15 Janeiro 2018
Na sala de controle escavada na rocha a cerca de um quilômetro abaixo da superfície, Mika Persson observa os robôs movimentando-se, supostamente em direção aos seus postos de trabalho, aqui na mina Nova Boliden.
Ele está tranquilo, está tudo certo.
A reportagem é de Peter S. Goodman, publicada por O Estado de S. Paulo, 14-01-2018.
O generoso sistema de previdência social da Suécia faz com que aqui não haja nenhuma preocupação com a automação – ou com qualquer outra coisa.
Na frente de Persson, 35, há quatro monitores de computador; um deles mostra a empilhadeira que ele comanda enquanto levanta rochas produzidas por uma recente explosão, que contêm minério de prata, zinco e chumbo. Se ele estivesse lá em baixo, no poço da mina, operando a empilhadeira manualmente, estaria inalando poeira e gases. Em vez disso, está confortavelmente instalado em uma cadeira do escritório e usa apenas uma alavanca de comando para controlar a máquina.
Ele sabe que os robôs estão evoluindo a cada dia que passa. A Boliden está testando veículos automáticos para substituir os motoristas dos caminhões. Mas Persson parte do pressuposto de que serão sempre necessárias pessoas para manter as máquinas funcionando. Ele confia no modelo econômico sueco e em sua rede de proteção contra a tormenta do desemprego.
“De fato, não estou preocupado”, afirma. “Há tantos empregos nesta mina que, mesmo que este desaparecesse, eles teriam algum outro para mim. A companhia tomará conta de nós”.
Em grande parte do mundo, os trabalhadores estão cada vez mais temerosos de uma possível onda de desemprego com a qual a automação parece acenar. Segundo a história assustadora que corre por aí, a globalização obrigou os trabalhadores dos países mais ricos, como a América do Norte e a Europa, a competirem diretamente com uma mão de obra que aceita salários menores na Ásia e na América Latina, provocando um amplo desemprego. E, agora, chegam os robôs para acabar de vez com os seres humanos.
Mas tudo isto não impressiona muito na Suécia ou em seus vizinhos escandinavos, onde os sindicatos são poderosos, o apoio do governo é abundante, e existe uma confiança muito grande entre empregadores e empregados. Aqui, os robôs são mais um recurso que torna as companhias mais eficientes. À medida que elas prosperam, os trabalhadores recebem uma fatia proporcional dos ganhos – contrariamente ao que acontece nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, onde os salários estagnaram, embora os lucros das corporações tenham aumentado vertiginosamente.
“Na Suécia, se perguntarmos a um líder sindical: ‘Você tem medo da nova tecnologia?’ ele responderá: ‘Não, eu tenho medo da velha tecnologia’”, diz a ministra do Emprego e da Integração da Suécia, Ylva Johansson. “Os empregos desaparecem, e então nós treinamos os funcionários para os novos empregos. Nós não protegemos os empregos. Protegeremos os trabalhadores”.
A Suécia aponta para a possibilidade de que, na era da automação, a inovação tenha melhores condições de avançar, proporcionando uma ampla proteção contra o fracasso.
“Uma boa rede de segurança é fundamental para o empreendedorismo”, afirma Carl Melin, diretor de política da Futurion, uma instituição de pesquisa de Estocolmo. “Se um projeto não é bem-sucedido, você não precisa falir”.
Em países como os Estados Unidos, onde a maioria das pessoas depende dos empregadores para ter um sistema de saúde, perder o emprego pode desencadear uma catástrofe sem fim. Por isso, os trabalhadores relutam em deixar seus empregos para criar carreiras possivelmente mais lucrativas. Neste sistema, os sindicatos procuram proteger os empregos acima de qualquer outra coisa.
Entretanto, na Suécia e nos outros países escandinavos, os governos proporcionam assistência médica juntamente com educação gratuita. Eles pagam generosos benefícios desemprego, enquanto os empregadores financiam amplos programas de treinamento para novos empregos. Os sindicatos, em geral, aprovam a automação como uma vantagem competitiva que torna os empregos mais seguros.
Isto é particularmente crucial na mineração, setor da maior importância na Suécia. Os salários são altos, e o pagamento e as condições de trabalho são estabelecidos em congressos nacionais negociados por sindicatos e associações de empregadores. As minas da Boliden têm minérios de qualidade muito inferior, o que significa que contêm quantidades mínimas de minérios valiosos.
A única maneira de a companhia garantir os seus lucros é aumentando a eficiência. Ela segue em frente com seus planos de lançamento de caminhões automáticos, e neste momento testa um sistema com a AB Volvo, a gigante automotiva sueca, em uma mina na cidade de Kristineberg. Ali, a Boliden aumentou a produção anual de 350 mil toneladas, há 30 anos, para cerca de 600 mil– enquanto a força de trabalho continua em cerca de 200 funcionários.
“Se não avançarmos com a tecnologia e ganhando dinheiro, vamos ter de sair do ramo”, disse Magnus Westerlund, 35, vice-presidente de uma seção local do sindicato. “Não é preciso ser formado em matemática para fazer o cálculo”.
Na mina embaixo das gélidas florestas de pinheiros em Garpenberg, a 180 quilômetros a noroeste de Estocolmo, Persson e os seus colaboradores ganham cerca de 500 mil coroas ao ano (cerca de US$ 60 mil). Eles têm cinco semanas de férias, e quando nasce um filho, os pais têm 480 dias de licença familiar que dividirão entre si. Nenhum robô mudará nada disso, diz Persson.
“É a maneira de pensar sueca”, afirmou Erik Lundstrom, 41, pai de dois filhos, que trabalha com Persson. “Se você faz alguma coisa para a companhia, a companhia dá algo em troca”.
Uma pesquisa do Fórum Econômico Mundial de 2016 sobre as 15 maiores economias, que em conjunto contam com dois terços da força de trabalho global – cerca de 1,86 bilhão de trabalhadores -, concluiu que o aparecimento dos robôs e a inteligência artificial eliminarão 5,1 milhões de empregos até 2020.
Mas quando surgiram os primeiros caixas automáticos nas filiais dos bancos, no final dos anos 60, alguns previram a extinção do trabalho humano nestas instituições. No entanto, o emprego cresceu à medida que os bancos investiam as poupanças em novas áreas, como empréstimos e seguros. Tendências semelhantes poderão voltar a aparecer.
Há três anos, Soren Karlsson deixou o emprego no departamento comercial de um jornal sueco para se dedicar à criação de um robô, chamado Rosalinda, que escaneia dados sobre eventos esportivos para inspirar novos artigos.
“Os artigos não são tão interessantes quanto os que um ser humano escreveria”, ele disse.
Mas os seus robôs nunca param para almoço. Hoje, Karlsson tem seis pessoas que trabalham nos seus escritórios na cidade de Malmo. Pelas suas previsões, este ano Rosalinda escreverá 100 mil artigos para várias publicações suecas, elevando o faturamento da sua empresa para aproximadamente 5 milhões de coroas (cerca de US$ 590 mil).
No Sindicato dos Jornalistas sueco, ninguém parece preocupado com isto. Rosalinda em geral faz uma cobertura mais ampla que antes não existia – artigos sobre os jogos de hóquei dentro da escola, no curso secundário, e jogos de futebol.
“Sempre procuramos aplaudir e adotar os novos avanços”, diz o presidente do sindicato, Jonas Nordling. “Não podemos apenas ficar nos lamentando por aquilo que está acontecendo”.
A Suécia e seus irmãos nórdicos tiveram muito sucesso administrando as transições de um emprego para outro que se tornaram necessárias com o advento da automação. Os chamados conselhos de segurança do emprego, financiados pelos trabalhadores, ajudam os que perderam o emprego a encontrarem outro.
Um destes conselhos em Estocolmo, o TRR Trygghetsradet, afirma que 83% dos participantes encontraram novos empregos este ano. Dois terços se empregaram em postos em que ganham o mesmo salário ou um salário mais alto do que no emprego anterior.
Mas alguns temem que o sistema já esteja saturado. O número de estudantes acima dos 35 anos caiu quase 20% nos últimos anos nas universidades suecas, que restringiram a inscrição de trabalhadores na metade da carreira, focalizando os programas de formação tradicional.
“Este é uma espécie de aviso para nós”, disse Martin Linder, presidente da Unionen, que representa mais de 640 mil trabalhadores de colarinho branco.
A manutenção da rede de seguridade social da Suécia exige também que o público continue pagando alíquotas de impostos que se aproximam dos 60%. Entretanto, em uma época em que a Suécia absorve um grande número de imigrantes procedentes de nações dilaceradas por conflitos, este apoio poderá desaparecer. Se uma multidão de pessoas começar a depender da generosidade do governo, o resultado poderá ser um retrocesso.
“O risco é que o contrato social quebre”, disse Marten Blix, um economista do Instituto de Pesquisa sobre Economia Industrial em Estocolmo.
Por enquanto, o pacto social resiste, e na mina Boliden predomina uma atmosfera tranquila. A mina Garpenberg opera desde aproximadamente 1257. Há mais de dez anos, a Boliden se associou à Ericsson, a companhia sueca de telecomunicações, para a instalação da internet sem fio. Isto permite que os mineiros conversem entre si para solucionar os problemas à medida que eles aparecem. Agora, os mineiros carregam tablets que lhes permitem ficar de olho na produção em toda a mina.
“Para nós, a automação é uma coisa boa”, diz Fredrik Hases, 41, que chefia a seção local do sindicato, representando os técnicos. “Ninguém acha que os robôs estão tirando o seu emprego. Temos de fazer mais com o pessoal que temos”.
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Robôs não abalam os trabalhadores da Suécia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU