram esclarecidas.
Trailer do filme francês Homens e Deuses (2010)
De acordo com algumas revelações, o exército ou serviços teriam se infiltrado na operação como parte de uma estratégia de tensão, que também incluiria o assassinato do bispo Claverie, cujos contornos permanecem obscuros. Apenas as cabeças dos sete monges foram encontradas.
O Papa Francisco pretende ressaltar que o cristianismo continuará a viver nessas terras. A Igreja Católica, em um país refém do terrorismo islâmico, mas também nas mãos de uma potência militar que utilizava todos os meios da luta, correu o risco de ser dominada pela violência islâmica e vivenciou algumas passagens obscuras. Em 1996, após a descoberta dos restos mortais dos monges, foram celebrados juntos seus funerais e o do cardeal Duval, que morreu naqueles dias, um homem velho e morto a tiros por aquela crise. Parecia o fim da presença cristã sob os golpes da guerra civil.
Depois de pouco mais de duas décadas, a beatificação dos dezenove mártires da Argélia, decidida pelo Papa Francisco, adquire um significado especial também para a crise de tantos países muçulmanos: o cristianismo tem a intenção de continuar a viver naquelas terras, desarmado e aberto ao encontro. O frei Christian tinha percebido as objeções e críticas de tal escolha, quando escreveu em seu comovente testamento: "Minha morte, evidentemente, vai parecer dar razão àqueles que me trataram como ingênuo ou idealista ...." Assim, reiterava o valor de viver como cristãos no mundo muçulmano, apesar de tudo.
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Viver como cristãos no mundo muçulmano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU