13 Setembro 2017
O desastre humanitário causado pelas últimas duas semanas de confrontos no Estado de Rakhine, na Birmânia, na fronteira com o Bangladesh. A urgência em oferecer a esse povo em fuga um status válido internacionalmente
A reportagem é de Stefano Vecchia, publicada por Mondo e Missione, 12-09-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Já são praticamente 300 mil os Rohingyas em fuga da violência que desde 25 de agosto assola áreas fronteiriças do Estado ocidental do Rakhine, na Birmânia. A estimativa é da Organização das Nações Unidas e baseia-se em uma projeção que leva em conta a situação em dramática evolução, apesar dos apelos internacionais e do empenho - até agora, em grande parte ignorado e intercalado por acusações contra os próprios Rohingyas de serem os artífices das tensões em curso - da Prêmio Nobel da Paz Aung San Suu Kyi, pelo papel e prestígio como referência no governo birmanês.
Os últimos dados fornecidos pelos funcionários da ONU na área de Cox’s Bazar para além da fronteira bengali, falam de 294.000 entradas nas duas últimas semanas marcadas pela violência no estado do Rakhine. Para Dipayan Bhattacharyya, porta-voz do Programa Mundial de Alimentos no país, os Rohingyas forçados a fugir pelos combates e ataques "chegam desnutridos, desprovidos do normal acesso aos alimentos por mais de um mês". Como resultado, "estão visivelmente famintos e traumatizados".
Uma nova crise humanitária, que se liga à do último outono e outras anteriores, quando teve início o recrudescimento de uma perseguição que levou ao longo do tempo a uma diáspora de 300-400 mil Rohingyas de credo muçulmano, como a maioria dos bengaleses, a procurar refúgio fora do país, vivendo em condições difíceis e às vezes desesperadas em imensos campos de refugiados, sem possibilidade de integração e na dependência da ajuda internacional. Certamente, o Bangladesh dispõe de poucos recursos para suportar mais chegadas e, apesar das agências envolvidas na assistência estarem atuando no limite, a água potável, os alimentos e os serviços de saúde são insuficientes.
O próprio secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, em uma carta entregue ao Conselho de Segurança, destacou a preocupação que a violência possa em breve resultar em uma "catástrofe humanitária". Atualmente faltam 13,3 milhões de dólares indicados pelo Programa Alimentar Mundial como necessários para uma emergência durante quatro meses, e por isso Bhattacharyya também lançou um apelo aos doadores para evitar que os refugiados acabem por "lutar entre si por comida, gerando um aumento da criminalidade, e da violência contra mulheres e crianças".
É bastante significativo que, depois de décadas de tensões na fronteira e de pressões internacionais, a situação dos Rohingyas ainda alimente mais controvérsias do que cooperação entre os governos de Bangladesh e da Birmânia. As relações entre Dhaka e Naypyitaw são episódicas, não têm uma continuidade e, sobretudo, uma coerência. Em 1998, o tsunami de 300.000 Rohingyas em fuga atravessou as fronteiras do Bangladesh, mas foi rapidamente regulado e os fugitivos foram recenseados. Isso favoreceu um retorno parcial para o Mianmar; o governo de Naypyitaw afirma que os Rohingyas são na realidade imigrantes do atual Bangladesh e, por isso, não merecedores do reconhecimento de cidadania.
Basicamente, para os bengalis, os refugiados que chegam são certamente Rohingyas, coirmãos de fé em fuga, mas não compatriotas, enquanto para os birmaneses são estrangeiros, além do que comprometidos em cultivar intentos jihadistas e reivindicações enquanto procriam a uma taxa maior do que a da Birmânia budista, ameaçando a identidade nacional. Por isso são ignorados os pedidos de Dhaka para registrar aqueles que chegam, o que garantiria o estatuto de refugiado sob supervisão internacional, e abriria o caminho para uma repatriação, no momento presente excluída.
Em segundo lugar, uma regularização da condição de refugiado iria impedir o recrutamento de jovens, na falta de perspectivas, na militância armada e garantiria a eles a sua proteção contra a reação dos militares birmaneses.
Por fim, apontam os observadores – é necessário um maior empenho diplomático. A condição dos Rohingya e seu impacto no Bangladesh são, em sua maioria, ignorados no interior, mas, mais ainda, no exterior. Uma política coerente do governo local deveria, portanto, ser acompanhada no mesmo ritmo por um apoio internacional para além das emergências.
A ideia várias vezes prospectada ao longo do tempo pelas autoridades de Bangladesh e retomada também nos últimos dias, da realocação dos fugitivos de etnia Rohingya na ilha de Thengar Char, na Baía de Bengala, não só é difícil de realizar devido às condições ambientais e à distância das sedes atuais, mas fortemente condenada por organizações internacionais que temem para os Rohingyas - já no momento, mais da metade fora do território birmanês – uma solução baseada na expulsão total do Mianmar como alternativa ao genocídio ou à segregação.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Cerca de 300 mil Rohingyas fugiram para o Bangladesh - Instituto Humanitas Unisinos - IHU