Por: Wagner Fernandes de Azevedo | 28 Setembro 2018
A Igreja chilena vive sua reconfiguração depois dos abalos causados pelos casos de abuso e encobrimentos por parte do clero. A arquidiocese de Santiago anunciou na quarta-feira, 26-09-2018, a criação da Delegação Episcopal para a Verdade e a Justiça. O organismo será responsável no atendimento das denúncias, no prosseguimento das investigações, auxílio às entidades civis nos processos e acompanhamento das vítimas. A advogada Andrea Idalsoaga Montoya, leiga, será a delegada responsável pela entidade.
A Delegação para a Verdade e a Justiça é o primeiro órgão criado pela Igreja chilena para evitar os erros que abalaram o país. Assinado pelo próprio cardeal e arcebispo de Santiago Ricardo Ezzati, acusado pela Justiça Chilena por acobertar abusos, o organismo segue as recomendações que o Papa demandou aos bispos chilenos. Em uma extensa carta enviada em maio de 2018 aos bispos, Francisco cobrou que fosse feita uma intensa abordagem sobre os casos concretos e se descobrissem também as raízes que possibilitavam tais atitudes.
A arquidiocese tomou a iniciativa com o objetivo de “enfrentar o dano produzido pelos abusos causados por membros da Igreja na arquidiocese, responder as necessidades atuais e construir caminhos para reestabelecer a confiança”, apresenta em nota oficial.
Em vista dos profundos problemas enfrentados, criou-se uma nova estrutura, aos moldes daquilo que já foi prenunciado pelo Vaticano em outras ocasiões. A revelação de abusos em diversos países e encobrimento desses por cardeais, bispos e conferências nacionais levou a recomendação da criação de dispositivos locais para acompanhar as denúncias. Segundo o anúncio da arquidiocese, a Delegação servirá para “coordenar as denúncias, acompanhar as vítimas, realizar investigações pertinentes e colaborar com as instituições civis em matérias competentes”.
A descrição da arquidiocese de Santiago sobre as diretrizes de trabalho do organismo inclui diferentes instâncias de ação. As diretrizes são:
Andrea Idalsoaga Montoya. Foto: Arquidiocese de Santiago
a. Coordenar os esforços das diversas entidades da Arquidiocese dirigidas a fomentar e formar o bom trato para a promoção de ambientes saudáveis e seguros;
b. Acolher e acompanhar os denunciantes e vítimas de abusos em contextos eclesiais, o correspondente seguimento aos procedimentos canônicos referidos a essa situações;
c. Atender os clérigos envolvidos, as comunidades e pessoas afetadas;
d. Informar devidamente e oportunamente às comunidades;
e. Colaborar com instituições civis em matérias de sua competência”.
A pessoa designada para comandar a Delegação é uma mulher, leiga e advogada: Andrea Idalsoaga Montoya. Andrea é a primeira mulher leiga a comandar um organismo para investigação de abusos na arquidiocese. A advogada em entrevista ao jornal El Mercurio afirmou que “é algo muito importante para nossa igreja e para todos, especialmente, aqueles que sofreram diretamente com o caso de abusos e que por tantos anos experimentaram essa dor”.
Andrea integra a Associação Chilena de Direito Canônico e foi por 14 anos juíza do Tribunal Nacional Eclesiástico de Apelação. Em agosto, a Conferência Episcopal Chilena delegou à Ana Maria Celis Brunet, também leiga e advogada, a presidência do Conselho Nacional Chileno de Prevenção de Abusos e Acompanhamento de Vítimas.
Os escândalos de abusos na Igreja chilena tiveram na arquidiocese de Santiago episódios e atores centrais. Os crimes cometidos por Fernando Karadima, o pároco de El Bosque, apelido da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, situada numa zona nobre da capital, foram encobertos pelo alto clero chileno. Entre os principais acusados de encobrimento e conivência estão os cardeais Angelo Sodano, núncio apostólico por onze anos, cardeal Francisco Errázuriz, membro do Conselho dos 9, foi arcebispo de Santiago por treze anos, hoje emérito e ex-presidente da Conferência Episcopal Chilena, e Ricardo Ezzati, atual arcebispo de Santiago. Sob o comando desses cardeais, padres e bispos da Pia União Sacerdotal, fraternidade de Karadima, ascenderam na hierarquia ou tiveram suas denúncias acobertadas.
A visita do papa Francisco ao país em janeiro de 2018 foi marcada pelas confusões, sobretudo nas suas declarações. A partir das tensões foi necessário a investigação a fundo. O papa enviou dom Charles Scicluna, bispo maltês, presidente do Colégio para o Exame de Recursos (em matéria de delicta graviora) da Seção Ordinária da Congregação para a Doutrina da Fé. Durante o mês de fevereiro e março, entrevistou 64 testemunhas e produziu um relatório de mais de 2 mil páginas, que causaram as maiores transformações na Igreja chilena. A renúncia coletiva de 30 bispos foi um marco. Destes, 7 já tiveram seus pedidos aceitos pelo papa Francisco.
Em julho, a Justiça Chilena pediu acesso aos documentos episcopais. No mesmo mês, Ricardo Ezzati foi acusado de encobrimento dos escândalos. As tensões levaram Ezzati a renunciar à presidência do Te Deum, tradicional celebração pátria que ocorre na catedral de Santiago, em 18-09-2018.
Para fevereiro de 2019, o papa Francisco convocou uma reunião com os presidentes de todas as conferências episcopais para discutir soluções dos casos de abusos sexuais.
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Chile. Leiga será presidente do novo organismo para investigação de abusos sexuais na arquidiocese de Santiago - Instituto Humanitas Unisinos - IHU