05 Março 2018
O comentário dos textos bíblicos proclamados no 3º Domingo da Quaresma é de Elaina Jo Polovick, mestranda de teologia na Jesuit School of Theology, faculdade teológica da Universidade de Santa Clara, em Berkeley. Elaina atualmente trabalha com teologia no Ignatian Spiritual Life Center em San Francisco.
O comentário é publicado por News Ways Ministry, 04-03-2018. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
A imagem do Evangelho de hoje não é a maneira como gosto de imaginar Jesus. Prefiro a imagem dele como o Bom Pastor ou a de um Jesus a caminhar sobre as águas. Prefiro até mesmo o Cristo crucificado a um Jesus a segurar um chicote. No entanto, essa história de purificação do templo encontra-se em todos os quatro evangelhos. Há algo importante neste relato, e penso que isso não tem a ver com “o que” Jesus faz, mas com o “porquê”.
Jesus exibe uma raiva justificada às práticas materialistas que distraíam o povo daquilo que realmente significava rezar. Ao visitar o templo perto da época da Páscoa judaica, ele literalmente derruba as mesas contra uma comunidade que supostamente vem para adorar. Jesus ensina um novo caminho: o caminho do amor e da justiça.
Gravura de Gustave Dore
Assim que supero a minha aversão à imagem de um Jesus furioso a segurar um chicote, animo-me com uma fúria justificada também. Quando imagino Jesus virando mesas e se insurgindo contra os cambistas, parte de mim quer se juntar a ele. Quero purificar o Templo também! Quero pôr a correr aqueles que não aceitam as pessoas LGBTQs. Quero expulsá-los do Templo e gritar dizendo-lhes: “Todos são bem-vindos na casa do meu Deus!” Quero derrubar a mesa eucarística a que só os homens podem se juntar e dizer: “Jesus convida as mulheres à mesa também!”
Mas então percebo que o zelo de Jesus vai além do que há de errado na nossa forma de adorar: tem a ver com nos orientar no sentido do amor por Deus.
O autor evangélico nos fala que as ações de Jesus lembram os discípulos do Salmo 69, que diz: “o zelo pela tua casa me consome”. Esse salmo é uma oração por libertação que implora por um Deus de amor abundante e firme para resgatar o seu povo.
No Evangelho de hoje, o Povo de Deus é nutrido por uma mensagem profética de amor. Jesus diz às pessoas – pobres e ricos, discípulos e fariseus, poderosos e humildes – que o amor por Deus basta. O amor é suficiente, e para provar isso Jesus prenuncia a sua própria morte: um ato de amor que não requer sacrifício no templo. Não há a necessidade de vacas nem de pombas, tampouco cambistas no templo, pois Deus acolhe todos/as nós sem distinção.
Jesus quer que adoremos não com riqueza e sacrifício material, mas, antes, quer que sejamos ricos em espírito e que estejamos dispostos a nos sacrificar. A Quaresma é um tempo em que somos chamados ao sacrifício: jejuar, dar esmolas e renovar a nossa fé. O Evangelho nos desafia a considerar o que o sacrifício tem a ver com justiça e amor.
Amamos os marginalizados a ponto de derrubarmos as mesas que vemos em nossas comunidades? Amamos nossa Igreja o suficiente para expulsar os que nos distraem do amor irrestrito do nosso Deus?
Na primeira leitura de hoje, ouvimos os Dez Mandamentos. Ouvimos Deus a dizer ao seu povo o que não fazer. Embora Deus venha com uma lista bastante boa de coisas que devemos evitar, a mensagem principal tem a ver com aquilo em que devemos empregar o nosso tempo: amar o nosso Deus e nossos irmãos e irmãs.
Nem sempre é fácil lembrar que os Dez Mandamentos e a Purificação do Templo têm a ver amar. Não é fácil nos livrar da imagem dos Dez Mandamentos vista a partir do famoso filme onde um Charlton Heston, forte e barbudo, no papel de Moisés se põe em meio ao trovão e ao fogo numa montanha onde Deus lhe dá tábuas resplandecentes. E se, em vez disso, nos lembrarmos de que, após ter amado tanto o seu povo, este Deus libertou os israelitas do Egito, e mesmo quando os israelitas tiveram preguiça e se perguntaram se um outro Deus poderia ser melhor, Deus mostrou-lhes amor enviando-os uma lista de regras básicas para ajudá-los a crescer no amor por Deus e entre si.
Como purificar os templos nesta Quaresma? Nos permitiremos ser vulneráveis ou proféticos? Convido-nos a desafiar a nossa Igreja com uma raiva justificada e com a paixão para amar mais profundamente. Proclamar que este templo é um espaço de oração, onde os LGBTQs e todas as pessoas são bem-vindas a adorar, sem custos.
Derrubemos as mesas dos corações enrijecidos.
Expulsemos as partes da nossa Igreja que excluem os outros.
Zelemos para que o amor de Deus preencha os nossos corações.
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Derrubar as mesas com Jesus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU