14 Setembro 2017
A migração de cerca de 370 mil muçulmanos rohingyas de Mianmar para Bangladesh nas últimas semanas é mais um capítulo de uma história marcada por décadas de perseguições.
A reportagem é publicada por BBC Brasil, 13-09-2017.
Cerca de um milhão de pessoas dessa minoria, a maior comunidade no mundo, vivem em Mianmar, país predominantemente budista. A maioria mora de forma precária no Estado de Rakhine, palco dos episódios recentes de violência que o alto comissário das Nações Unidas para os direitos humanos, Zeid Ra'ad al-Hussein, classificou de "limpeza étnica".
O estopim foi em 25 de agosto, quando militantes rohingya atacaram dezenas de postos policiais. Em resposta, o exército birmanês deu início a uma operação militar que, segundo relatos citados pelo alto comissário da ONU, incendiou vilarejos, matou civis e espalhou minas terrestres na fronteira com Bangladesh.
O êxodo em massa dos rohyngias nos últimos dias não tem precedentes, diz a Organização Internacional para as Migrações (OIM) da ONU, que estima que outras 100 mil pessoas possam se juntar nos próximos dias aos que cruzaram a fronteira.
Cerca de 60% dos novos refugiados são crianças, de acordo com o chefe de proteção a crianças da Unicef em Bangladesh, Jean Lieby.
A crise do povo rohingya é uma das mais longas do mundo e também uma das mais negligenciadas. O diagnóstico, feito pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), levou a ONU a aprovar uma resolução em dezembro de 2014 que exortava Mianmar a permitir o acesso à cidadania para a minoria, classificada de forma geral como apátrida.
No país, eles são proibidos de se casar ou de viajar sem a permissão das autoridades e não têm o direito de possuir terra ou propriedade.
O povo representa cerca de 5% entre 60 milhões de habitantes de Mianmar, e sua origem ainda é amplamente debatida.
Por sua parte, eles afirmam serem indígenas do Estado de Rakhine, anteriormente conhecido como Arakan, no oeste do país, mas outros apontam que são, na verdade, muçulmanos de origem bengali que migraram para Mianmar durante a ocupação britânica.
Desde 1948, quando o país se tornou independente, eles têm sido vítimas de tortura, negligência e repressão.
Com as dramáticas mudanças políticas e sociais locais nos últimos anos, os ânimos das várias comunidades que habitam o país entraram em ebulição e uma onda de violência e discriminação voltou a emergir contra os rohingyas.
Após ter sido governado por uma junta militar por mais de meio século, Mianmar vinha passando por uma transição para a democracia e por melhorias no campo social.
Mas a situação não melhorou para os rohingyas.
Em 2012, duas ondas de violência, uma em junho e a outra em outubro, orquestradas por grupos extremistas de maioria budista em Rakhine, deixaram cerca de 140 mortos, centenas de casas e edificações muçulmanas destruídas e 100 mil desabrigados.
Autoridades e a polícia foram acusadas de não agir para defendê-los.
Como explicou o correspondente da BBC no sudeste da Ásia, Jonathan Head, em um relato feito em 2015, "Rakhine é o segundo Estado mais pobre em Mianmar, e este é um dos países menos desenvolvidos do mundo".
"A pobreza, negligência e repressão têm desempenhado um grande papel na violência étnica", diz o repórter.
"Adicione a isso as memórias históricas amargas e os medos sentidos por comunidades rivais do que poderiam perder ou ganhar no ambiente político novo e incerto de Mianmar", acrescenta.
Em 2012, 100 mil muçulmanos rohingyas ficaram desabrigados.
Tanto as Nações Unidas quanto as organizações de defesa dos direitos humanos pedem que as autoridades de Mianmar revejam a Lei de Cidadania de 1982, de forma a garantir que os rohingyas não continuem sem pátria.
Essa é a única maneira, dizem, para combater as raízes da longa discriminação contra essa etnia.
Contudo, muitos budistas de Mianmar nem sequer reconhecem o termo rohingya. Chamam-nos de "bengalis muçulmanos" - uma alusão à visão oficial de que os rohingyas são imigrantes de Bangladesh.
Como diz Jonathan Head, cerca de 800 mil rohingyas de Mianmar não possuem cidadania. E isso de certa forma incentivou budistas a acreditar que sua campanha de segregação e expulsão forçada é justificada.
Mas a segregação, explica o correspondente da BBC, não só é social.
"As longas décadas de isolamento e de injustiça crônica impostas pela junta militar de Mianmar criou um preconceito e ressentimento no Estado de Rakhine. E isso tem fermentado um clima venenoso da desconfiança e falta de informação."
"É claro que, além de a separação física dos muçulmanos e budistas, também há uma extrema segregação mental."
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Quem são os rohingyas, povo muçulmano que a ONU diz ser alvo de limpeza étnica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU